Durante a ditadura militar no Brasil, muitos artistas sofreram violenta repressão do regime
De censura e exílio a violentas sessões de tortura para impedir que a arte retratasse os horrores da ditadura ou qualquer outro material considerado "subversivo"
Foi o caso de Raul Seixas e Paulo Coelho. Eles desfrutavam do sucesso do disco "Krig-ha, Bandolo!", primeiro álbum solo de Raul com composições de Coelho lançado em 1973
O disco, que tem sucessos como "Mosca na Sopa", "Metamorfose Ambulante" e "Ouro de Tolo", vinha acompanhado de um gibi que citava uma Sociedade Alternativa
Raul Seixas foi chamado a depor no Dops, o Departamento de Ordem Política e Social, da ditadura militar para prestar esclarecimentos sobre o disco e o gibi que o acompanhava
Segundo Jotabê Medeiros, autor de “Raul Seixas: Não Diga que a Canção Está Perdida”, Raul chamou Paulo Coelho para depor com ele
De acordo com o livro, Raul entrou na sede do órgão, ficou lá por meia hora e retornou tentando dar algum recado cifrado ao amigo que o esperava, cantarolando "eles querem você" em inglês
Coelho não entendeu e foi chamado para o interrogatório. A polícia foi até o apartamento do escritor e prendeu sua namorada, Adalgisa Rios, ex-militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB)
No dia seguinte, quando liberado, Coelho pegou um táxi com Raul, mas foi capturado novamente e levado para um lugar desconhecido, onde sofreu torturas por duas semanas
De acordo com documento obtido por Medeiros, Raul Seixas já havia prestado depoimento ao Dops um mês antes
O texto diz que,“por intermédio do compositor” seria possível achar e prender “o foragido Paulo Coelho Pinheiro, do PCBR”, e Adalgisa Rios, considerados “elementos subversivos”
Após publicação de matéria da Folha sobre o caso, Paulo Coelho se manifestou no Twitter: “Fiquei quieto por 45 anos. Achei que levava segredo para o túmulo”
Com a repercussão, uma hora depois, voltou a tuitar: "Não confirmei e não confirmo nada. Eu apenas vi o documento e me senti abandonado na época. Por isso que não quis dar entrevista"
Ele apagou as postagens. No dia seguinte voltou à rede social para dizer que duvidava do documento apresentado por Medeiros. “O que se passou entre Raul e eu fica entre nós", disse
O documento veio à tona no lançamento do livro, em outubro de 2019. Em maio de 2020, essa história ganhou novo capítulo
Paulo Coelho foi preso e torturado no lugar de um membro do PCBR quase homônimo. O nome completo do escritor é Paulo Coelho de Souza. O do militante é Paulo Coelho Pinheiro
Paulo Coelho Pinheiro, mencionado na ordem de prisão do compositor, estava estava foragido na França desde 1970
Uma ficha policial de Coelho Ribeiro em 1973 misturava a identidade do militante com a do escritor. Afirmava que, ao lado de Raul, Coelho Pinheiro escrevera o tal panfleto “distribuído clandestinamente, contendo propaganda subversiva”
Esses documentos e o novo personagem jogam luz sobre duas biografias —a do Paulo, porque põe fim a um mistério de meio século, e a do Raul porque põe uma pedra sobre uma suspeita terrível, a de que ele teria delatado Paulo Coelho.
Fernando Morais, biógrafo de Paulo Coelho
TEXTOS
Lucas Brêda Cristina Serra Rogério Marques
IMAGENS
Antonio Guadério, Niels Ackermann, Moacyr Lopes Junior e Silvio Ferreira/Folhapress Gonçalves/Agência O Globo Acervo Instituto Paulo Coelho