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05/11/2007

Tamanho é documento na parte pobre da Zona Leste

Até o fim do ano, o banco Itaú inaugura a sua segunda agência na avenida Marechal Tito, uma das mais movimentadas do bairro de São Miguel, na Zona Leste de São Paulo. Mais adiante, em Lajeado, na divisa com o município de Ferraz de Vasconcelos, também será aberta outra agência dentro de dois meses, mesmo prazo para o posto na Vila Rica, em Aricanduva, entrar em funcionamento.

Com essas três agências, o banco somará seis novos postos na Zona Leste este ano (os outros estão na Penha e em Sapopemba). Nada demais, considerando o ritmo de expansão de um dos maiores bancos privados do país. O que chama a atenção é o fato de o Itaú, fundado em São Paulo em 1943, estrear na periferia da Zona Leste paulistana, em locais que antes nunca tinham visto a sua bandeira. De 2004 para cá, o número de agências na região cresceu 52,5%, somando 61.

O Itaú não é exceção. Cresce o número de empresas que se dedica a desbravar os bairros mais pobres da Zona Leste da capital paulista, onde a renda per capita média é inferior a R$ 690 ao mês - a média da cidade é de R$ 1.016.

Klabin Segall, Sonda Supermercados, Drogaria São Paulo, Dicico, Ikesaki e Lojas Marisa são algumas das companhias que desembarcam em bairros como São Miguel, Itaim Paulista, Guaianazes, Jardim Iguatemi, São Mateus e Ponte Rasa. Outras grandes varejistas, a exemplo de Extra, C&A, Casas Bahia e Pernambucanas, aproveitam a inauguração no próximo dia 7 do Shopping Metrô Itaquera, o primeiro do bairro, para expandir seu espaço na Zona Leste. Ao todo, 200 lojas devem começar suas operações no shopping, administrado pela Ancar, que investiu R$ 180 milhões e espera faturar R$ 500 milhões no primeiro ano.

O maior poder de compra da população é o que vem atraindo as grandes empresas. Segundo o IBGE, o aumento do salário mínimo de quase 70% nos últimos onze anos, já descontada a variação do IPCA, favoreceu especialmente os consumidores de baixa renda. Em São Paulo, a maior parte deles se encontra na Zona Leste - das 10 subprefeituras da cidade com menor renda per capita, seis pertencem a esta região.

O que contribui para que este contingente de consumidores de baixo poder aquisitivo ganhe relevância nos planos do setor privado é o seu tamanho: a Zona Leste concentra 37% da população paulistana, ou seja, quatro em cada 10 pessoas da cidade moram lá.

Klabin Segall, Sonda Supermercados, Drogaria São Paulo, Dicico, Ikesaki e Lojas Marisa investem no novo pólo de consumo

"Esta região da cidade também é a mais bem atendida pelo metrô, o que faz com que os usuários do transporte público transitem mais entre as diversas regiões e estejam expostos às diferentes marcas", diz Renato Meirelles, sócio-diretor da empresa de pesquisas Data Popular, especializada no consumo das classes C, D e E. "Se o seu bairro oferece o que antes ele só conseguia comprar no centro, é natural que este consumidor privilegie o comércio da sua vizinhança."

A rede de supermercados Sonda, dona de 13 lojas na Grande São Paulo, mostra que quer ocupar este espaço. Em 2008 abre o seu quinto ponto-de-venda na Zona Leste, na avenida Rio das Pedras, no Jardim Aricanduva, com investimento de R$ 25 milhões. A empresa já concorre com o pequeno varejo nos bairros da Vila Prudente, Itaim Paulista, Tatuapé e Penha, onde já tem lojas. "Interessa competir em mercados que não estejam tão saturados quanto as zonas centrais, onde a briga é intensa", diz Roberto Moreno, diretor financeiro do Sonda.

A loja da rede no Tatuapé, segundo Moreno, registrou em setembro um aumento real da receita de 10,8% em comparação ao mesmo mês do ano anterior, acima da média do setor, de 6,4%. "É uma prova de que, se os moradores tiverem boas opções de compras perto de casa, não vão se contentar com o mercadinho da esquina, muito menos se deslocar quilômetros até um hipermercado", afirma. Mesmo porque, diz Moreno, o consumidor da Zona Leste está cada vez mais exigente: quer lojas com ar condicionado, forro de gesso e piso de granito. Além disso, o Sonda vem procurando adequar o mix da região ao gosto dos clientes. "São muitos os churrasqueiros de fim de semana, que compram picanha e filé mignon", lembra Moreno.

A expansão de grandes empresas na periferia promete uma boa disputa com os pequenos comerciantes locais. Meirelles, da Data Popular, lembra que os empreendedores da Zona Leste cresceram investindo na base da pirâmide e não se interessam em deixar a região, onde formam uma nova classe de emergentes. "Eles têm bolso de classe A e cabeça de classe C", diz Meirelles. "Aprenderam bem o perfil do público, sabem que a maioria é formada por migrantes, filhos ou netos de migrantes, nordestinos na maioria". Nesses locais, diz, o boca-a-boca pesa mais porque as pessoas se conhecem e confiam umas nas outras.

A despeito da sua alta densidade demográfica, a Zona Leste sempre passou ao largo das metas de expansão do setor privado. Até pouco tempo atrás, os empresários da maior cidade da América do Sul só tinham olhos para o chamado "centro expandido", região que fica entre os rios Pinheiros, Tietê e Tamanduateí e que, não por acaso, concentra a melhor oferta de infra-estrutura e o mais alto nível de renda per capita de São Paulo (nesse quesito, quem lidera é o bairro de Pinheiros, na Zona Oeste, com média mensal de pouco mais de R$ 4 mil por morador).

Na Zona Leste, o setor privado só se interessava em abrir franquias, lojas próprias ou agências nos bairros mais próximos do centro, como Mooca, Tatuapé, Penha e Aricanduva, que têm as melhores rendas per capita da região. Mas, o desprezo pela parte mais pobre da Zona Leste parece ser coisa do passado. "O leste e o sul da cidade crescem três pontos percentuais acima da média da capital", diz Geraldo Monteiro, diretor da rede Extra na Grande São Paulo. Na Zona Leste, o Extra começou a oferecer produtos de maior valor agregado, como TVs de plasma e LCD.
Assim como o concorrente Sonda, a rede vem registrando na região forte demanda por produtos perecíveis, como carne, aves e refrigerados. "O aumento gradativo da renda e a participação dos moradores em programas sociais do governo respondem pelo consumo maior", diz Monteiro, que aponta o novo shopping de Itaquera como reflexo desse aquecimento. Para 2008, estão previstas pelos menos mais duas lojas do Extra na região.

Especialista no consumo da classe C, a Casas Bahia atesta o poder de compra da Zona Leste, onde estão quase um terço das 90 lojas da varejista na capital paulista. "Depois da loja do centro de São Paulo (no prédio do antigo Mappin, na Praça Ramos), as que mais vendem são as duas unidades do Shopping Aricanduva", diz Michael Klein, diretor executivo da rede, que não perde uma inauguração de shopping - há novas lojas da Casas Bahia no Boulevard Tatuapé e no futuro Shopping Itaquera. Klein é cético, no entanto, quanto ao aumento do poder de compra vinculado a programas assistenciais. "Não abrimos loja na região por causa do Bolsa-Família, mas pelo tamanho da população", diz ele, sem esquecer outras duas qualidades desse público, essenciais para qualquer varejista. "São trabalhadores e pagam em dia".

Daniele Madureira e Tainã Bispo
O Valor Econômico.