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03/05/2005
Moradores podem se expressar com palavras no Sarau da Cooperifa

São oito horas da noite e o bar do Zé Batidão enche cada vez mais. Jovens, crianças, adolescentes, adultos e famílias inteiras se acomodam nas mesas e pedem a famosa carne de sol. É mais um encontro do Sarau da Cooperativa Cultural da Periferia (Cooperifa), que ocorre todas às quarta-feiras das oito até meia noite, no bairro de Piraporinha, zona Sul de São Paulo.

Criada em 2000, a Cooperifa foi idealizada pelo poeta Sérgio Vaz com objetivo de reunir artistas da periferia e desenvolver atividades culturais, como teatro e exposição de fotografia em praças, bares, galpões e diversos lugares. No final de 2002, começaram os saraus, em que artistas de vários lugares se encontravam às quinta-feiras. Na época, chamava-se quinta maldita. Durante um ano e meio, os saraus da Cooperifa ocorreram numa fábrica abandonada em Taboão da Serra, município de São Paulo, e nos últimos dois anos acontecem no bar de José Cláudio Rosa, mais conhecido como Zé Batidão (batidão pelas famosas batidas).

Sérgio pediu a Zé o espaço de seu bar para realizar o sarau. Afinal de contas, o poeta conhecia bem a comunidade de Piraporinha, já que seu pai foi dono deste bar anos atrás. "Como conheço Sérgio desde pequeno, cedi o espaço do bar para o lançamento do seu primeiro livro e agora para a realização do sarau. No começo queriam colocar na segunda, mas falei que não daria certo, porque o povo ainda está de ressaca do final de semana e decidimos pela quarta-feira", afirma seu Zé.

Na última quarta (20/04), cerca de 120 pessoas foram no sarau, sendo que trinta delas colocaram seus nomes na lista dos poetas "anônimos". "Isso daqui é muito bom, porque a mídia costuma mostrar apenas coisas ruins da periferia e aqui tem muita gente boa e talentosa. No começo era um pouco parado, mas a tendência é aumentar cada vez mais. Estamos só no começo", ressalta seu Zé.

Segundo Marcu Pezão, jornalista e um dos integrantes da Cooperifa, entre os 50 freqüentadores um possui um livro editado e aponta o sarau como um espaço importante para aquele que quer apresentar seus trabalhos e acaba se tornando mais um rastilho de pólvora. "Nós falamos que isso (o sarau) vai queimar como rastilho de pólvora e está acontecendo", aponta.

"Reunimos cerca de 100 pessoas de toda São Paulo. Levantamos a questão da condição do ser marginalizado e contamos com a parceria (e presença) de várias entidades, como: Becos e Vielas, Rainha da Paz, Bloco do Beco, movimento 1da Sul e outros. Queremos tirar as pessoas da frente da televisão e mudar a imagem da periferia violenta. Nós estimulamos a leitura e escrita. Muitas pessoas voltaram a estudar e passam a ter proximidade com a literatura. Aqui não é concurso. É um festival, em que as pessoas mostram diferentes visões para vários assuntos e têm liberdade para expor", relata Pezão.

Hoje, o sarau da cooperifa serve de exemplo para muitas comunidades desenvolverem o mesmo movimento cultural. Como, por exemplo, o município de Itapecerica da Serra pediu ajuda para organizar um sarau, já Embu das Artes se reúne todas as sextas enquanto Campo Limpo e Osasco ainda vão começar seus encontros. Todos vão para o sarau da Cooperifa e trocam experiências e dicas com os articuladores mais experientes.

No dia 11 de maio, o sarau da Cooperifa recebeu a doação de 70 livros do site Leia Livro para distribuir entre as mães que forem no sarau. "Vamos dar um livro e uma rosa. Estamos recebendo doação e não esmolas. Ou seja, queremos livros em bons estados e interessantes para incentivá-las a lerem. Não adianta mandar um livro de Nietzsche ou outros autores de difícil compreensão. Podem enviar livros no estilo de Paulo Coelho e Sidney Sheldon, por exemplo. O importante é ter uma linguagem acessível a todos", destaca Sérgio.

Os encontros do sarau resultaram num livro de poesias, O rastilho da pólvora - Uma antologia poética do Sarau da Cooperifa, de 43 artistas anônimos da periferia. Foi lançado em dezembro de 2004 e contou com o apoio do Instituto Itaú Cultural para sua publicação.

O tema do dia: um ato político contra a barbárie
Cada quarta tem um tema no sarau da Cooperifa. No dia 20 de abril, o tema era um ato político contra barbárie e foi marcado por várias críticas a morte do papa, chacina na Baixada Fluminense e dos últimos acontecimentos políticos. Sérgio começou a contar o ultimo episódio marcante entre as comunidades, a chacina de 30 pessoas na Baixada Fluminense. "Imagine que são nove horas da noite e 15 pessoas são mortas no Shopping Morumbi e Iguatemi. A repercussão seria diferente. Não seria a mesma coisa que matar pretos, pardos e mulatos da periferia, como aconteceu no Rio. Precisamos fazer um ato contra a barbaridade do ser humano. A idéia do ato é mudar depois de cada sarau e lutar sempre contra a mediocridade. Pela tragédia com nossos companheiros do Rio, coloco a bandeira brasileira a meio palmo", lembra Sérgio.

Após os comentários da tragédia no Rio, Sérgio dá início ao sarau e, de forma divertida e informativa, chama os poetas anônimos da periferia. São estudantes, trabalhadores, donas-de-casa, professores, jornalistas, rappers (ainda desconhecidos entre a classe média e elite), poetas anônimos, dentre outros.

Um dos poetas aplaudidos foi Valmir da Silva Vieira. O poeta anônimo trabalha com a pintura industrial e há dois anos freqüenta os encontros literários. "Sérgio me convidou para participar do sarau e até hoje estou aqui. Venho todas as quartas e já escrevi mais de 30 poesias. Estes encontros aumentam nossa auto-estima da comunidade e faz muito bem ouvir e produzir poesia. Aqui rola de tudo", explica Valmir.

Além do Valmir, o jovem Rafael Pereira da Silva, 16 anos, conhecido como PH Bone, cantou sua letra de rap "Definam a quem estou me referindo". Ele participa do sarau desde agosto de 2004 e foi um amigo que indicou o sarau. Ph gostou dos encontros e na segunda vez já trouxe uma poesia e até hoje não perde um sarau.

PH Bone já escreveu seis letras de rap e é representante do Soldado do Baixo Escalão, um grupo de jovens da comunidade que desenvolve vários projetos e eventos para arrecadar recursos e doações à comunidades. O adolescente é responsável pela parte do hip hop. Além disso, Ph é articulador social da Fundação Dixtal, uma entidade sem fins lucrativos que desenvolve trabalho comunitário na zona sul de São Paulo.

"Eu parti para o lado mais literário, mas já li várias obras. Como Maquiavel, Lênin, Che Guevara e outros. Estas obras me ajudaram a construir minha ideologia. Me identifico mais com o Lênin, porque ele também gosta de jogar xadrez e tenho a mesma ideologia. Muitos só conhecem o crime da periferia e aqui você tem música, literatura e arte de uma forma geral. É muito louco conhecer diferentes obras como Carlos Drummond e outros poetas que você escuta aqui", conta

Já a Edelaine Demucio, vice-presidente da Casa dos Meninos, é a primeira vez que visita o sarau e aprovou a iniciativa. A entidade também promove saraus esporadicamente. "Quanto mais movimento desse tipo, mais vamos conseguir aglutinar pessoas interessadas em conhecer coisas diferentes. Divulgar obras de poetas e outras coisas da própria periferia teria que ser imprescindível, mas ainda não é", ressalta Edelaine.

O casal Marcelo Beso, bancário e poeta anônimo, e Célia Harumi, antropóloga, também freqüenta o Sarau da Cooperifa e acha interessante a iniciativa, já que as pessoas que participam são interessadas em poesia e procuram escrever cada vez mais com qualidade. "Depois que vim pra cá muitas coisas que acreditava mudaram. O preconceito, o modo de ver a estrutura de vida e o compromisso social foram algumas das coisas que mudaram. Tinha vergonha e agora consigo falar uma poesia na frente de todos. É um grande aprendizado e, principalmente, para o jovem da periferia que ganha voz e aprende a refletir aos valores ditados. Ele vê a necessidade da mudança estrutural. Aprender a ouvir, falar e respeitar. Isso é um privilégio", opina Célia.


Serviço:
Quem estiver interessado em doar livros para o Dia das Mães e para a comunidade e/ou comprar o livro Rastilho de Pólvora- Antologia Poética do Sarau da Cooperifa, mande um e-mail para:poetavaz@ig.com.br.
Sarau da Cooperifa
Rua Bartolomeu dos Santos, 797
Piraporinha - São Paulo
Tel.:(11) 5891-7403


SUSANA SARMIENTO
do site setor3

 
 
 

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