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REFLEXÃO


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urbanidade
20/07/2005
A ópera de Batucada

Ainda criança, Aníbal ia de mãos dadas com o pai, Geraldo Marques, acompanhá-lo ao trabalho no Teatro Municipal. Entretinha-se nos bastidores ouvindo as orquestras e os cantores de ópera, vendo a correria dos atores e o pai arrumando, às pressas, o palco para o ato seguinte. "O espetáculo para mim era toda aquela movimentação."

Aníbal foi, aos poucos, aprendendo a apreciar a beleza das óperas. Há 26 anos, surgiu no teatro uma vaga para trocar cenários. O candidato natural era o filho do Batucada, como Geraldo Marques era conhecido. "Eu já sabia muita coisa." Batucada foi, então, um pai-professor. "Ensinava todos os truques." Tudo significava, por exemplo, o que, na gíria local, Aníbal, apelidado de Pelé, chama de "traquitanas", a arte de improvisar. "Não existem cursos para essas tarefas em teatro, temos de aprender fazendo." Aprendeu não só truques técnicos.

Aprendeu também a não levar muito a sério as conversas sobre os fantasmas do Municipal. "Muita gente diz que existem fantasmas que abrem e fecham as portas." Tamanha era a desconfiança que chegaram a contratar "técnicos" que, usando aparelhos, tentaram detectar os ectoplasmas. Os "fantasmas" nunca atrapalharam seu trabalho durante a madrugada, obrigado a preparar os cenários, muitas vezes, sozinho.

Quando Batucada morreu, vitimado por um câncer, o filho já se sentia em pleno domínio da arte das "traquitanas". Estudou cenotécnica para saber não só mudar cenários mas também construí-los. Seu grande ato, porém, está prestes a começar - mais precisamente em agosto.

O diretor artístico do Teatro Municipal, Jamil Maluf, criou uma central de produção para óperas num galpão de 24 mil m2, onde está sendo realizada a recuperação de cenários antigos, muitos dos quais em risco de deterioração, e das centenas de figurinos, dos quais alguns são assinados por famosos artistas plásticos brasileiros.

Aníbal não apenas será um dos principais responsáveis pelo galpão mas também terá sob sua responsabilidade a formação de jovens na produção dos espetáculos. Ele não acredita em fantasmas, mas, ao se transformar em professor, tem a sensação de que Batucada está ali presente, mostrando-lhe como ensinar as "traquitanas" aos garotos. "Como professor, vou seguir meu pai."

Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo na editoria Urbanidade.

   
 
 
 

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