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Quero Ser Mãe

28/10/2004

Seleção de sexo

GILBERTO DA COSTA FREITAS
Especial para Folha Online

Relembrando um pouco da história, o desejo de controlar o sexo dos recém nascidos, com preferência para os do sexo masculino, é um assunto que remonta da antigüidade. A preferência de monarcas por descendentes masculinos levou os mesmos a praticar verdadeiros infanticídios de descendentes do sexo feminino, ritual descrito em várias culturas. Após o aparecimento do diagnóstico obstétrico de sexo pelo ultra-som, a prática de abortamento seletivo de fetos femininos aumentou e ocorre ainda hoje abertamente no norte da Índia.

Portanto selecionar o sexo de recém nascido não é uma prática tão recente, não justificando os argumentos de que hoje os tempos são outros e que talvez essa prática possa ser colocada como um artigo de consumo. Em resumo selecionar o sexo pode ser feito por técnicas que envolvem desde infanticídio com abortamento seletivo de fetos femininos até técnicas de reprodução assistida como o diagnóstico embrionário pré-implantação, assunto que parece estar na moda nos dias de hoje.

A seleção do sexo dos bebês tem sido tentada por décadas, progressos recentes na identificação do sexo de pré-embriões antes da sua implantação ou a separação dos espermatozóides com o cromossomo X ou Y por fluxometria combinados às técnicas de reprodução assistida, parecem oferecer uma possibilidade real para determinação pré-concepção do sexo dos fetos. Estes avanços são importantes no sentido de nos possibilitar avanços nesse campo em detrimento as antigas técnicas infanticidas. Ao mesmo tempo, fazem surgir novos aspectos éticos em relação a futuros problemas sociais potenciais causados pelo desequilíbrio sexual, como observado hoje em alguns países na Ásia.

O comitê responsável pelos aspectos éticos em Reprodução Humana da Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO), do Colégio Americano de Obstetrícia e Ginecologia (ACOG) e da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva (ASRM) faz recomendações aos seus membros como agir em relação à seleção de sexo, referindo-se é claro principalmente ao diagnóstico pré-implantação e transferência de embriões selecionados. Tais recomendações variam desde o completo banimento da seleção de sexo por razões não médicas, até o desencorajamento dessa prática enquanto não existir uma proibição legal.

É claro que tais recomendações provocam intensos debates entre os especialistas em Reprodução Humana. Aqueles que possuem uma visão mais global das implicações sociais e culturais da seleção de sexo perecem ser fortemente contra essa prática, baseada nas situações vividas hoje na China e parte da Índia, que tem levado a uma distorção na proporção entre os sexos nesses países. Globalmente, é estimado que 100 milhões de mulheres morrem prematuramente devido vário tipo de descriminação. Outros, com importante experiência prática, mas com perspectivas ocidentais mais restritas, não vêem maior risco em permitir casais escolherem o sexo dos seus descendentes por razões sociais ou pessoais.
O direito dos pais de escolher uma criança de um determinado sexo é defendido com vários argumentos. Existem três razões que sustentam tais argumentos. Primeiro isso poderia melhorar a qualidade de vida de crianças que supostamente seria melhor para um desejado sexo do que outro sexo não desejado pelos pais. Segundo isso melhoraria a qualidade de vida da família se fosse conseguido um balanço de sexo entre os filhos. Terceiro melhoraria a qualidade de vida da mãe, que teria menos filhos para conseguir filhos de um determinado sexo. Embora esses argumentos pareçam convincentes e vieram de ponto de vistas feministas, essas três razões envolvem o conceito de que há um sexo que é mais desejado que outro. A seleção de sexo tende a perpetuar uma sociedade sexista porque isso implicaria que um sexo é melhor que outro e contribuiria para descriminação do sexo.

Aqueles que defendem o direito dos casais escolherem o sexo de seus filhos não vêem risco de mudança na proporção entre os sexos. As razões para isso seriam que esses casais já teriam dois ou três filhos de um sexo e desejam pelo menos um de sexo oposto, sem preferência para homem ou mulher. Eles argumentam que isso é parte de liberdade reprodutiva enquanto outros defendem que há evidência para uma forte preferência para homens.

Finalmente não podemos esquecer jamais que não há como brecar os avanços científicos, nem por isso devemos esquecer as questões éticas, sociais e religiosa, que poderiam estar envolvidas. Além de que a humanidade evoluiu em aproximadamente cinco milhões de ano de forma aleatória, inclusive a seleção sexual natural, mudar essa evolução mais rapidamente o que poderia significar para o futuro da humanidade no planeta?

Gilberto da Costa Freitas é doutor em Medicina Reprodutiva pela Universidade de São Paulo

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    Cláudia Collucci, repórter da Folha de S. Paulo, é mestre em História da Ciência pela PUC-SP e autora dos livros "Por que a gravidez não vem?", da editora Atheneu, e "Quero ser Mãe", da editora Palavra Mágica. Escreve quinzenalmente na Folha Online.

    E-mail: claudiacollucci@uol.com.br

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