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Quero Ser Mãe

23/09/2004

A polêmica da sexagem

CLÁUDIA COLLUCCI
colunista da Folha Online

Um assunto da semana que mereceu a indignação de dezenas de médicos da área de reprodução assistida --e a minha em especial-- foi a reportagem da revista "Veja", do último domingo, que trata da sexagem, ou seja, da possibilidade de escolha do sexo dos bebês por meio da reprodução assistida.

A prática é proibida pelo código de ética da medicina, além de ser condenada pela Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida. Mas há médicos que não só a fazem como admitiram publicamente à revista que descumprem a norma porque ela é velha e os tempos mudaram.

O que é moderno? Casais que não têm problemas para engravidar e que, por uma questão puramente de capricho pessoal, lançam mãos de técnicas de reprodução assistida que podem colocar em risco a vida e a saúde do futuro bebê?

O que esses médicos e a mídia festiva não mostram são os casos cada vez mais freqüentes de crianças nascidas por ICSI com alterações genéticas, retardo de aprendizagem, entre outras.

Homens que possuem alterações no cromossomo Y, por exemplo, que naturalmente não poderiam gerar um filho, hoje até conseguem por meio da ICSI. Mas têm grandes chances de passar a doença para o filho. Isso é ético? Os pais estão tomando a decisão acertada?

No próximo congresso da sociedade americana de reprodução assistida, que acontece em outubro da Pensilvânia, quase um terço dos "abstrats" (resumos dos trabalhos que serão apresentados) se refere a problemas causados pela FIV e pela ICSI, seja do ponto de vista médico, psicológico ou sociológico.

Sei que muitas dessas questões são de fórum íntimo de cada um, mas muitas outras precisam ser discutidas pela sociedade. Não podemos esquecer, um só minuto sequer, que tanto a FIV quanto a ICSI são técnicas muito novas. O que são 26 anos (idade hoje do primeiro bebê de proveta, Louise Brown) na história da ciência? No caso da ICSI, então, o tempo ainda é menor: 12 anos.

Minha intenção não é alarmá-los, mas alertá-los para a falsa idéia de ilha da fantasia que, muitas vezes, a mídia insiste em embutir nessa área, endeusando médicos com condutas éticas extremamente questionáveis.

Por que será que a sexagem é proibida no resto do mundo? Por que será que a transferência de citoplasma é condenada por todas as sociedades de reprodução no Brasil e no exterior? Será que o mundo está errado e os "semi-Deuses" da ciência certos?

Volto a repetir: as técnicas de reprodução devem ser usadas como última alternativa para o casal infértil. Primeiro, devem ser esgotadas todas as possibilidades de uma gravidez natural. Seja por meio de uma investigação séria de todos os fatores que possam estar interferindo para a dificuldade de gravidez, seja por meio de procedimentos que restaurem a fertilidade do casal (reversão da vasectomia e laqueadura, correção de distúrbios hormonais, etc).

Em seguida, devem ser usados métodos de baixa complexidade (indução de ovulação e inseminação). FIV e especialmente ICSI devem ser a última opção, sempre.

Sobre a sexagem explicitada pela "Veja", o que eu espero é que tanto o CRM (Conselho Regional de Medicina) quanto o Ministério Público apurem o que anda acontecendo nas clínicas de reprodução. E que, de uma forma ou de outra, punam médicos irresponsáveis que tratam a saúde e a ciência da pior forma possível.

Leia artigo da psicóloga Luciana Leis sobre infertilidade e feminilidade.

Leia também artigo da dra. Lílian Fumie Takeda, ginecologista e especialista em medicina tradicional chinesa.

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Cláudia Collucci, repórter da Folha de S. Paulo, é mestre em História da Ciência pela PUC-SP e autora dos livros "Por que a gravidez não vem?", da editora Atheneu, e "Quero ser Mãe", da editora Palavra Mágica. Escreve quinzenalmente na Folha Online.

E-mail: claudiacollucci@uol.com.br

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