De rodas de frevo a sedes de blocos, Recife e Olinda reativam memória da folia

A 40 km das cidades-irmãs, Praia do Paiva é boa para quem busca descanso

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Paço do Frevo, em Recife João Carlos Mazella/Fotoarena/Folhapress

Gianni Gianni
Recife

Quando o cantor PC Silva lançou a canção "Um Frevo Para Pular Fevereiro", no início de 2021, ele não imaginava que a letra ecoaria por duas festas de Carnaval seguidas.

"A dor de um ano inteiro/ ainda teimando em doer/ desde a Quarta-Feira de Cinzas/ passada que espero pra ver/ sorriso subindo ladeira/ Olinda naquele refrão/ iremos cantar a ti outro ano", diz a composição que traduz a melancolia acumulada em solo pernambucano.

A alegria com o sucesso da música fica embotada pela frustração do seu significado. "Quando fiz essa canção, eu só queria que ela virasse o registro de um momento difícil e que pudesse ser um afago para quem ama o Carnaval. Gostaria de estar lançando agora um novo, apontando para dias melhores de um Carnaval que, infelizmente, não veio", comenta o cantor.

É verdade que a tradicional aglomeração de rua –em 2020, foram 3,6 milhões de pessoas circulando pelos bairros olindenses, segundo dados da Prefeitura– ainda se mostra inviável.

No entanto, com o avanço da vacinação e a circulação mais flexibilizada, muitas pessoas buscam alternativas para se conectar com a folia seguindo o protocolo sanitário.

Ilustração com o tema Olinda. Na imagem, há duas figuras emolduradas e um livro; o primeiro é o retrato de um homem; o segundo mostra uma garrafa com "AXÉ" escrito no rótulo; o livro tem o título "O amanhã não está à venda" na capa. Há a frase "tá tendo menos frevo, mas muito axé" no topo da ilustração.
Bruna Maia

Sem o empurra-empurra habitual, o Sítio Histórico de Olinda, tombado pelo Iphan e considerado patrimônio da humanidade pela Unesco, revela uma elegância que muitos turistas acostumados a vir à cidade apenas na época da festa desconhecem.

Afinal, nesse período, os tapumes de proteção e a estrutura para os foliões escondem boa parte do complexo arquitetônico da chamada Cidade Alta. Nela, aliás, o Carnaval habita o ano inteiro, por isso não é difícil encontrar lugares com o poder de transportar qualquer um para o meio de um bloco.

É o caso da sede do Homem da Meia-Noite, um dos personagens mais tradicionais de Olinda, que completa 90 anos em fevereiro.

A casa do calunga, como também é conhecido, fica no bairro do Bonsucesso e é aberta à visitação. Lá, o visitante fica cara a cara com o boneco gigante mais carismático de que já se teve notícias.

"A sede é testemunho de que o Homem da Meia-Noite está vivo, na sua tradição, nas obras de arte, suas roupas com muitos anos de história. É o símbolo da primeira Capital Brasileira da Cultura, é quem abre o Carnaval da cidade, é a grande referência, quem faz as pessoas se apaixonarem e chorarem", acredita o presidente do clube Luiz Adolpho.

Outros blocos tradicionais cujas sedes valem uma visita são o Cariri Olindense e a Pitombeira dos Quatro Cantos. Conhecer esses pequenos templos da cultura popular é também um modo de dar suporte a um setor profundamente abalado pelo contexto do isolamento social.

"Estou bem preocupado com o impacto que este segundo ‘não Carnaval’ vai ter sobre a cadeia produtiva. Devemos fazer a camisa do nosso bloco para mandar a grana para a orquestra mesmo sem ter desfile, mas é muito triste", diz Vitor Valença, um dos fundadores do bloco A Troça.

Por isso, suas principais recomendações para os turistas são os locais que compõem a rota das agremiações, assim como dar uma volta no Largo do Amparo, no Alto da Sé, no bairro de Guadalupe, na Praça do Carmo.

O Bar do Ró, ponto de encontro de instrumentistas e carnavalescos, é um estabelecimento popular, no bairro de Guadalupe, com 12 anos de história, que serve comida regional e é administrado por Robson Leão, filho do conhecido maestro Oséas Leão.

Como seu pai ensaiava no estabelecimento, e muitas pessoas iam para ver os ensaios, o proprietário teve a ideia de organizar "rodas de frevo" regulares. Se o turista concorda que o ritmo combina com o ano inteiro, vai gostar de saber que no Bar do Ró nunca faltam cerveja gelada e acordes para cair no passo.

Carnaval também é uma herança de família no bazar de máscaras de Julião. No mesmo bairro em que Ró serve seus quitutes, o artesão João Dias Vilela Filho comercializa suas peças de papel machê, fruto de um ofício que atravessa gerações há mais de cem anos, iniciado pelas mãos de seu avô Julião.

Os artigos mais famosos, sem dúvida, são as cabeças de La Ursa, figura mitológica e mendicante da cultura pernambucana. O ateliê é uma oportunidade não só de conhecer personagens das narrativas locais, mas também de levar consigo um pedaço dessa tradição.

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Rua do centro antigo do Recife - Adolfo Santos Sonteria/Folhapress

Na capital pernambucana, por sua vez, o Paço do Frevo continua parada obrigatória. Excelente para visitar junto às crianças, o espaço promove uma vivência lúdica e formativa. Situado na Praça do Arsenal, área do Bairro do Recife que, em anos não pandêmicos, costuma funcionar como polo de atrações durante o mês de fevereiro, o museu é referência de preservação da música local e de sua dança marcada por movimentos ágeis e muitos saltos.

Durante o primeiro semestre de 2022, o Paço abriga ainda a exposição temporária "Patrimônios Periféricos", resultado de um conjunto de oficinas artísticas realizadas junto a jovens, que produziram nove obras, entre instalações e videoartes. Os ingressos custam R$10 (inteira).

Do museu até o Marco Zero são cinco minutinhos de caminhada. Uma opção para continuar a celebração no estilo petit comitê é fazer um passeio de barco pela área histórica da cidade, observando de outro ângulo as pontes que acumulam multidões durante o Galo da Madrugada, no Sábado de Zé Pereira.

Sombra e água fresca

Não muito longe das cidades-irmãs que sediam o Carnaval da região metropolitana, a cerca de 40 minutos de carro saindo do centro do Recife e seguindo por uma rota com pedágio, é possível desfrutar um feriado mais clássico.

Para quem não tem uma história de amor com o Carnaval e sempre viu esses dias como chance de folga prolongada, a Praia do Paiva pode se revelar uma opção de descanso confortável.

Com uma orla ladeada por coqueiros, possui áreas de corais que permitem a formação de piscinas naturais e banhos com segurança. Em alguns pontos, porém, a maré é mais agressiva —atenção às placas de sinalização dispostas na faixa de areia.

A Praia do Paiva é uma opção de descanso confortável - Guga Matos/SeturPE

A área conhecida como Reserva do Paiva, resultado de uma série de intervenções urbanas nas últimas décadas, tem um caráter residencial, com oferta de lazer ao ar livre. Aos sábados, domingos e feriados, há o serviço de aluguel de bicicletas e charretes, caso se queira aproveitar os 6,5 quilômetros de ciclofaixa e a tranquilidade do Parque da Lagoa.

Outro sucesso entre moradores e visitantes é a prática de beach tennis, modalidade jogada em dupla que mescla o tênis tradicional, o vôlei de praia e o badminton. Tanto o aluguel de bicicletas quanto as redes disponíveis para beach tennis podem ser encontradas próximas ao Empório Gourmet, o principal complexo de restaurantes e serviços dessa região.

Nele, é possível degustar excelentes pratos de frutos do mar no restaurante Beijupirá ou curtir um fim de tarde descontraído na varanda da Padoca do Paiva —no mês de fevereiro, a Padoca traz uma programação de rodas de samba, para não deixar o Carnaval passar em branco.


SERVIÇO

Bar do Ró
R. Orlando Silva, 57, Guadalupe, Olinda. Qui. a seg.: 11h30 às 23h.

Sede do Homem da Meia-Noite
Estr. do Bonsucesso, 132, Bonsucesso, Olinda. Qui. a sáb.: 11h às 18h; dom.: 10h às 13h

Bazar de Máscaras de Julião
Av. Joaquim Nabuco, 1234, Guadalupe, Olinda. Seg. a sex.: 8 às 18h; sáb.: 9h às 14h.

Paço do Frevo
Praça do Arsenal, Recife. Ter. a sex.: 10h às 17h; sáb. e dom.: 11h às 18h.

Parque da Lagoa
Cabo de Santo Agostinho, Paiva (PE)

Padoca do Paiva
R. dos Jacarandás, s/n. Cabo de Santo Agostinho, Paiva (PE). Seg. a dom.: 8h às 20h.

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