O inesquecível carnaval de 1919
A gripe espanhola desembarcou no Brasil em 1918, com os navios vindos da Itália, após a Primeira Guerra Mundial (1914 - 1918)
Não há precisão estatística, porém os números mais conservadores apontam entre 20 milhões e 50 milhões de mortos no mundo. No Brasil, a variação nos registros vai de 20 mil a 35 mil mortos
O local que mais sofreu com a pandemia foi o Rio de Janeiro, então sede do governo federal. O presidente eleito, Rodrigues Alves, morreu antes de assumir o mandato --há controvérsias se de leucemia ou se de gripe espanhola
O futebol teve que parar, o campeonato Paulista foi adiado e jogos foram cancelados. As sedes de clubes foram utilizadas como hospitais provisórios
O Campeonato Sul-Americano, atual Copa América, também foi adiado. As arquibancadas do estádio das Laranjeiras, no RJ, estavam sendo construídas justamente para a competição
Em 15 de outubro de 1918, a Gazeta de Notícias destacava a “invasão da influenza hespanhola” e descrevia como os coveiros estavam ficando doentes e morrendo, a polícia saía à rua capturando homens fortes, forçados a abrir covas e sepultar os cadáveres
Quem não morreu viu a doença partir, quase que de súbito, como havia chegado. Ao fim de 1918, boa parte da população havia criado anticorpos contra aquela versão do vírus H1N1, que deixou de ser uma ameaça
Em janeiro e fevereiro de 1919, houve um intervalo para chorar os mortos e tentar restaurar alguma normalidade no Rio
Então, em 1º de março, explodiu o Carnaval da ressurreição ou, como definiu o escritor Ruy Castro, o Carnaval da revanche, “a grande desforra contra a peste que dizimara a cidade”
“Quando acabou a guerra, teve uma liberação de energia, e o Carnaval se consumou de uma forma estrondosa, como se fossem várias tensões represadas estourando”, diz o jornalista e pesquisador David Butter
Ainda não existiam as escolas de samba, mas havia blocos, cordões, ranchos, corsos e as chamadas grandes sociedades, organizações gigantes que apresentavam carros alegóricos decorados por artistas como Di Cavalcanti e J. Carlos
As músicas daquele ano eram um escárnio dirigido à espanhola e à morte. Os desfiles das grandes sociedades tiveram a doença como tema
A gripe, como se sabe, só era espanhola no nome, já que foi a imprensa da Espanha a primeira a noticiá-la sem censura. Nada disso impediu que a fantasia de espanhola acabasse se tornando uma das mais vistas na cidade
Fosse qual fosse a roupa, nas grandes sociedades ou em celebrações mais pobres, havia uma onda erótica decorrente da tragédia
Começou o Carnaval e, de repente, da noite para o dia, usos, costumes e pudores tornaram-se antigos, obsoletos, espectrais. A espanhola trouxera no ventre costumes jamais sonhados. E, então, o sujeito passou a fazer coisas, a pensar coisas, a sentir coisas inéditas e, mesmo, demoníacas
Nelson Rodrigues, escritor, em 1967
Entre batalhas de confete e borrifadas de lança-perfume, os cariocas concebiam os “filhos do Carnaval”, que nasceriam entre novembro e dezembro. Natural, segundo Carlos Heitor Cony, que, “depois da fase mortuária, viesse a fase libertária, ou libertina”
"Ninguém como o brasileiro, como o carioca, tem esse dom maior de transformar o luto que passou em alegria", afirma Tarcisio Zanon, carnavalesco da Viradouro. "O Carnaval é, sim, um grande remédio"
O Carnaval de 1919 é considerado "o maior carnaval de todos os tempos"
TEXTOS
Marcos Guedes
João Gabriel
IMAGENS
Revista Careta e Flu-Memória /Biblioteca Nacional
Acervo/Club Athletico Paulistano
A Gazeta de Notícias
National Photo Company/ Library
California History Room/ California State Library
PRODUÇÃO DE WEB STORIES
Rebeca Oliveira
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