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REFLEXÃO


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Folha de S.Paulo
17/04/2006
Nós, jornalistas, também estamos falhando?

São quatro sinais perturbadores sobre a ignorância política dos brasileiros, detectados em pesquisas de opinião pública divulgadas recentemente:
1) Apenas 16% dos eleitores, segundo o Ibope, recordam-se do mensalão, um tema que não sai do noticiário desde o final de junho de 2005. O mensalão gerou uma das maiores crises políticas do país e, na semana passada, fez com que o procurador-geral da República apontasse 40 pessoas, muitas delas até há pouco tempo no comando do PT ou do governo Lula, como parte de uma "quadrilha";

2) O Datafolha descobriu que 77% dos paulistanos não sabem quem é Gilberto Kassab, um dos personagens mais polêmicos -e citado em todos os debates- na sucessão municipal em 2004;

3) Apenas 20% dos brasileiros, segundo pesquisa CNT/Sensus, conhecem a norma da verticalização. Essa norma obriga os partidos que lançarem candidatos a presidente a não contrariar, no plano estadual, as alianças federais. Tal obrigação é fundamental para entender as chances dos candidatos a presidente e a governador;

4) Só 9% dos paulistas, constatou o Datafolha, sabem que o nome do novo governador de São Paulo é Cláudio Lembo.

Esses dados incomodam especialmente porque o Brasil já recuperou há muito tempo todos os seus direitos políticos, e as eleições livres são rotineiras. Nos últimos 20 anos, a escolaridade do brasileiro vem crescendo. Na cidade de São Paulo, por exemplo, onde o eleitor não sabe quem é Kassab, cerca de 85% das pessoas até 25 anos têm diploma de ensino médio.

Aprofundou-se a democracia, melhorou-se a taxa de escolaridade e expandiu-se o acesso à informação graças às novas tecnologias. Por que, então, tão pouca gente presta atenção na política, algo tão fundamental no cotidiano dos indivíduos, que influencia a geração de emprego, o valor dos salários, a qualidade da educação, os transportes públicos, os programas assistenciais?

Diante dessas questões, olhamos logo para as salas de aula e ficamos à espera do dia em que a educação vai melhorar e os leitores entenderão enfim as notícias que publicamos. Na quarta-feira passada, um dado divulgado pelo IBGE reforçou esse olhar: 53,3% de jovens entre 18 e 24 anos ( 73% no Nordeste) matriculados no ensino fundamental, quando deveriam, pela faixa etária, estar cursando uma faculdade. Faça-se um teste e se verá que muitos deles não entendem o que lêem.

Mas o problema não pára aí. Nós, comunicadores, não estamos conseguindo traduzir o funcionamento do poder e sua relação com os interesses imediatos do cidadão. Pergunto-me se o fato de vivermos no mundo do poder, cheio de celebridades e de personalidades, longe dos cidadãos comuns, não nos dificulta fazer essa tradução.

Pergunto-me também se o fato de a imprensa veicular um número muitas vezes maior de denúncias e críticas do que de reconhecimento de fatos positivos -e há muitos deles, claro- não acaba produzindo a sensação de que a política é desprezível. E, por ser desprezível, não merece atenção. Todos esses episódios em torno da corrupção, acrescidos das denúncias do procurador-geral da República, revelam uma sociedade cada vez mais armada para se proteger, num notável sinal de vitalidade. Será que estamos informando sobre esse avanço, fruto do aprofundamento democrático, ou passando a imagem de que político não tem jeito e todos são iguais?

As notícias políticas chamam a atenção quando produzem shows, como é o caso dos escândalos e dos embates eleitorais. Geralmente, achamos, nas redações, que, por mais que nos esforcemos, o debate sobre programas é chato, aborrecedor, ninguém se interessa, e acabamos nos rendendo ao show.

Talvez seja mesmo chato. Mas, no final, o resultado está aí, na cara de todos: o desinteresse pela política e a capacidade de o cidadão comum estabelecer uma ponte entre o que ocorre no poder e seus interesses. Daí para a descrença na democracia é um pulo.

É duro admitir essa suspeita. Mas, talvez, na chamada "era do conhecimento", nós, jornalistas, estejamos produzindo mais barulho do que informação -e, assim, ficando menos relevantes.

Pelo menos é assim que deveríamos nos sentir diante do fato de que, apesar de tanto barulho, ninguém se lembra do mensalão.

P.S. - Por falar em ignorância e em pesquisas. Atribui-se parte da vantagem eleitoral de Lula ao fato de que as pessoas não prestam atenção aos escândalos e, se prestam, logo esquecem. Uma outra pesquisa do Ibope traz mais uma perturbadora hipótese -a conivência com a corrupção. Indagados sobre se tirariam algum proveito indevido do poder caso tivessem algum cargo público, 60% dos entrevistados afirmaram que empregariam familiares e 43% que aproveitariam viagens oficiais para lazer.

Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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