Descrição de chapéu Interior de São Paulo

Turista pode dormir em capela dos anos 1950 no interior de São Paulo

Hospedagem tem cama de casal na nave, mesa no altar e banheiro com chuveiro duplo na torre

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Amparo (SP)

Na pandemia, o sistema de aluguel por temporada na fazenda de Bruno Paschoal virou a principal fonte de renda da família. A 90 km da capital paulista, na cidade de Amparo, seus quartos e casinhas bem decorados e dispostos em 40 hectares atraíram turistas interessados em descanso, home office e contato com a natureza.

Mas, uma das acomodações em especial despertava (e ainda desperta) nos viajantes um misto de sentimentos: diante da Capela Catalã, uma construção da década de 1950 com cruz no topo, afresco no teto, torre, vitrais, confessionário e tudo mais a que uma igreja tem direito, teve gente que experimentou medo, preconceito e dúvida sobre se hospedar ou não ali.

Capela Catalã, na Fazenda Santa Esther, na cidade de Amparo (SP) - Divulgação

"Eu imagino que em torno de 70% das pessoas rejeitam a ideia e 30% gostam. É uma coisa mais ‘ame ou odeie’", avalia Paschoal. "Quem vem gosta muito da experiência. Ainda não tivemos nenhuma reclamação."

A Capela Catalã de Amparo foi erguida tendo como inspiração a Igreja de Sant Climent de Taüll, da província de Lérida, na Espanha —esta, construída entre os séculos 11 e 12. A original tem um campanário altíssimo, de seis pisos, três naves e uma pintura do Pantocrator, a representação de Jesus com a mão direita em posição de bênção.

Na capela da Fazenda Santa Esther, a torre de quatro pisos guarda toda a parte de serviços da acomodação. No primeiro pavimento fica a cozinha, equipada com fogão, frigobar, pia, micro-ondas, armários e utensílios básicos.

Subindo para o segundo andar se chega ao lavatório, com vaso sanitário "guardado" em uma casinha de madeira e pia para higiene pessoal. Mais um lance de escada e o visitante terá à disposição o moderno chuveiro duplo com encanamentos de cobre expostos, sem box e com vista 360º pelas quatro janelas.

Acima de tudo isso ficam uma área técnica com os aquecedores e o observatório, de onde se admira toda a extensão da fazenda.

Interior da capela, com cama no centro da nave e mesa de refeições onde antes era o altar - Divulgação

Foram necessários R$ 150 mil para transformar a Capela Catalã em uma hospedaria adequada e confortável. O espaço foi todo pintado —com exceção do Pantocrato no altar, completamente preservado—, o forro do coro foi restaurado, e surgiram todas as melhorias no campanário, antes um espaço absolutamente vazio e sem uso.

"Já fazia mais de uma década que a capela não recebia qualquer evento religioso. O bispo de Amparo não estava nem mais autorizando casamentos na capela porque ela não era mais consagrada, não tinha uma rotina de eventos religiosos e não contribuíamos com o Vaticano", explica Paschoal.

A família promoveu, então, alguns eventos, imersões e experiências artísticas na capela. Porém, com a pandemia, foi preciso interromper todas essas atividades coletivas e veio assim a ideia de mudar o lugar.

"Decidimos transformá-la no espaço que mais dialogava com o espírito do tempo que vivíamos: um chalé de luxo amplo, uma experiência de loft sacro, o único uso possível para o espaço naquele momento, respeitando o isolamento", conta o proprietário.

A psicóloga Ana Canosa, 54 anos, já ficou duas vezes na Capela Catalã. "Tem uma acústica incrível para ouvir música. O chuveiro é maravilhoso, e gosto da luz que entra pelos vitrais", diz.

Os primeiros hóspedes foram o casal Gustavo e Luiz, do perfil Reservas Pra Dois no Instagram. "Escolhemos convidar uma família homoafetiva para inaugurar a capela. Justamente eles, que muitas vezes são discriminados pela própria Igreja. Era aniversário de uma das filhas e foi bem especial", diz Paschoal.

A Capela Catalã já apareceu em alguns tweets, repercutindo a experiência de hóspedes, e, neles, invariavelmente se vê a divisão de opiniões a que o proprietário diz ter se acostumado.

"Algumas pessoas têm medo de dormir na capela, falam de assombração, espíritos, associam a ‘Midsommar’", exemplifica, mencionando o filme de terror lançado em 2019, em que um grupo de jovens se hospeda em um vilarejo onde acontecem coisas estranhas, e onde há uma construção de interior semelhante ao da Capela Catalã.

"Outras acham de ‘mau gosto’ por estar usando um espaço religioso como acomodação. Algumas pessoas também se dizem desconfortáveis por ter Jesus olhando para elas e dizem que não conseguiriam transar ou fazer algo mais íntimo no espaço."

Para Paschoal, trata-se de "conservadorismo". "As pessoas não entendem que espaços podem ser ressignificados e ganhar novos usos, e que Deus, na verdade, está dentro de nós e não em um prédio específico."

Desde 2017, ele mora com a mulher e duas filhas na Santa Esther. A propriedade, um fragmento de uma fazenda de café do século 19 com dez vezes mais espaço do que o atual, foi comprada por seus pais, em 1995. A capela foi construída pelos proprietários anteriores, uma família catalã.

Quem se hospeda na Capela Catalã tem à disposição toda a estrutura da Santa Esther, incluindo piscina, cachoeiras e um espaço coletivo, a tulha, onde podem ser servidas refeições previamente agendadas com a administração.

Entre as habitações também disponíveis estão um antigo estábulo, completamente reformado e adaptado, e uma outra capela, bem menor que a Catalã, à qual foi anexado um contêiner no qual se insere o quarto de casal e, no topo, do lado de fora, fica uma espécie de varanda com vista para o vale.

Na Capela Catalã cabem até quatro pessoas. No centro da nave fica a gigantesca cama de casal, de costas para o altar, onde há uma mesa alta com banquinhos para refeições. Outra mesa, mais próxima à porta principal, também serve como espaço de trabalho para quem vai para passar mais tempo.

No coro, além do harmonius (espécie de órgão) que não funciona mais, fica um sofá-cama, de frente para uma TV de 50 polegadas com os principais serviços de streaming à disposição. Uma Alexa e a conexão de fibra tornam tudo ainda mais confortável.

O charme do lugar mora também nos detalhes: o antigo dispenser de água benta ainda está na parede, bem como o confessionário, que agora pode servir de guarda-roupas ou trocador. É importante saber que as escadas de toda a capela são muito estreitas e íngremes, o que torna o lugar pouco recomendável a famílias com crianças muito pequenas, pessoas com dificuldades de locomoção, idosos e obesos.

Na decoração, surgem alguns chistes inofensivos. É o caso da reprodução de "O Jardim das Delícias Terrenas", de Hieronymus Bosch, que descreve a história do mundo apresentando o paraíso e o inferno, e uma cópia de "O Código Da Vinci", de Dan Brown, que especula sobre a lenda do Santo Graal e o papel de Maria Madalena na história do cristianismo.

Capela Catalã na Fazenda Santa Esther

Rodovia SP 360, km 124,3, Amparo, SP. Diárias a partir de R$ 600. Reservas da Capela no link airbnb.com/h/fse-capela. Para a fazenda, www.fazendasantaesther.com.br.

A jornalista se hospedou a convite da Fazenda Santa Esther.

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