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rio de janeiro
29/11/2004

Moradoras do Leme sobem o morro para dar curso de culinária

RIO DE JANEIRO (RJ) - Morro e asfalto têm um encontro marcado na cozinha toda sexta-feira. Na escola São Domingos, na zona sul carioca, mulheres do abastado bairro do Leme se juntam a moradoras das favelas do Chapéu Mangueira e Babilônia. Elas vestem o avental, arregaçam as mangas e põem a mão na massa. Aprendem a fazer pães, a reaproveitar alimentos, e ainda trocam receitas. A aula dura a tarde toda. Algumas já começam a transformar o aprendizado em fonte de renda, vendendo os salgadinhos e doces que aprenderam a fazer.

É pão recheado com lingüiça, bolo de maracujá, doce de casca de banana. Mas a receita que Edson Faria Garcia, 47 anos - morador do Chapéu Mangueira e um dos poucos homens do grupo -, quer aprender é a de panetone. Por um motivo bem prático. Ele quer vendê-los na feirinha que a igreja Nossa Senhora do Rosário promove todo domingo na escola e aumentar sua renda para o Natal.

"Como o curso é gratuito e estou desempregado, quero aprender uma coisa útil, como os pães. Não digo que vou trabalhar numa padaria, mas até em casa posso ganhar um dinheiro", planeja.

Edson vai seguir o caminho que a cozinheira Maria das Graças Pinheiro, de 49 anos, já anda trilhando. Também desempregada desde que a empresa em que trabalhava faliu, Graça, que divide um apartamento no Leme com uma amiga, tem se empenhado na venda de pães e panquecas por encomenda. É um negócio ainda incipiente, mas tem quebrado o maior galho na hora de pagar as contas do mês.

O objetivo da Padaria do Vovô é exatamente esse. "Trata-se de um projeto voltado para a qualificação profissional e inclusão social da terceira idade. E é também uma das iniciativas da Casa Gourmet, espaço em que as empresas Arno e Tefal oferecem cursos gratuitos de gastronomia, etiqueta e artesanato ao consumidor", explica Angela Willers, coordenadora da Casa Gourmet no Rio.

No Leme, porém, a padaria tem características um tanto diferentes. Lá, o público-alvo não é apenas a turma do asfalto acima dos 60 anos, mas também, e principalmente, o pessoal das comunidades da Babilônia e Chapéu Mangueira. E o curso, que pela capacidade da cozinha se limita a oito alunos, se instalou ali por iniciativa da associação de moradores do bairro.

"Fiquei conhecendo o projeto num programa de televisão. Achei bacana e tratei de entrar em contato, pedindo uma escola daquelas aqui para o Leme. Um mês mais tarde, no começo desse ano, estávamos dando início às aulas na sede da associação de moradores (Amaleme), na subida para a comunidade do Chapéu Mangueira", conta Iracy Falcão, presidente da associação.

Como as instalações na sede da associação não eram muito adequadas, há três meses, o curso se mudou para a escola São Domingos, cedida pela igreja Nossa Senhora do Rosário. "A Casa Gourmet equipou o espaço com forno elétrico, batedeira e liquidificador, e nos envia a professora, enquanto empresas doam uma parte do material usado, como farinha de trigo e leite. Mas o pessoal do Leme também se mobilizou. Uma moradora doou um microondas, outra deu um fogão, um terceiro deu a geladeira", explica Iracy.

Doce de Casca de Banana
Às sextas-feiras, os alunos e a professora Maria José Ferreira dos Santos se reúnem em aulas das 14h às 18h. "Os pães produzidos aqui são degustados na aula e o que sobra é vendido na feirinha de artesanato que a igreja promove aos domingos. A renda é revertida para a compra de material do curso", explica.

Cumprindo estágio na Casa Gourmet, Vera Goulart, que aos 57 anos está no 4 º período de Gastronomia da Universidade Estácio de Sá, tem adorado a experiência de auxiliar Maria José nas aulas. "Viemos somente para dar um curso de padaria, mas passamos a ensinar também o reaproveitamento de sobras de alimentos. O que amplia a possibilidade de um futuro retorno financeiro", diz.

Mesmo morando na Barra da Tijuca (Zona Oeste), ela bem que gostaria de continuar com este trabalho social. Seja no Leme ou em qualquer comunidade a que seja convidada a dar aulas, depois que terminar o estágio.

O reaproveitamento de alimentos costuma mesmo despertar o maior interesse na turma. "A casca de banana, por exemplo, dá um doce que ninguém diz que é feito de casca. Fica uma bananada ótima. O de abacaxi com casca é a mesma coisa. Basta passar tudo no liquidificador, que a polpa dá até para fazer docinho de festa. As empadinhas recheadas com talo de espinafre também são boas", anima-se Iracy.

Mas há ainda as receitas trazidas pelos próprios alunos. A cozinheira Graça, por exemplo, já trouxe uma de doce de jiló. Ela jura que todo mundo pensa que é de figo verde. "Fica igualzinho", garante.

Com tudo o que já aprendeu, o vigia Severino Felismino dos Santos, de 34 anos, tem feito o maior sucesso no prédio em Copacabana onde trabalha. Os companheiros agora só jantam depois que ele chega. E ele não se faz de rogado. "Passo a semana toda no prédio, e os colegas ficam me esperando para fazer o jantar. Só eu cozinho porque eles adoram a minha comida. Isso é todo dia", conta.

Paraibano, Severino chegou a ser ajudante de cozinha quando desembarcou no Rio. Mas logo mudou de ramo e agora quem aproveita seus conhecimentos na cozinha são os colegas e a família que mora na Baixada Fluminense.

"Fim de semana, minha casa vira festa. Faço rabada, mocotó com feijão branco, galinha caipira, os pratos da minha terra, e também a lasanha e a coxinha que aprendi no curso. Mesmo quando não chamo, os amigos aparecem para comer", diz.

Orgulhoso de seus dotes culinários, Severino anda recebendo até pedidos. "O pessoal lá do prédio quer que eu faça um pão recheado com lingüiça calabresa e queijo minas, que aprendi aqui. Eles dizem que estão esperando ansiosos e vão até fazer fila", gaba-se.

Troca-troca de receitas
O pão de que Severino fala é uma das receitas trocadas entre os alunos. Quem a apresentou foi Iracy, que já conhece o sucesso de seu pão à italiana. "Procuro levar pratos fáceis e rápidos. E esse pão é bem simples. Até chamei de Amaleme", explica, numa referência à associação de moradores do Leme.

Graça foi outra que aprendeu ali coisas que não conhecia, como um bolo de maracujá diferente e "um pudim de fubá da Marli", colega de curso que trouxe uma receita de família. "Em vez de bolo, como é mais comum, ele fica molhadinho, como um pudim mesmo. É bem gostoso", elogia.

Esse troca-troca também termina sendo mais uma forma de enriquecer certos pratos. "Quando uma aluna faz, procura experimentar um temperinho aqui, outro lá. Se der certo, passa adiante a dica e assim a receita vai ficando cada vez melhor", explica Graça. Ela admite que é daquelas que gostam de dar um toque pessoal ao que fazem. "Altero para ficar do meu jeito", diz.

É bem verdade que nem todas as alunas tinham experiência na cozinha. Caso da massagista Beatriz Moreira, de 54 anos, que nunca soube cozinhar. Moradora do Leme, ela resolveu frequentar as aulas da Padaria do Vovô exatamente para aprender o básico.

"Assisto aulas há dois meses e estou adorando. Ainda não posso dizer que cozinho. Tenho feito as receitas somente aqui. Mas o curso tem sido bem útil. É principalmente um incentivo para aprender, aberto a qualquer pessoa, do morro ou da rua, sem distinção. É uma oportunidade para muita gente. Acho que só falta maior divulgação", resume Beatriz.

CLÁUDIO PEREIRA
do site Setor3

 
 
 

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