Glenn e Celso Rocha de Barros divergem sobre decisões de Moraes em debate na TV Folha

Jornalista e colunista da Folha discutiram liberdade de expressão após troca de mensagens no Twitter

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

O jornalista americano Glenn Greenwald e o sociólogo e colunista da Folha Celso Rocha de Barros divergiram em debate na TV Folha nesta quarta-feira (18) a respeito de decisões sobre liberdade de expressão tomadas pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal).

Glenn criticou a extensão de entendimentos adotados durante as eleições para suspender perfis de redes sociais de pessoas ligadas ao bolsonarismo e falou em censura. Celso disse que é equivocado pensar em poderes ilimitados de Moraes e que medidas foram justificadas no contexto de tentativa de golpe.

O debate, mediado pela repórter especial Patrícia Campos Mello, foi promovido depois que os dois trocaram mensagens públicas no Twitter sobre o tema. Celso escreveu que o americano estava espelhando o ponto de vista bolsonarista sobre liberdade de expressão, o que Glenn rebate.

Convidados, ambos aceitaram fazer a conversa ao vivo, pela internet, na TV Folha.

Na transmissão, o jornalista —que vive no Brasil há 20 anos— afirmou que Moraes está tratando como "poder quase permanente" as garantias que teve na eleição em um contexto de polarização e fake news. Para ele, o ministro desrespeita o devido processo legal e barra o direito de defesa.

"Como é possível que uma lei implementada a título de proteger as eleições e que deveria terminar com as eleições, como é possível que Alexandre de Moraes ainda use essa lei que já expirou?", indagou. "Ninguém na esquerda está perturbado que ele ainda esteja usando esses poderes sem a menor base na lei?"

"Mesmo Alexandre de Moraes tem que ser limitado pela lei", continuou, dizendo que é um erro da esquerda brasileira achar que tudo é válido contra seus adversários, inclusive medidas excepcionais. "É uma mentalidade tão perigosa quanto outra qualquer outra ameaça."

Celso reiterou a Glenn sua visão de que o bolsonarismo manobra o tema não por respeito à Constituição, mas como meio para atacar e fustigar o STF. "Alexandre não é um sujeito todo-poderoso que passou por cima de todas as instituições", disse. "Suas decisões são sistematicamente confirmadas pelo conjunto dos ministros do STF."

Segundo o sociólogo, Moraes não age sozinho, mas com poderes referendados pelo Supremo e pelo Congresso. "Não é que ele é mais poderoso que os outros ministros [do STF], os outros ministros é que deram a ele a tarefa de segurar o autoritarismo do Bolsonaro, assim como o Congresso."

Glenn e Celso Rocha de Barros divergem sobre decisões de Moraes em debate na TV Folha
Glenn Greenwald e Celso Rocha de Barros debatem em live - Reprodução

O ponto principal de Celso foi o de que "não dá para debater liberdade de expressão sem mencionar o movimento por um golpe de Estado apoiado pelo presidente da República, por militares e por setores do empresariado".

Por essa ótica, de acordo com ele, é preciso lembrar que, dependendo do contexto, uma fala pode incentivar outras pessoas a cometerem crimes, o que não está coberto pela Constituição. Ele indicou que medidas rigorosas podem ser adotadas quando alguém instiga seguidores a dar um golpe de Estado.

"Eu não acho que é uma ditadura do Judiciário. Alexandre de Moraes não é um sujeito todo-poderoso e esse é um caso extremo de discussão sobre liberdade de expressão, que é quando ela se confunde com a organização de um crime, e não há Constituição no mundo que permita isso", afirmou.

O sociólogo, no entanto, concordou com Glenn na crítica de que "existe o risco de esses argumentos um dia serem usados para perseguir opositores legítimos" de um político ou governo.

Glenn reiterou no debate a opinião de que é perigoso o pensamento, referendado por parte da esquerda e dos detratores de Bolsonaro, de que qualquer atitude contra o ex-presidente e seu grupo político "estaria automaticamente justificada".

O americano usou como exemplo a reação linha-dura adotada pelo governo dos Estados Unidos após os ataques do 11 de Setembro a título de combater o terrorismo e alertou para o risco de abusos.

"Aprendi naquela época que havia, sim, muitos perigos, mas aprendi com a história que muitas vezes os poderes que o governo usa em nome de combater o terrorismo muitas vezes são mais perigosos do que os terroristas, e acho que estamos chegando a esse ponto aqui no Brasil", afirmou.

Para o jornalista, decisões de Moraes incorreram em cerceamento ao processo legal justo, problema que estava por trás da Vaza Jato, como ficaram conhecidas as mensagens que mostraram proximidade entre procuradores e o então juiz Sergio Moro em casos da Operação Lava Jato.

"O mesmo que eu defendia na Vaza Jato é o que defendo agora", afirmou, repudiando a ideia de que "o Estado tenha o poder de condenar alguém sem um processo justo". Ele disse que Moraes extrapola suas funções em casos nos quais age como investigador e julgador.

Glenn criticou "o comportamento dele nos últimos dois anos, em que fica censurando pessoas, mandando [fazer operações de] busca e apreensão, até prendendo pessoas, sem julgamento, sem processo devido, muitas vezes iniciando, julgando e punindo".

Ele disse ainda que alvos de decisões do magistrado não entenderam acusações que estavam sendo imputadas a eles. "Entendo, e a Constituição brasileira prevê isso, que é proibido tratar uma pessoa como criminosa até você mostrar provas ou ter um julgamento em que a pessoa tem o direito de contestar acusações."

Falando especificamente do bloqueio de perfis do PCO (Partido da Causa Operária), sigla de esquerda, o jornalista afirmou que essa foi uma das "coisas muito assustadoras" feitas por Moraes, que se caracterizou por dar "pouco espaço para a apelação".

"Para mim, para proteger valores democráticos ou lutar contra o fascismo, você não pode usar as ferramentas dos fascistas: censura, julgando pessoas sem processos justos. Tem que defender o valor da liberdade de expressão, que, para mim, está em perigo com a atuação de Alexandre de Moraes."

Por problemas de conexão à internet, Celso não conseguiu apresentar seus argumentos nas considerações finais.

Glenn relatou que, por suas posições no tema da liberdade de expressão, ouve da esquerda críticas como as de que não compreende plenamente as leis brasileiras por ser estrangeiro, importa uma visão americana e desconhece em profundidade a política brasileira. "A esquerda nunca disse isso sobre mim nos últimos dez anos, só ficou aplaudindo", observou.

A conversa entre os dois no Twitter gerou ampla repercussão entre seguidores de esquerda e direita.

"Caro Greenwald, vejo que você gravou um programa expressando o ponto de vista bolsonarista sobre as recentes decisões do STF e a crise política brasileira. Você gostaria de discutir a visão oposta no ar, num debate aberto, sem edição? Eu sou voluntário", escreveu Celso em inglês.

"Não acho que a preocupação com o poder judicial excessivo, a falta de devido processo legal e a politização do Judiciário sejam valores 'bolsonaristas'. Aliás, são esses mesmos valores que me fizeram aceitar o risco de ir para a cadeia por reportar sobre a Vaza Jato. Mas fico feliz em debater com qualquer pessoa de boa-fé", respondeu Glenn.

Jornalista e escritor americano radicado no Brasil desde 2005, Glenn foi um dos jornalistas que, em parceria com Edward Snowden, levaram a público a existência dos programas secretos de vigilância global dos Estados Unidos. Ele também revelou diálogos mantidos pelo ex-juiz Sergio Moro com procuradores, no caso que ficou conhecido como Vaza Jato.

Já Celso é servidor federal e doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra). Publicou, no ano passado, "PT, uma História" (Companhia das Letras).

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.