REFLEXÃO


Envie seu comentário

 
 

folha de s.paulo
20/04/2009

Jovens fora do trilho

Na região metropolitana de São Paulo, em cada cinco estudantes de 15 a 17 anos, um deixa a escola

Muitos daqueles galpões foram, no passado, prósperas indústrias, construídas ao longo da linha do trem, mas muitas deles faliram ou se mudaram. Em meio aos sinais de decadência e caos urbano por todos os lados, um pequeno e vistoso jardim contrasta com a aridez do entorno. Nesse local, está uma das possíveis soluções para um dos maiores desperdícios brasileiros, apontado, na semana passada, pelo Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas -esses desperdícios fabricam alguns dos tijolos que erguem, por exemplo, os muros que cercam as favelas do Rio ou os presídios.

Os alunos de escolas públicas que atravessam aquele jardim saem de lá com emprego de carteira assinada -e muitos se transformam em professores, alguns deles quase adolescentes.

Pesquisa da FGV mostrou que a principal razão que leva o jovem a deixar a escola não é a falta de dinheiro, mas de interesse. Na região metropolitana de São Paulo, em cada cinco estudantes de 15 a 17 anos, um deixa a escola -um movimento mais do que compreensível numa rede em que professores que tiraram zero numa prova de qualificação continuam a dar aulas. Ou, como mostraram as provas, estudantes não sabem o perigo de empinar pipa perto de um fio de alta tensão nem a relação entre vacina e sistema imunológico, por ignorar rudimentos da ciência.
Tradução: a incompetência do poder público está desperdiçando talentos.

O jardim integra o Centro de Formação Profissional Engenheiro James Stewart -uma parceria entre o Senai e a CPTM (Companhia Paulista de Transportes Metropolitanos).

Para entrar lá, o jovem faz um concurso público na categoria de aprendiz e, durante dois anos, recebe um curso técnico. Com o diploma de formatura, vem o emprego. Se não quiser ficar na CPTM, não faltarão opções. Até porque aquela é a única escola especializada na formação de técnicos ferroviários.
Quem entrou, claro, não sai.

Quando o jovem vê perspectiva nos estudos, obviamente não tende a ir para a rua. A taxa da evasão das escolas do Senai, na qual a imensa maioria sai da rede pública, é de 2,3% -é algo semelhante ao das escolas do Centro Paula Souza, ligadas ao governo estadual. A empregabilidade: em média, 85%.

Uma das boas emoções que um educador pode ter é visitar esses centros. Vemos aqueles jovens que, depois de tantas pancadas, agarram-se a uma oportunidade, sentem-se respeitados e, por isso, respeitam, porque percebem que encontraram futuro. O estímulo do professor está nesse progresso coletivo.

Já existe um consenso de que um dos melhores investimentos brasileiros em capital humano é o ensino técnico -e até já começam a se espalhar experiências interessantes como a divisão de espaços entre os cursos técnicos com a rede pública.

Mas, certamente, umas das soluções é a disseminação da lei da aprendizagem, aprovada há muito tempo, mas pouco implementada.

Isso significa ampliar a contratação de aprendizes, a partir dos 14 anos de idade, pelas empresas, que serão as maiores beneficiárias com a mão-de-obra qualificada.
Nesse jogo, ninguém sai perdendo -é uma relação muito mais produtiva do que ficar distribuindo bolsas. Certamente, vai colocar centenas de milhares nos trilhos -e não conduzi-los à marginalidade, erguendo muros ou construindo presídios.

PS - Quem faz as análises mais críticas da escola pública são os estudantes que saíram de lá e foram estudar em locais como Senai ou Centro Paula Souza, porque conseguem fazer comparações. Geralmente são jovens de famílias pobres que levam a educação muito a sério, tanto que passaram por disputados concursos. Nas últimas duas semanas, encontrei cerca de 3.000 desses alunos -fui conhecer experiências como os cursos de rede de comunicação e artes gráficas, todos reconhecidos internacionalmente. Fiz ali uma pesquisa e perguntei o que mais incomodava nas escolas públicas. Todos se sentiram desrespeitados das mais variadas formas. Em primeiro lugar na lista de desrespeitos, apareceu a falta e o atraso dos professores. Eles traduzem essa atitude como indisciplina.
Para fazer justiça: Maria Helena Guimarães, que deixou a Secretaria da Educação na semana passada, foi das pessoas que conheci que mais se dispuseram a arrumar brigas para melhorar a qualidade de ensino. Enfrentou a falta e a rotatividade dos professores, implantou um sistema de mérito, aprimorou mecanismos de avaliação, implantou um currículo básico, brigou com as faculdades de pedagogia, criticou a gestão do PSDB no governo estadual. No futuro, ela será conhecida como uma das mais importantes referências da educação brasileira. O problema dela é que estava mais preocupada com a educação do que com a comunicação -o que, em política, é o caminho da reprovação. Chegou ao ponto de tornar mais difícil a prova de português, sabendo que, no ano seguinte, os resultados seriam ainda mais negativos.


Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
   
 
 

COLUNAS ANTERIORES:
15/04/2009
Central da Augusta
14/04/2009
Governo vai criar um vale-desperdício?
12 /04/2009
Grandes engenheiros das pequenas obras
06/04/2009
Por que o vestibular morreu?
01/04/2009
Caetano, Gil, Nizan e o "aleijado" baiano
30/03/2009 Deus de papel
30/03/2009 Um belo exemplo de coragem
27/03/2009
A prisão de Eliana Tranchesi é um espetáculo?
25/03/2009
O aposentado que virou criança
23/03/2009
Mistério no campus da USP
Mais colunas