REFLEXÃO


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folha de s.paulo
25/08/2008

O DNA de São Paulo

Nesta eleição, o que está em jogo é quanto o próximo prefeito estará à altura do círculo virtuoso da cidade


Independentemente do prefeito que sair vitorioso das urnas, São Paulo só tende a melhorar. Aumento a aposta: vai melhorar muito. Os problemas evidentemente são complexos e crônicos, ainda estamos submetidos à selvageria urbana e ficaremos assim por muito tempo. Mas há uma conjunção dos mais variados movimentos, provocados pelas mais diferentes razões, que colocaram a cidade num círculo virtuoso.

O aumento do Orçamento do município, gerado pelo crescimento econômico, é um dos ingredientes desse círculo. Mas não é o mais importante.

Na semana passada, o Ministério do Trabalho anunciou recorde de geração de empregos formais. Um dos puxadores desse recorde é a cidade de São Paulo. Olhando com mais atenção, constatamos que boa parte dos contratados tem alta escolaridade.

Se tomarmos como referência 2005, os desempregados a menos que temos na cidade, cerca de 200 mil, dariam para lotar quatro estádios do Morumbi. Aí está um dos ingredientes do círculo virtuoso.

Combinam-se indicadores de emprego, renda e escolaridade com mudanças demográficas. O crescimento da população está diminuindo há décadas -e cada vez mais rapidamente- por causa da queda da taxa de natalidade e do menor fluxo de migração. Saem mais pessoas do que chegam para morar em São Paulo.

Temos, assim, mais emprego, população mais velha e com maior escolaridade. Como a cidade aprofunda sua vocação como uns dos pólos da economia global, geram-se trabalhadores mais preparados, estimulando os setores educacionais e culturais. Fatores como diversidade cultural, ambiente criativo e redução da taxa de homicídios -cerca de 80% desde 2000- ajudam a atrair talentos e, portanto, empresas.

População mais velha significa menos violência, devido à redução do número de adolescentes. Significa também uma janela de oportunidade para melhorar o atendimento à infância, já que não é tão necessário construir escolas.

Mais educação se traduz em maior produtividade econômica, menos violência e gente mais crítica, atenta e organizada, cobrando melhores serviços públicos.

É nesse contexto que surgiu, neste ano, um movimento inusitado no Brasil, batizado de "Nossa São Paulo", reunindo o que há de mais importante e representativo da cidade. Pela primeira vez, foram estabelecidas metas -da gravidez precoce ao número de bibliotecas por habitante- para cada região. Os meios de comunicação estão mais profundos na sua cobertura de temas técnicos, muitos deles áridos.

O melhor exemplo disso é o caderno DNA São Paulo, publicado pela Folha -é a mais profunda radiografia jornalística já feita da cidade num ano eleitoral. Por esse caderno, soubemos, por exemplo, que o ensino médio está quase universalizado entre jovens de 16 a 24 anos.

Foi em São Paulo que se articulou, há dois anos, a mais importante mobilização pela melhoria da educação de que se tem notícia no país. Uma demonstração do poder de articulação do "Todos pela Educação" podia ser visto, na terça-feira passada, no Museu de Arte Moderna, no parque Ibirapuera, quando se apresentou uma campanha publicitária para colocar na agenda dos candidatos a melhoria do ensino. Nunca tantos e tão poderosos veículos de comunicação se dispuserem a, voluntariamente, promover uma mensagem social. Não por acaso se conseguiu implantar na rede estadual o ousado projeto de remuneração de professores a partir do desempenho dos alunos.

O círculo virtuoso paulistano é beneficiado pela consolidação de uma série de consensos -como o da educação. Governantes começam a ser avaliados pelas notas dos alunos e, aos poucos, falam menos em obras e mais em treinamento de educadores. O discurso dos candidatos revela o consenso em torno do transporte público em detrimento ao espaço para os automóveis. Todos os principais concorrentes prometem dar dinheiro ao metrô.

Também estão todos de acordo com o papel do prefeito em facilitar o ambiente de negócios, reduzindo impostos e burocracia. Vemos agora os candidatos falando em ensino técnico. Entende-se isso com um dado que obtive na semana passada: 96% dos formados em 2007 das Fatecs (Faculdade de Tecnologia), na cidade de São Paulo, estão empregados.

O que está em jogo nesta eleição não é se São Paulo vai melhorar -mas quanto o próximo prefeito estará à altura da cidade e conseguirá apressar esse movimento.

PS- Como mostra o Datafolha, o futuro prefeito deve ser Marta, Geraldo ou Gilberto. Podemos discordar, com fartos argumentos, sobre se os três são ótimos ou bons, mas teremos de concordar que, por sua experiência administrativa, qualquer um deles é pelo menos regular. O problema é que não sabemos se o vitorioso usará a cidade como trampolim -e não ficará à altura de um inovador movimento de construção de uma comunidade contra a barbárie.


Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
   
 
 

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