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Depois de presenciar no seu bairro,
por diversas vezes, vizinhos homens bêbados agredindo
suas companheiras, o jovem Fabio Leite Alves, 21 anos, decidiu
que estava na hora de deixar aquele velho ditado de lado, que
diz: "em briga de marido e mulher ninguém mete a
colher". "Vi que eu tinha que me meter sim, não
podia ficar calado". Hoje, ele está à frente
do Grupo Atuação, que reúne 16 jovens homens
que discutem questões de gênero, violência
contra a mulher, sexualidade, paternidade responsável,
entre outros temas, nas comunidades e escolas do Recife, em
Pernambuco. Uma das propostas
do trabalho é acabar com a idéia de "macho",
"em que o homem deve levar o dinheiro para casa, não
precisa dar atenção e carinho à mulher
e filhos, sendo o dono da verdade, que não aceita opiniões",
explica Fabio. "Não queremos mais passar essa
cultura trazida por nossos pais. Não tem que haver
disputa entre homens e mulher, mas sim lutar em conjunto,
com união", destaca o jovem.
O Grupo Atuação é
resultado do trabalho do Instituto Papai, com sede também
no Recife. O instituto foi criado há oito anos, após
a realização de uma pesquisa que pretendia analisar
a invisibilidade dos jovens pais no ambiente hospitalar, principalmente
durante o período de pré-natal. A pesquisa percebeu
que o mito de que o pai adolescente nunca assumia o filho
não era verdade, pois em certos momentos a postura
dos garotos era outra. A partir daí, começou
então a se trabalhar outras questões voltadas
ao homem e a masculinidade, como violência, drogas,
sexualidade. A proposta é trabalhar a construção
do homem sob a perspectiva feminista e de gênero.
Isso porque, de acordo com Ricardo
Castro, psicólogo e assistente de projetos do instituto,
questões do movimento feminista apontam para a revisão
de modelos hegemônicos tanto de masculinidade quanto
de feminilidade. "Nem todos os homens compartilham essas
idéias, pois também sofrem com estes modelos,
então aproveitamos para questionar", comenta.
Por isso, o objetivo da entidade
é promover uma revisão do modelo machista e
dos processos de socialização masculina na sociedade,
contribuindo, assim para implementação de políticas
públicas que visem envolver os homens e jovens em questões
relativas à sexualidade e reprodução.
A idéia é promover a cidadania com justiça
social, a partir da eqüidade de gênero, respeito
às jovens gerações e a eliminação
de todas as formas de violência.
A proposta é quebrar com o
ciclo da cultura machista que ainda existe no país.
"É só observar a questão da manifestação
dos sentimentos nos homens. Desde cedo, ele não é
incentivado a mostrar fraqueza, sensibilidade, medo, mas sim
agressividade e a frustração dele de forma reativa,
pró-ativa. E essa forma de expressão precisa
ser levada em consideração, para que os homens
consigam manifestar seus sentidos de outras formas não-violentas",
aponta Ricardo Castro.
Uma das principais ações
da ONG é a coordenação nacional da Campanha
Laço Branco (www.lacobranco.org), que visa envolver
os homens na luta pelo fim da violência contra as mulheres.
A campanha teve inicio em 1991 no Canadá, em resposta
ao Massacre de Montreal, ocorrido dois anos antes, quando
um homem entrou em uma escola politécnica e assassinou
14 mulheres e depois se matou. Mas a ação já
se estendeu por mais de 30 países. No Brasil, ela começou
a se organizar a partir do Seminário "Respondendo
à violência intrafamiliar e de gênero:
reflexões e propostas de trabalho para o parceiro masculino",
realizado em Brasília, em novembro de 1999. A partir
de 2001, as organizações passaram a desenvolver
ações mais articuladas.
Hoje, a coordenação
da campanha é compartilhada com o Instituto NOOS de
pesquisas sistêmicas e desenvolvimento de redes sociais
(RJ), Instituto Promundo (RJ), ECOS: Comunicação
em Sexualidade (SP), Centro de Educação para
a Saúde (SP), Pró-mulher, Família e Cidadania
(SP) e Rede Acreana de Mulheres e Homens (AC). A campanha
reúne um conjunto de estratégias de comunicação
com a proposta de envolver e mobilizar os homens no engajamento
pelo fim da violência contra as mulheres. O laço
branco é um símbolo que representa o compromisso
de não cometer um ato violento contra as mulheres e
não fechar os olhos para isso. Afinal, hoje, a violência
cometida por homens atinge uma em cada cinco mulheres no Brasil.
"Queremos, por meio dessa
estratégia, mudar esse cenário de violência
e quebrar a linha de cumplicidade que existe quando ocorre
este ato. Por isso o tema da outra campanha foi: Violência
contra a mulher não tem graça nenhuma, a fim
de mudar a forma como a gente trata o tema que pode, muitas
vezes, mascarar o problemas. Afinal, aquilo que você
acha que é tão normal, não é.
É errado. E isso traz conseqüências não
somente para as mulheres, mas para os homens também.
Ninguém quer se ver como autor da violência,
pois traz conseqüências para a saúde, relacionamento,
humanidade e tudo mais", comenta o psicólogo.
Ricardo aponta que a campanha busca
ainda estimular não somente aos homens a não
praticarem essa violência, mas também que eles
não fiquem calados quando percebam um ato violento.
E isso tem trazido resultados positivos. O jovem Fábio
Alves, por exemplo, afirma que hoje "abraça a
campanha de corpo e alma".
Apesar das ações da
campanha se tornarem mais intensas na semana do dia 25 de
novembro, quando se comemora o Dia Internacional de Combate
à Violência contra a Mulher, neste ano, algumas
ações já foram realizadas pela campanha,
principalmente em Recife, onde o Instituto Papai está
localizado. Durante o Carnaval, o instituto participou do
bloco carnavalesco "Nem com uma Flor", uma iniciativa
da Prefeitura do Recife, organizado pela Coordenadoria da
Mulher e Secretaria de Saúde, que faz menção
àquela antiga canção: "em que se
diz que não se bate em mulher nem com uma flor".
Além disso, foi organizado
o bloco carnavalesco "Homens e Mulheres na folia pelo
fim da violência contra a mulher". Na ocasião,
além de bonecos gigantes, foram distribuídas
5.000 fitinhas, símbolos da campanha no Brasil. Agora
em março, no Dia Internacional da Mulher (08/03) o
Instituto Papai também estará envolvido em atividades
em conjunto com o Fórum de Mulheres de Pernambuco.
A novidade da campanha nestes últimos
meses é a criação da Rede de Homens pela
Eqüidade de Gênero (RHEG), com a participação
de todas as organizações coordenadoras, que
visa articular as ações não só
da campanha, mas dessa temática de uma forma em geral,
e dar um caráter mais político para as atividades.
O objetivo é que as políticas de gênero
no país possam ser vistas também sob a perspectiva
das especificidades dos homens. "Não é
tirar o espaço da mulher, mas unir, agregar para que
todos saiam ganhando. A proposta, por exemplo, é sensibilizar
os centros médicos públicos que negam a presença
dos pais durante o pré-natal ou o parto", comenta
Ricardo Castro.
Educação como
base
Um dos trabalhos principais do Instituto Papai é atuar
em espaços sociais freqüentados pelos homens,
como bares e campos de futebol, promovendo grupos de reflexão,
ou ações de educação popular junto
aos jovens de diversas comunidades pobres da região,
organizando atividades como oficinas, palestras e produção
de peças teatro, a fim de discutir questões
como sexualidade, drogas, prevenção à
violência, Aids, paternidade.
Hoje, o instituto já dá
suporte e apoio técnico para grupos que foram se montando
após a atuação da entidade no local,
como o Grupo Atuação, no bairro da Várzea,
da qual Fábio faz parte. O jovem conta que, no inicio,
os adolescentes acharam estranha a idéia de reunir
somente homens para discutir essas questões, tendo
em vista que, normalmente, os grupos formados são mistos
ou somente de mulheres. "Fui por curiosidade e achei
muito interessante", recorda. Depois de três anos,
aqueles jovens acharam que já era hora de andarem com
as próprias pernas e colocarem em prática, como
multiplicadores, o que aprenderam com o Instituto Papai.
Há ainda o Grupo de Homens
Jovens de Camaragibe, em parceria com o Programa Saúde
da Família, que envolve cerca de 30 jovens do sexo
masculino. Eles atuam como educadores e intermediadores da
comunidade, distribuindo camisinhas e conversando sobre estes
temas da sexualidade conforme a realidade daquela comunidade.
Ricardo Castro ressalta que o instituto tem observado que
algumas temáticas têm mais acesso aos jovens,
como a questão da violência da mulher, e que
estão mais envolvidos no processo de discussão,
principalmente por serem grupos exclusivamente formados por
meninos. Isso porque, em grupos mistos, a grande participação
era feminina.
De acordo com o psicólogo,
é preciso ter um olhar de atenção sobre
a educação, principalmente para observar como
é a construção do processo de violência
e como é a socialização desse tema, a
fim de que as ações com os jovens consigam quebrar
esse ciclo de violência. Na saúde, a atuação
do instituto é junto aos profissionais homens, que
possam vir a atender uma mulher vítima de violência.
"Quando se deparar com isso, ele tem que pensar em toda
uma questão de gênero que está por trás,
e não mais apenas que é uma pessoa que chegou
com um machucado, uma escoriação. O seu comportamento
tem que estar atento a isso", aponta Ricardo. A organização
busca também, em conjunto com Fórum de Mulheres
de Pernambuco e com o Movimento de Mulheres Trabalhadoras
Rurais, levar a disseminação da campanha e de
atividades para o interior do estado, principalmente no sertão.
DANIELE PRÓPERO
do site setor3
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