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EM CIMA DA BOLA

 Flávio Araújo

Já que vi, vou contar

A noite era fria e a garoa virava chuva copiosa, estragando ainda mais o já sofrido gramado do Pacaembu. Janeiro, 1957, pleno verão. Que levou a chuva e abriu o céu de estrelas para melhor iluminar a noite de congêneres. Os portões do estádio estavam escancarados e livres a todos que portassem uma cartela dos cigarros Marusca. Idéia de Edson Leite, o criador de toda a grandeza que foi a Bandeirantes. O jogo teve tudo que um verdadeiro espetáculo de futebol deve mostrar. Depois de um gol do Flamengo marcado por Moacir, Puskas tomou a bola entre os braços, chamou os seus e comandou. Deram nova saída e tocando de pé em pé, cadenciando, aumentando o ritmo, o adversário só olhava extasiado. Pararam depois da fabulosa esquerda de Puskas introduzir a bola nas redes de Ari. Fantasia e realidade tirada dos escaninhos de minha memória. Alegria por poder narrar um espetáculo de futebol de sonho. Os húngaros negavam-se a voltar ao seu país dominado pelos tanques russos. Insones, abatidos, sem treinos e sem norte vieram ao Brasil desafiando Fifa e CBD. Perderam, ganharam, mostraram arte. Puskas seguiu seu caminho depois de dois anos suspenso pelos algozes da Fifa, sempre subserviente aos sabujos no poder. Na passagem do craque quase tudo que li começa pela frase: "Não vi Puskas jogar". Não penso que pela idade, mas sim pela minha felicidade, posso dizer como disse o poeta: "Meninos, eu vi !"

  Flávio Araújo , jornalista, radialista, escreve aos domingos neste espaço. E-mail: flaypi@uol.com.br


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