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Carta da semana

SOS : destruição do patrimônio arbóreo dos bairros chamados “Jardins”

“Enquanto parte da população viajava, nestes raros dias calmos de trânsito na megalópole - depois do natal e antes do ano novo - acontecia um crime ambiental nos chamados bairros dos Jardins, em São Paulo, que certamente chocou a várias pessoas que, como eu, são sensíveis à natureza e à arborização urbana. As motoserras ecoaram dolorosamente, e na maior parte dos casos, de forma arbitrária e absurda, desde o dia 27 de dezembro, pelas ruas e alamedas da capital. Observei destruição e não “conservação de áreas verdes” (como indicam os letreiros dos caminhões da prefeitura...), podas drásticas e desprovidas de critérios – além de fora de época, pois em pleno verão, quando as árvores estão com a força plena. Protestei na rua veementemente e em vão: assisti horrorizada à mutilação de troncos grossos de sustentação das copas pela Eletropaulo, comprometendo o equilíbrio das árvores, sem falar do triste “espetáculo” daquelas que foram literalmente arrancadas, ou que tombaram sobre outras mutilando-as na queda (em pleno Parque Trianon) - atos, que repito, foram executados certamente, aproveitando a ausência de moradores do bairro, que como eu, não hesitariam em protestar. Ouve-se dizer que a administração atual gaba-se que “não vai deixar nem uma árvore “velha” de São Paulo de pé”!

Quanto às “razões” dos crimes elas não se sustentam realmente: alega-se que as árvores estão com cupins: ora, estes térmitas infestam todo o solo da cidade e continuarão nele, independentemente das árvores serem arrancadas ou substituídas por outras – substituição que tem se revelado irregular, assimétrica, com arbustos e mudas raquíticas, muitas vezes plantados no meio das raízes mortas das antigas árvores, e que estarão portanto logo contaminados e jamais atingirão a beleza, a regularidade e o porte das primeiras. Estamos informados que um diagnóstico fito-sanitário poderia indicar o tratamento adequado para muitas das espécies que, embora tenham demorado decênios para crescer estão hoje mutiladas ou desapareceram no fim de semana, em “trabalho” executado em poucas horas e que promete continuar!

Sabe-se ainda que se estas árvores tivessem sido podadas com regularidade, na estação correta, e devidamente tratadas com medidas de prevenção e controle das pragas, sob programas coerentes de manejo, elas não teriam nem atingido as alturas que atingiram, nem apresentado eventuais doenças. Um serviço de parques e jardins que não cumpre com suas atribuições revolta o morador-contribuinte. Pagamos impostos para que?

Quanto à conhecida incompatibilidade entre árvores e redes aéreas de eletricidade, própria às cidades brasileiras, onde os serviços urbanos básicos são protelados e as soluções mais baratas e inadequadas sob vários pontos de vista são executadas grosseiramente pelos “poderes públicos” (sic), e por serviços contratados a terceiros que desconhecem cientificamente a questão, as árvores vêm sofrendo podas de galhos mestres, causando-lhes enfraquecimento e desequilíbrio.

À companhia de eletricidade que alega sua responsabilidade na queda de galhos sobre os fios, pessoas e automóveis, é bom lembrar que: não são as árvores que devem desaparecer (a Eletropaulo fez, nestes dias, podas radicais que pareciam visar à eliminação futura da árvore, uma vez que vão certamente comprometer a sua saúde e estabilidade), mas o sistema de distribuição de energia é que deve mudar: ou seja, sistemas compactos e instalações subterrâneas em áreas densas como as dos Jardins, estão previstos na legislação: medidas jamais cumpridas! No lugar dos melhoramentos são feitas as podas e cortes radicais que são nada mais do que a solução mais barata, para não dizer criminosa, calcada numa suposta “segurança” do cidadão - como se não houvessem outras soluções para evitar acidentes. (Os altos índices de risco na vida da metrópole não são certamente os causados por árvores. Outros fatores que enfrentamos a todo momento parecem preocupar bem menos os poderes públicos e privados contratados por estes para eliminar as árvores, sem consultar ou sequer prevenir os moradores!)

Falhas no planejamento e no manejo do patrimônio arbóreo, total descaso pela árvore como um ser vivo, insuficiência de conhecimento por parte de responsáveis e executores das mutilações e crimes ambientais de graus diversos, são problemas crônicos entre tantos que vêm merecendo repúdio do cidadão brasileiro consciente e honesto, em momento de tanta desesperança.

É bom lembrar, no caso, os benefícios óbvios da arborização que parecem, no entanto, ignorados pelos “poderes públicos” e talvez por alguns moradores menos avisados – vale assim lembrar seus efeitos positivos sobre a saúde humana, que são de várias ordens: ecológica, biológica e psicológica. As vantagens micro-climáticas ou ambientais, como o efeito térmico contra a excessiva radiação solar e a melhoria das altas temperaturas, o equilíbrio da umidade do ar, o combate à poluição atmosférica e sonora (absorção dos gases poluentes e oxigenação do ar, atenuação dos ruídos insuportáveis da cidade, barreira contra a reverberação do som), abrigo da fauna (-quem não gosta do canto de passarinhos?) - e por que não: direito à beleza do verde com a melhoria do aspecto visual no cotidiano dos transeuntes da metrópole, que oferece tão poucos atrativos. Ora, o papel vital da arborização para as comunidades urbanas é indiscutível. Mas, em São Paulo, não se planta nas periferias e se despreza e se mutila o que resta do verde nas áreas centrais.

Minha revolta diante dos troncos e árvores caídas no chão, com a seiva escorrendo vermelha como sangue, faz-me lembrar ainda algumas questões básicas: nosso direito como cidadão-contribuinte. Devemos exigir respeito pelas árvores de São Paulo, indefesas e desprotegidas, com seu espaço físico cada vez mais invadido pela propaganda, o automóvel, calçadas inadequadas e estreitas e outros problemas – recentemente um ato de vandalismo comercial ridículo, a ornamentação natalina, foi felizmente denunciado por uma ONG: troncos de árvores foram vítimas de inúmeros pregos na rua Oscar Freire, rua da Consolação e adjacências, pregos que prendiam horríveis luzes azuis, pregos cujos furos causarão severos danos ameaçando a vitalidade das árvores, seu grau de resistência a ataques de fungos e insetos.

Uma defesa da arborização necessita apoio e participação do cidadão, que muitas vezes, no Brasil, comete também absurdos, por falta de educação e consciência ambiental, fazendo solicitações levianas de podas parciais e radicais, demonstrando ignorância e individualismo desprovido de qualquer noção de cidadania: podas para descobrir a fachada de uma casa comercial, um hotel de luxo, ou para evitar a “sujeira” das folhas no outono (coisa tão natural).

Os profissionais envolvidos, desde os “chefes” aos executores das ordens, deveriam ser capacitados para avaliar suas responsabilidades e tarefas. As podas de manutenção e segurança deveriam ser regulares e com a finalidade de retirar galhos secos, malformados e danificados, na estação do ano devida - em resumo: podas criteriosas e planejadas. Mas não: o que vemos são árvores que ficaram sem copas, brotos decepados, folhagens novas e viçosas caindo por terra e desaparecendo rapidamente nos caminhões. Quem sobe ruas como a Bela Cintra vê árvores mutiladas severamente que se apresentam como corpos agonizantes sem membros: ora, sabe-se que a diminuição drástica das copas compromete o metabolismo da árvore, sem chances de recuperação. O impacto visual de tantas práticas inadequadas não deixa de chocar! Solicitando providências inteligentes antes que não restem mais nossas belas Tipuanas e Jacarandás-mimosos, lanço meu protesto às arbitrariedades cometidas contra o patrimônio vegetal de São Paulo!”,
Heliana Angotti-Salgueiro - angotti@usp.br


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