Envie sua opinião


GD- Jornalismo Comunitário

mais são paulo

Guia de banheiros ajuda paulistano a driblar aperto


Jornalismo Comunitário - Site GD

carta cbn

"Quero levantar a minha indignação quando você fala que tem empregos bons no Brasil. É mentira!"
Ivair Cypriano

"A educação avança a que custo."
Von Norden



 

 

capital humano

11 /11/2008


Bons meninos vão para o banco

 
 

Toda segunda-feira, assim que as crianças terminam de almoçar na escola Kensington Parkwood, numa cidadezinha nos arredores de Washington, uma professora aparece no refeitório com uma urna cheia de papeizinhos amarelos com o nome dos alunos que se comportaram bem na semana anterior. Três são sorteados de cada vez. Eles recebem aplausos dos colegas, posam para fotografias e ganham a chance de participar de um programa de televisão exibido no circuito interno da escola.

Há poucas semanas, um evento semelhante foi encenado para celebrar uma experiência nova e radical na escola Shaw-Garnet-Patterson, no centro de Washington. As crianças se reuniram no ginásio do grupo escolar. O prefeito, Adrian Fenty, e a superintendente da rede pública de ensino, Michelle Rhee, estavam ali. Fenty começou seu discurso como se fosse um animador de auditório: "Quem gosta de dinheiro?" Todas as crianças na platéia levantaram as mãos e responderam em coro, fazendo o chão vibrar.

Em vez de certificados, os alunos que estavam no ginásio ganharam cheques da prefeitura. Suas fotos não foram expostas apenas no mural da escola: saíram na primeira página dos jornais do dia seguinte. As crianças também foram entrevistadas por emissoras de TV locais e até uma jornalista francesa apareceu para falar com elas.

Cerca de 78 mil crianças e adolescentes estudam nas 236 estabelecimentos de ensino de Washington, a capital dos Estados Unidos. As escolas são as piores do país. O desempenho dos alunos nas provas de inglês e matemática que são feitas regularmente no país inteiro fica sempre bem abaixo da média nacional. Apenas 43% dos estudantes que entram no colegial ficam até a hora de tirar o diploma. O número de matrículas tem caído ano a ano, porque muitos pais preferem se mudar para buscar vagas em escolas melhores nas cidades vizinhas.

Distribuir dinheiro para incentivar os alunos a se aplicar mais nos estudos é a última cartada lançada pela Prefeitura de Washington para agitar seu sistema público de ensino. O programa, batizado de Capital Gains, foi criado pelo economista Roland Fryer, um professor da Universidade Harvard que há anos busca maneiras de reduzir a distância que separa o desempenho acadêmico de crianças brancas e negras.

A história pessoal de Fryer parece um conto de fadas e poderia ser suficiente para motivar muitos estudantes sem que fosse preciso desembolsar um centavo: negro e pobre, abandonado pela mãe quando era criança e criado pelo pai alcóolatra, ele se tornou professor-assistente em Harvard antes de completar 30 anos.

O menino Fryer passava as férias escolares com a avó materna, que era professora e foi sua maior fonte de motivação. Se ele se comportasse bem, a avó permitia que vendesse nas ruas latas que ela juntava em casa. Fryer chegou a ganhar em um ano US$ 13 com as latas, uma pequena fortuna para uma criança da sua idade.

Fryer ainda não sabe se o programa de distribuição de dinheiro que está ajudando a implementar em Washington é a melhor maneira para manter os alunos motivados na escola. Mas ele acredita que os incentivos tradicionais não funcionam. Muitas crianças estão acostumadas a ouvir que, se estudarem direito, vão conseguir bons empregos depois, mas Fryer acha que essa idéia é só uma abstração. "Muitas dessas crianças nunca viram alguém que conheçam realizando esse sonho na vida real", diz.

O programa de Washington começou a ser posto em prática no mês passado. Para colocar as mãos no dinheiro, os estudantes precisam evitar chegar atrasados às aulas, comportar-se bem e tirar boas notas. Quem tiver melhor pontuação pode ganhar até US$ 200 por mês. O público-alvo são os alunos do ensino médio, etapa especialmente crítica da vida escolar em que o desempenho da garotada começa a cair e muitos abandonam a escola para sempre, segundo Fryer.

Fryer dividiu as 28 escolas de ensino médio de Washington em dois grupos. Quinze entraram no programa de incentivos financeiros e as outras não. Seu objetivo é usar o segundo conjunto de escolas como uma espécie de grupo de controle, para avaliar os resultados do programa e tentar medir o impacto que os incentivos poderão ter sobre o desempenho dos alunos.

O programa tem orçamento de US$ 2,7 milhões, a ser repartido quase igualmente entre as escolas de Washington e Harvard. O dinheiro que os alunos ganham é depositado a cada 15 dias numa conta aberta para eles.

Mais de 80% dos estudantes de Washington são pobres e negros. A maioria vive apenas com as mães, que em geral têm dois empregos e ninguém para ajudar quando chegam em casa depois do trabalho. "Você acha que essas mães têm energia para ajudar os filhos a fazer a lição de casa?", pergunta Brandon Eatman, diretor de três escolas da cidade. "Muitas crianças daqui não conhecem nada além do próprio bairro e a única coisa que entendem é sobre drogas, crimes, e coisas dessa natureza."

Kenny Coffin, menino miúdo de 11 anos, um dos primeiros a receber os cheques da prefeitura, teve de tomar algumas providências para garantir sua parte do dinheiro. Para não chegar atrasado às aulas passou a tomar banho à noite e não de manhã. Quando cruza com os amigos no corredor, diz que não tem tempo para conversar. "Continuo reto e só falo com eles no recreio", conta.

O programa de incentivos financeiros é parte de um conjunto audacioso de reformas que começou a ser adotado depois que Michelle Rhee assumiu o cargo de superintendente da rede de ensino público de Washington, há um ano. Para ela, a pobreza e outras condições externas desanimadoras não podem ser justificativas para engessar a ação dos professores: "Você não pode dizer 'meus estudantes não tomaram café da manhã hoje' ou 'cortaram a eletricidade na casa deles, por isso não fizeram a lição'", explica ao Valor.

Michelle ganhou atenção nacional pelas medidas que vem tomando, muitas impopulares. Ela demitiu centenas de funcionários, entre diretores, professores e assistentes. Além disso, começou a pagar bônus para os professores cujos alunos vão bem nas provas e criou um sistema de avaliação dos funcionários da rede pública. Michelle está negociando com o sindicato de professores municipais mudanças no contrato coletivo da categoria. Ela promete aumentar os salários de Washington para US$ 131 mil por ano, o que faria desses professores os mais bem pagos do país.

Enquanto isso não ocorre, a professora Lisa Warrick, que há 15 anos trabalha em Washington, desembolsa dinheiro do próprio bolso para lidar com a falta de material. "Faço isso porque quero ensinar para as crianças o seguinte: podem tirar tudo de vocês na vida, mas educação é uma coisa que fica e isso ninguém tira, fica aqui, ó", diz, apontando a própria cabeça.

Michelle afirma que o programa de incentivos financeiros deve ser visto como um complemento das outras reformas que estão sendo postas em andamento. Ela explica que a recompensa é baseada numa premissa simples: incentivos podem ajudar a motivar os estudantes e levá-los a bons resultados no aprendizado. "Esse programa oferece incentivo a curto prazo para encorajá-los a fazer o que tem de ser feito: estudar duro para progredir."

A superintendente trabalha tanto que mal sobra tempo para dormir. No mês passado, cochilou quando estava assistindo ao último debate entre os canditatos à Presidência dos Estados Unidos e acordou com o toque incessante de seu BlackBerry. Era uma mensagem de um amigo sobre o que ela acabara de perder. Seu trabalho fora elogiado pelos dois candidatos. "Temos agora uma nova e excelente superintendente de ensino que está lá trabalhando duro com o prefeito", disse Barack Obama.

Durante anos as escolas usaram suspensões, classes de recuperação e programas especiais nas férias para lidar com comportamentos inadequados e falhas de aprendizado, com parcos resultados. "Acreditamos que este é o momento para intervenções radicais. Estamos muito animados com este programa", garante Michelle.

Fryer coordenou iniciativas semelhantes em Nova York e Chicago, mas ainda existem poucos estudos para confirmar se esse tipo de experiência funciona. A análise dos resultados do novo projeto ainda vai demorar a aparecer. Em Dallas, um programa parecido oferece dinheiro para os alunos que lerem livros. Em várias escolas americanas é comum a oferta de dinheiro de mentirinha como prêmio, que pode ser usado para adquirir brindes numa loja da escola.

Embora muita gente fique animada com essas iniciativas, elas estão longe de alcançar unanimidade. Um dos que torcem o nariz para elas é Alfie Kohn, especialista em educação que publicou vários livros sobre o assunto. Segundo ele, recompensas, assim como punições, produzem apenas obediência temporária, mas não ajudam as crianças a querer de fato aprender. Pesquisas mostram que, quanto mais as pessoas são recompensadas pelos seus atos, mais tendem a perder o interesse no que estão fazendo para ganhar o prêmio. E, pior, depois de ser recompensadas por fazer algo por prazer, só farão novamente diante recompensas; senão, nada feito.

Recompensar os estudantes com prêmios é uma característica marcante da sociedede americana. É comum os professores oferecerem os artigos mais variados para motivar sua turma: adesivos, doces e até ingressos para parques de diversões e vale-presentes de lojas de artigos eletrônicos.

Kohn observa que umas das razões para os adultos gostarem tanto de dar recompensas é o fato de isso os desobrigar de buscar outras maneiras de incentivar a curiosidade das crianças. "Você não precisa tratar as crianças como cachorro e dar biscoitinhos quando elas fazem algo que a gente quer", argumenta. Vários estudantes têm dificuldade em aprender, dizem os críticos, simplesmente porque estão indo para escolas ruins, problema que incentivos financeiros e outras recompensas não resolvem.

Os defensores do projeto rebatem as críticas citando outro benefício do programa: ajudar os alunos a adquirir a habilidade de lidar com dinheiro. Tudo o que as crianças ganham é depositado numa conta que só pode ser movimentada com a permissão delas. Os beneficiários terão aulas de finanças pessoais oferecidas pelo banco e serão orientados a fazer bom uso do dinheiro.

Jai Carson, de 13 anos, que ganhou seu primeiro cheque no mês passado, tem muitos planos para o futuro. Ele quer ser jogador de futebol americano, ter dinheiro, mulher, três filhos e uma casa bem grande. Pretende poupar parte do dinheiro que receber e gastar o restante em sapatos e casacos.

Seu amigo Kenny Coffin também planeja guardar a maior parte do dinheiro: "Vou comprar um sapatinho para meu primo que vai fazer um ano, o resto vou guardar." Ele quer ser jogador de basquete quando crescer, mas sabe que precisa se preparar para o caso de não conseguir: "Tenho de ter um plano B", revela, sentado na cadeira da sala do diretor da sua escola, balançando os pés, que não alcançavam o chão.

A participação no programa é voluntária. Os pais que não concordarem com a iniciativa podem deixar os filhos de fora. "Crianças ricas ganham dinheiro dos pais por tirar notas boas o tempo todo", alega Fryer. "Por que não oferecer essa chance para os menos favorecidos também?"

Brandon Eatman, o diretor que administra três escolas da cidade, diz que investiria de outra maneira os US$ 2,7 milhões que serão gastos com o programa, se a decisão fosse sua. "Quando eu era criança, ninguém pagava para você ir para escola e fazer lição. Fazia porque tinha de fazer", fala. "Mas vivemos em outros tempos. Se há a possibilidade de esse incentivo ajudar as crianças, porque não tentar?"

Como ocorre com o Bolsa Família no Brasil, o programa de Washington usa o dinheiro para estimular o envolvimento com a escola e promete resultados no curto prazo. Mas as diferenças são marcantes. O programa brasileiro dá o dinheiro para as famílias e exige em troca que as crianças freqüentem a escola e visitem regularmente um posto de saúde. O prorama americano entrega o dinheiro diretamente para os estudantes e exige como contrapartida melhorias no desempenho escolar e não apenas a assiduidade.

Como os programas executados nos EUA são muito recentes, não há ainda análises conclusivas sobre seus resultados e o impacto que os incentivos tiveram sobre o aprendizado dos alunos. No dia em que os primeiros cheques foram distribuídos em Washington, Fryer participou da cerimônia ao lado do prefeito e de Michelle. Na hora do seu discurso, ele apontou as câmeras de TV e se dirigiu às crianças: "Hoje o dia é de vocês. O mundo inteiro está esperando para ver se este programa vai ajudar vocês. Podem fazer isso?"

Algumas crianças foram chamadas para segurar com Fryer e as autoridades um cheque gigante de papelão com o valor total recebido pelos estudantes daquela escola nas primeiras duas semanas do projeto, US$ 4.538. Dominique Watson, de 13 anos, que participou da foto, disse que tem três desejos: ver a mãe feliz, ser escritora e ficar famosa. "Olha, você vai ser famosa agora!", exclamou um dos seus colegas, apontando uma das equipes de televisão. Dominique riu para as câmeras, mas é cedo para saber se o programa terá vida mais longa que os seus 15 minutos de fama.

Áudio dos comentários

   

nOTÍCIAS ANteriores:
07/11/2008 Emprego fica mais difícil para pessoas com baixa escolaridade
06/11/2008
60% dos alunos de medicina são reprovados em exame
31/10/2008
Abrata: 22% dos paulistanos têm sintomas de depressão
30/10/2008
Família é responsável por 70% do desempenho escolar
29/10/2008
Wal-Mart inova para atrair classes D e E
28/10/2008
Mais de 70% dos jovens brasileiros não têm nível de educação para conseguir emprego, diz BID
22/10/2008
Técnica apaga memórias específicas em cobaias
22/10/2008
Robôs auxiliam cirurgiões em hospitais de SP; ouça Rodolfo Lucena
20/10/2008
Milk-shake liga DNA à obesidade
Mais matérias