REFLEXÃO


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urbanidade
25/03/2009

O aposentado que virou criança

A paixão de Sérgio era sair pelo mundo, descobrindo gente e cidades. Fez rotas exóticas por Índia, Tibete, China, Irã, Egito...

Executivo bem-sucedido na área financeira, Sérgio Freitas ganhou muito dinheiro, se aposentou e, em vez de ficar sem fazer nada, reaprendeu a brincar.

O resultado desse aprendizado será apresentado oficialmente nesta semana, quando o paulistano começa a ver como um palácio abandonado, numa região deteriorada da cidade, está repleto de engenhocas divertidas. Será aberta a Fundação Catavento, no Palácio das Indústrias, no Parque Dom Pedro, onde, conta a lenda, há fantasmas -talvez, diziam vigias, porque o prédio serviu ao Instituto Médico Legal. Mais tarde, foi sede da prefeitura; já tinha recebido a Polícia Militar, o Corpo de Bombeiros e a Assembleia Legislativa. De noite, aquele imóvel tinha mesmo um aspecto fantasmagórico.

O desafio de Sérgio foi criar um espaço em que crianças e adolescentes aprendessem química, física, biologia, geografia ou história como se estivessem brincando -o que, para muitos estudantes, é mais difícil de acreditar do que em fantasmas. Para chegar lá, Sérgio, 66, transformou sua vida num roteiro de descobertas de brincadeiras.

Ele passou os últimos anos descobrindo ou ajudando a desenvolver projetos para seduzir as crianças para coisas que, em sala de sala, as fariam dormir. Com dinheiro do próprio bolso, fez um turismo pelos principais museus do mundo dedicados à ciência, atento às engenhocas interativas. "Queremos ser uma extensão da sala de aula, onde se sinta o prazer da experiência."

Quem olhasse de longe talvez não acreditasse que Sérgio teria o perfil para essa empreitada. Formado em engenharia elétrica, especializou-se em finanças, começou a trabalhar em banco em 1965 e acabou vice-presidente-executivo do Itaú. Estava sempre cercado de gente engravatada e planilhas, cujo assunto era ganhar dinheiro.

Mas quem olhasse um pouco mais de perto provavelmente veria as pistas da criança. Sérgio já estava quase se aposentando quando decidiu estudar astronomia e instalar em sua casa um potente telescópio. Divertia-se jogando xadrez; o hobby levou-o a presidir a Confederação Brasileira de Xadrez. Um dos seus prazeres era brincar de resolver problemas matemáticos.

A criança apareceria com mais nitidez, porém, nas viagens. A paixão de Sérgio era sair pelo mundo, descobrindo gente e cidades. Fez rotas exóticas por Índia, Tibete, China, Camboja, Irã, Nepal e Egito -uma de suas incursões preferidas é o Pantanal. "Cada viagem era uma emoção."
Justamente essa emoção de aprender que Sérgio quis colocar no museu. Não é formado em educação, mas sabe que, sem emoção, não há aprendizado, porque falta a curiosidade -e, sem curiosidade, não há criança. Por isso, aquele aposentado, habituado às finanças, redescobriu um novo futuro. "Estou me sentindo uma criança."

Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
   
 
 

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