Na esquina
da Paulista com a Augusta, um telescópio faz com que
os apressados parem para conhecer a Lua
A Lua crescente exerce um efeito especial no arquiteto Francisco
Conte: em noites assim, ele sai de casa para fascinar as pessoas,
qualquer pessoa.
Se não estiver chovendo, quase sempre é bem-sucedido.
Munido de um telescópio, ele monta um improvisado observatório
astronômico na esquina da avenida Paulista com a rua
Augusta, em frente ao Conjunto Nacional, e convida os transeuntes
a apreciar a Lua. "O período crescente é
o melhor para olhar a Lua pelo telescópio", ensina.
Não faltam cenas estranhas. Numa noite, uma noiva saiu
de um carro e, arrastando o pesado vestido branco, esqueceu
do casamento e pregou o olho no telescópio. "Descobri
muita gente que nunca tinha olhado por um telescópio",
orgulha-se, dizendo que se sente remunerado apenas admirando
o fascínio dos observadores.
Esse projeto de popularização da astronomia
se mistura, na vida de Francisco Conte, à arquitetura.
Um dos seus maiores prazeres acadêmicos foi ter conhecido
um templo da civilização maia, no México,
projetado de forma que fizesse aparecer uma cobra desenhada
na parede devido ao ângulo da entrada dos raios do sol
-o desenho só é visível uma única
vez por ano.
Antes de entrar no curso de arquitetura da USP, Francisco
já tinha um interesse especial por astronomia. Mas
não imaginava que esse interesse se transformasse em
qualquer habilidade profissional. Estava enganado.
Na faculdade, aprendeu como um projeto deveria considerar
o movimento solar para regular naturalmente a luz e a temperatura
da casa. Notou que poderia, se quisesse, criar ambientes que
reproduzissem efeitos como o que viu no templo maia -o que
já seria um exotismo, para o qual ainda não
conseguiu clientes. Reservava a observação das
estrelas ao seu sítio, onde instalou seu telescópio.
Mas a paixão astronômica foi mais forte.
Ele entrou no Casp (Clube de Astronomia de São Paulo).
Uma de suas atividades era popularizar os conhecimentos, espalhando
telescópios, devidamente monitorados, nas praças
e nas ruas, além das palestras em escolas públicas
e particulares.
Nenhum lugar, porém, tinha tanto apelo como a esquina
da Paulista com a Augusta, onde muita gente esquece a pressa
por alguns instantes para admirar a Lua -e até se dispõe
a ouvir as explicações científicas.
Involuntariamente, o fascínio da lua crescente se
transformou numa jogada de marketing. Muitos daqueles apressados
transeuntes, interessados nas explicações, passaram
a freqüentar os cursos do Casp, no campus da USP, e,
por sua vez, começaram também a sair pelas ruas,
munidos de telescópios, democratizando a Lua.
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
|