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REFLEXÃO


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folha de s.paulo
14/11/2005
Prazer dá dinheiro

Nenhuma categoria ganha tão bem e consegue escapar tanto do desemprego como a dos profissionais que cursaram pós-graduação -essa titulação é uma das melhores garantias de independência financeira.

Nos três primeiros lugares do ranking elaborado pelo Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas, divulgado na quarta-feira, estão os seguintes pós-graduados: médicos, administradores de empresas e advogados. À medida que vai baixando a escolaridade, caem os salários e aumentam os riscos de desemprego.
Um médico com o máximo de titulação ganha por mês, em média, R$ 8.900; se tiver apenas graduação, o rendimento desce para R$ 6.700. Ninguém tem um rendimento tão baixo e está tão exposto ao desemprego quanto o analfabeto, acima do qual aparece quem possui menos de quatro anos de escolaridade, que, por sua vez, está abaixo daqueles com ensino fundamental completo, superados pelos que detêm diploma de ensino médio.

Desse ranking se percebe a regra de que o trabalhador vale, em boa parte, o quanto estuda. Mas existe outra, não explícita, sobre o valor, em dinheiro, do prazer.
Num país com um número tão pequeno de estudantes universitários, o diploma de ensino superior oferece um diferencial ainda maior. Pelo mesmo motivo se tornam ainda mais atrativos os profissionais com mestrado e doutorado. É gente que tende a apresentar melhores qualificações -isso é apenas o óbvio.

Há, entretanto, um ingrediente que move muitos profissionais que, depois da graduação, se dispõem a ficar mais tempo numa universidade, muitas vezes acumulando trabalho e estudo: a curiosidade.

Em geral, profissionais dispostos a aprender mais numa pós-graduação não necessariamente calculam salários futuros. Antes de mais nada, sabem o que querem, gostam de aprender, estão mais abertos às novidades e acompanham, mesmo nas horas livres, as mudanças. Quem gosta do que faz tende a fazer melhor. Isso se encontra em qualquer besteirol de auto-ajuda.

É óbvio que profissionais mais escolarizados e, ainda por cima, motivados a aprender saem na frente na disputa pelos melhores empregos.

O sistema educacional está despreparado para essa obviedade. É perda de tempo entupir o aluno de informação. O papel contemporâneo da escola, numa sociedade de mudanças velozes, é gerenciar o prazer do conhecimento, levando o estudante a desfrutar do maior número possível de experiências para a descoberta do talento.
Se faz melhor quem gosta do que faz -e isso significa, em essência, independência e satisfação pessoal-, a melhor escola é aquela que ajuda o aluno a encontrar sua vocação e transformá-la em habilidade.

Daí que a escola é apenas um entre muitos espaços de aprendizagem. Muitas vezes se atinge o prazer do conhecimento longe, muito longe de uma sala de aula. O sabor da descoberta se revela numa viagem, num filme, numa peça de teatro, num museu. Às vezes em conversas com amigos ou familiares.

Está nesse fato, mais do que apenas no dinheiro, o divisor de classes sociais, e essa é mais uma dica que se extrai do ranking da Fundação Getúlio Vargas. As crianças em boas escolas, estimuladas pelos pais, com uma vivência cultural, desde cedo candidatam-se, naturalmente, aos melhores empregos e salários. Parece, mais uma vez, óbvio. Mas sua conseqüência não é. Não adianta apenas oferecer escolas de qualidade aos mais pobres (o que estamos longe de oferecer), mas também atrair suas famílias para a educação dos filhos e oferecer uma experimentação cultural -a começar da literatura.

Aliás, essa é uma das conclusões de uma ampla pesquisa realizada pelo economista Ricardo Paes de Barros, com alunos de 3.000 escolas, na qual se percebe uma relação entre as boas notas e o envolvimento familiar na educação dos filhos.
Se alguém quiser tentar entender por que somos campeões em má distribuição de renda, deve se preocupar tanto com os indicadores da economia quanto com o ranking das profissões, no qual o trabalhador vale o quanto estuda num país em que a maioria, se estuda, está em escolas de baixa qualidade.

P.S. - Quem leva o Brasil a sério é obrigado a prestar atenção nos dados que serão divulgados, na próxima quarta-feira, em seminário, no Rio, sobre educação infantil. Serão divulgadas detalhadas pesquisas internacionais mostrando, por exemplo: quem esteve em creche e pré-escola aprendeu melhor pelo resto da vida, está menos arriscado a ficar desempregado e depender de assistência social. E, além disso, menos propenso à delinqüência. A má notícia no Brasil é que cerca de 11% das crianças estão em creche. Mas existe uma boa notícia: cerca de 65% estão na pré-escola ou no ensino fundamental, matriculados aos seis anos de idade.

Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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