REFLEXÃO


Envie seu comentário

 
 

urbanidade
30/07/2008

Fascínio da lua crescente

Na esquina da Paulista com a Augusta, um telescópio faz com que os apressados parem para conhecer a Lua

A Lua crescente exerce um efeito especial no arquiteto Francisco Conte: em noites assim, ele sai de casa para fascinar as pessoas, qualquer pessoa.

Se não estiver chovendo, quase sempre é bem-sucedido. Munido de um telescópio, ele monta um improvisado observatório astronômico na esquina da avenida Paulista com a rua Augusta, em frente ao Conjunto Nacional, e convida os transeuntes a apreciar a Lua. "O período crescente é o melhor para olhar a Lua pelo telescópio", ensina.

Não faltam cenas estranhas. Numa noite, uma noiva saiu de um carro e, arrastando o pesado vestido branco, esqueceu do casamento e pregou o olho no telescópio. "Descobri muita gente que nunca tinha olhado por um telescópio", orgulha-se, dizendo que se sente remunerado apenas admirando o fascínio dos observadores.

Esse projeto de popularização da astronomia se mistura, na vida de Francisco Conte, à arquitetura. Um dos seus maiores prazeres acadêmicos foi ter conhecido um templo da civilização maia, no México, projetado de forma que fizesse aparecer uma cobra desenhada na parede devido ao ângulo da entrada dos raios do sol -o desenho só é visível uma única vez por ano.

Antes de entrar no curso de arquitetura da USP, Francisco já tinha um interesse especial por astronomia. Mas não imaginava que esse interesse se transformasse em qualquer habilidade profissional. Estava enganado.

Na faculdade, aprendeu como um projeto deveria considerar o movimento solar para regular naturalmente a luz e a temperatura da casa. Notou que poderia, se quisesse, criar ambientes que reproduzissem efeitos como o que viu no templo maia -o que já seria um exotismo, para o qual ainda não conseguiu clientes. Reservava a observação das estrelas ao seu sítio, onde instalou seu telescópio. Mas a paixão astronômica foi mais forte.

Ele entrou no Casp (Clube de Astronomia de São Paulo). Uma de suas atividades era popularizar os conhecimentos, espalhando telescópios, devidamente monitorados, nas praças e nas ruas, além das palestras em escolas públicas e particulares.

Nenhum lugar, porém, tinha tanto apelo como a esquina da Paulista com a Augusta, onde muita gente esquece a pressa por alguns instantes para admirar a Lua -e até se dispõe a ouvir as explicações científicas.

Involuntariamente, o fascínio da lua crescente se transformou numa jogada de marketing. Muitos daqueles apressados transeuntes, interessados nas explicações, passaram a freqüentar os cursos do Casp, no campus da USP, e, por sua vez, começaram também a sair pelas ruas, munidos de telescópios, democratizando a Lua.

Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
   
 
 

COLUNAS ANTERIORES:
29
/07/2008 O direito de não sentir medo
28
/07/2008 Emprego da sogra
23
/07/2008 Ficha suja está suja
23
/07/2008 Uma vida em quadrinhos
22
/07/2008 Guerra ao blablablá dos candidatos
21
/07/2008 O Brasil inventado no banheiro
16
/07/2008 Arte dá água na boca
15
/07/2008 Vitórias contra a barbárie
14
/07/2008 Um brinde aos que não morreram
09
/07/2008 Caçadores de orquídeas perdidas
Mais colunas