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Quero Ser Mãe

31/01/2005

Gravidez acima dos 40 anos

GILBERTO DA COSTA FREITAS
Especial para a Folha Online

Há mais ou menos uma semana foi notícia nos principais jornais do mundo inteiro, que uma mulher aos 63 anos deu a luz a uma criança. Essa notícia, apesar de não ser um fato comum, não causou tanta consternação e nem grandes discussões a respeito.

Provavelmente porque hoje com a visão das mulheres em relação à maternidade experimente algumas mudanças, algumas retardam a concepção em detrimento a sua carreira profissional, essa notícia possa soar até como um alento. Entre 1982 e 1988 houve um aumento em 37% no número de mulheres inférteis entre 35 e 44 anos.

É esperado que esse número atinja cerca de 7,7 milhões no ano 2025. Com isso é cada vez maior o número de mulheres com idade acima de quarenta anos que gostariam de engravidar.

O processo que envolve a reprodução nos humanos é complexo e o sucesso reprodutivo da espécie depende basicamente de dois organismos saudáveis. Quando a mulher nasce seus ovários possuem entre 200.000 e 400.000 folículos (local onde estão os óvulos). Estes folículos possuem o material necessário para produzir um óvulo maduro.

A idade da mulher, ou mais especificamente, a idade dos seus óvulos, desempenha um importante papel na infertilidade. Aos 25 anos, a chance de engravidar nos primeiros seis meses de tentativa é 75%, aos 40 somente 22%. Este decréscimo na fertilidade parece ser devido a uma alta taxa de anormalidades cromossômicas que ocorrem em seus óvulos quando a idade aumenta.

Para sobrepor essa dificuldade reprodutiva em mulheres nessa situação utilizamos as tecnologias de reprodução assistida. Apenas para se ter uma idéia, nos Estados Unidos mais de 20,000 crianças já nasceram por técnicas de reprodução assistida, em mais de 64,000 ciclos (23%).

Em geral o sucesso da técnica é menor em pacientes mais velhas e aquelas com anormalidades uterinas. A idade, portanto, é a mais importante determinante em mulheres que usam seus próprios óvulos. O uso de óvulos doados é indicado para mulheres com falência ovariana prematura ou mesmo para aquelas na pós-menopausa.

O congelamento permite guardar embriões por longos períodos e depois, após o descongelamento, realizar sua transferência. É importante salientar que a doação de gametas abriu a possibilidade de gravidez em mulheres pós-menopausadas, abrindo novas questões.

Deveria ser permitido a mulheres mais velhas que gostariam de ser mãe o acesso a tecnologias de reprodução assistida? Demonstrou-se que mulheres na pós-menopausa podem engravidar com sucesso com doação de gametas. Nesses casos existe, é claro, uma possibilidade aumentada de que as mulheres mais velhas não vivam o suficiente para criar seus filhos até a idade adulta.

Mas esse argumento contra mulheres mais velhas tornarem-se mães, somente se sustentaria se também fosse aplicado de forma igual para os homens mais velhos que procuram a paternidade, ou para mulheres e homens mais jovens que possuem risco aumentado para morrer antes que suas crianças atinjam a idade adulta.

É verdade que no caso das mulheres há um risco obstétrico aumentado relacionado à idade, para ambos, mulheres e seus fetos. É, entretanto, duvidoso que o risco aumentado relacionado à idade seja suficiente para justificar a exclusão categórica de mulheres mais velhas ao acesso à reprodução assistida. As mulheres mais jovens não são geralmente impedidas do acesso à reprodução assistida, somente porque possuam risco obstétrico aumentado.

Uma linha de conduta deveria ser desenhada em algum lugar para determinar se a magnitude do risco seria aceitável (principalmente se recursos públicos estão envolvidos, e se há um risco grande da criança nascer com danos), tal determinação não poderia ser desenhada de forma plausível apenas com base na idade. Algumas mulheres mais jovens são claramente de alto risco em relação a outras de idade mais avançadas.

Além do mais, admitimos que mulheres em qualquer idade que se submetem à reprodução assistida tenham riscos substanciais associados à gravidez múltipla. Por exemplo, quando permitimos a transferência de múltiplos embriões ou realizamos inseminação intra-uterina em mulheres com múltiplos folículos.

Haveria outro razoável fundamento para não disponibilizar a reprodução assistida para mulheres mais velhas? Essa é uma resposta difícil. Como uma sociedade, poderíamos decidir não fornecer fundos para esse tipo de tratamento. Entretanto, negar essa tecnologia a alguns grupos de pessoas, devido sua idade, seu estado marital, ou preferência sexual, e seus semelhantes, é freqüentemente baseado em pouco mais que paternalismo médico, ou preconceito individual ou social que resume injusta descriminação.

Gilberto da Costa Freitas é doutor em Medicina Reprodutiva pela Universidade de São Paulo gilfreitas@uol.com.br

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    Cláudia Collucci, repórter da Folha de S. Paulo, é mestre em História da Ciência pela PUC-SP e autora dos livros "Por que a gravidez não vem?", da editora Atheneu, e "Quero ser Mãe", da editora Palavra Mágica. Escreve quinzenalmente na Folha Online.

    E-mail: claudiacollucci@uol.com.br

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