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REFLEXÃO


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folha de s. paulo
06/03/2005
Cidade se transforma em laboratório da violência

Quem está em busca de soluções para a epidemia de violência que se dissemina pelo país tem obrigação de estudar a experiência desenvolvida em Diadema, na região metropolitana de São Paulo. Ali funciona um laboratório de segurança pública. Vamos aos fatos.

Em 1999, Diadema estava em primeiro lugar no ranking de homicídios do Estado de São Paulo, com uma média de 31 assassinatos por dia. Em 2004, essa média caiu para 11 por dia, ou seja, houve uma redução de 65%. Com essa expressiva queda, a cidade baixou para o 18º lugar na lista de homicídios. Caíram também os índices de furto e assalto. Milagre? Não.

Apenas foi feita a lição de casa. Uma articulação da prefeitura com o governo estadual, uma universidade, empresas e associações comunitárias combinou policiamento ostensivo com programas para reduzir o risco de delinqüência juvenil.

Tudo começou porque a população de Diadema, com seus 380 mil habitantes, estava no limite do desespero; muitos empresários, cansados de tantos crimes, prometiam mudar seus negócios para outras cidades.

O prefeito eleito em 2000 -o engenheiro José de Filipi, do PT, reeleito no ano passado- reagiu ao desespero comprometendo-se a dar ênfase, em sua gestão, à questão da segurança. Tratou, então, de ir costurando acordos, sem os quais uma prefeitura não conseguiria nada no enfrentamento da violência.

A primeira medida polêmica veio por sugestão de pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo. Eles analisaram os arquivos policiais e mostraram que 60% dos assassinatos ocorriam dentro de bares ou nas suas proximidades e que a imensa maioria das vítimas ou os assassinos tinham ingerido álcool.

Os bares foram obrigados a fechar depois das 23 horas, numa espécie de lei seca. Não há novidade nisso: em muitos lugares do mundo em que se fecharam bares de noite (na Colômbia, por exemplo), a violência diminuiu.

A prefeitura fez um mapa detalhado do horário e do local dos crimes para concentrar esforços nas áreas mais vulneráveis. Montaram-se operações conjuntas com policiais militares, civis e municipais com ênfase nas ruas mais violentas. A presença de guardas municipais, que ganhou reforços, andando a pé, de moto ou de bicicleta, tornou-se permanente nesses bairros. A população passou a ter acesso a linhas telefônicas para comunicar movimentos suspeitos.

O mapa do crime indicou que a maioria dos furtos e dos assaltos eram cometidos por marginais que dirigiam motos. Resultado: lançaram operações para pegar as motos irregulares. Diminuiu-se a impunidade; bateram-se recordes de prisão de criminosos.

Mais uma vez, nada de novo: a impunidade é um óbvio estímulo ao crime, e o policiamento comunitário é o melhor jeito de prevenir a delinqüência.

Com base no mapeamento dos jovens que cometiam crimes, a prefeitura localizou as ações de inclusão em lugares mais tumultuados. Obrigaram-se jovens a voltar para a escola. Eles ganharam bolsas de R$ 150 mensais, além de atividades culturais e esportivas depois das aulas e, enfim, estágios em empresas. Cada um sai, por mês, por R$ 300.

Nesse projeto, entraram associações comunitárias e empresários; reforçou-se também o uso dos equipamentos culturais e esportivos da cidade. Alguns desses espaços públicos são geridos pela própria comunidade.

Não se realizou, assim, uma ofensiva generalizada, mas se buscaram os pontos infecciosos.

Mais uma vez, nada de novo: mais educação para jovens significa menos crimes.
Foco significa eficiência.

O que há de novo é a gestão. O plano articula prevenção e repressão em focos precisos. Não se atira a esmo; mira-se o alvo. A ofensiva é administrada (e monitorada diariamente) por uma teia de parcerias que envolvem os diversos pesquisadores da universidade, passando pelo governo estadual, até a dona-de-casa que se dispõe gratuitamente a zelar por um centro comunitário.

Eles têm menos crimes e mais empregos. Em 2004, Diadema bateu o recorde de geração empregos industriais em São Paulo. Há quem aposte (e com fundamento) que a redução da violência ajudou na expansão do emprego. É cedo para comemorar? É.

A experiência ainda está em andamento. Existem nós gerenciais, muitos jovens ainda não recebem a assistência necessária por falta de recursos. Os índices de criminalidade baixaram, mas ainda estão altos para padrões civilizados. Os resultados desse laboratório, entretanto, são promissores.


PS - Esta coluna nasceu de uma provocação do presidente da Febem paulista, Alexandre de Moraes, que se mostrou intrigado com o fato de estar caindo rapidamente o número de adolescentes presos em Diadema. É muito mais barato, como se vê, prevenir a violência do que remediá-la. Educar cada jovem nas áreas de risco social em Diadema custa cerca de R$ 300 mensais. Manter um jovem na Febem sai por R$ 1.700. Além do preço, mais uma diferença óbvia: não só o interno custa muito caro. Ele cometeu um assalto ou matou alguém.

Coluna originalmente publicada na Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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