Quem foi Maria Bonita?

O museu Casa de Maria Bonita é uma construção de pau-a-pique comum no semiárido nordestino

Foi naquele lugar que a bandida mais famosa do país nasceu e viveu no início do século passado, antes de deixar o marido e partir com o bando de Lampião por caminhos tortos e o sol a pino

Sua história é pouco conhecida. O agricultor desempregado Adelmo Gomes de Oliveira, sobrinho-neto da famosa cangaceira Maria Bonita só soube quando adulto que a tia-avó existira de fato

E olha que ele passou a infância e a adolescência sob aquele mesmo teto em Malhada da Caiçara, um povoado a 40 km do município baiano de Paulo Afonso

O cangaço tem disso, sua história foi sendo construída entre causos e o testemunho de quem viu o banditismo de perto, de modo que na própria região em que teve origem o povo não sabe o que é verdade e o que é mito

Sabe-se que ele foi assim cunhado no século 19 e teve origem em injustiças sociais e disputas latifundiárias. Tomou proporções midiáticas entre o fim do século 19 e o início do 20, com direito a artigos na imprensa americana

Segundo Adelmo, seus familiares mais velhos sempre se referiram a Maria Bonita mais como uma lenda do que como mulher de carne e osso

O governo local contratou Adelmo para reconstruir a casinha de Maria Bonita e convertê-la em museu, o que foi feito em dois meses com base na memória dele, em fotos e nos próprios escombros 

Quando trabalhava na reconstrução é que Adelmo foi se dando conta. "Pela primeira vez vi uma imagem de Maria Bonita e vi que ela existiu de verdade", diz, apontando retratos da tia-avó nas paredes

Nessas fotos, Maria Bonita está sempre bonita mesmo. Com 1,56 metro de altura, ao menos para retratos, vestia-se com esmero, o cabelo meticulosamente penteado e preso com fivela. Anéis e correntes

Entediada com o primeiro casamento, Maria Gomes de Oliveira optou por uma vida louca e errante, e se firmou como liderança na companhia de um sanguinário, Lampião

Diziam que era mulher de um riso solto e volumoso, "típico das quengas"

A biógrafa de Maria Bonita, Adriana Negreiros, aposta que, sim, ela criou uma nova noção de feminilidade em uma região onde as mulheres eram tratadas quase como animais

Mas rejeita que ela seria um símbolo de feminismo. "Para a época, ela era empoderada, sim. Mas, em situações de violência contra a mulher no bando, não assumia a posição de considerar que havia opressão com elas, pelo contrário."

A pesquisadora exemplifica essa contradição. "Se uma mulher contrariava os códigos de conduta, Maria Bonita era a favor da aplicação da lei do bando."

Próximo ao município alagoano de Piranhas, à beira do rio São Francisco, a história muda de rumo e três cruzes fincam entre pedras, na grota de Angico, o fim do bando de Lampião

O massacre aconteceu em julho de 1938, próximo ao local onde hoje há um restaurante. Entre os cangaceiros, foram mortos nove homens e duas mulheres. Maria Bonita, entre elas, foi decapitada viva

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TEXTOS

Gustavo Fioratti

IMAGENS

Bruno Santos/Folhapress
Rubens Antonio
Instituto Moreira Salles
Ricardo Albuquerque/Sociedade do Cangaço
Laura Salaberry/Giphy

PRODUÇÃO DE WEB STORIES

Rebeca Oliveira