HOME | COLUNAS | SÓ SÃO PAULO | COMUNIDADE | CIDADÃO JORNALISTA | QUEM SOMOS
 
 


Trecho do livro Linha de Frente

Primeiros passos

Conheci o serviço de telemarketing como profissão, há oito anos. Em 1999 eu estava com 18 anos - essa é a receita: ser jovem e sem experiência no setor, pois assim fica
mais fácil para que a empresa preencha sua mente com a chamada cultura corporativa, sendo moldada de forma que considere mais rentável. Não possuía a menor noção de qual atividade prestaria nem o traje ao qual deveria usar. Enfim, coloquei a roupa adequada e o sapato emprestado do meu irmão - que me conseguira essa dinâmica -, pois trabalhava nessa mesma empresa, localizada no
Centro Empresarial de São Paulo. A Socióloga e Professora da Unicamp Selma Venco afirma que:

“A concentração de funcionários no callcenter ocorre na faixa etária entre 18 e 25 anos (a idade do primeiro emprego), e esta preferência decorre justamente da inexperiência profissional. Por não terem a vivência de mercado e desconhecerem as leis trabalhistas, os jovens se tornam presas fáceis para pressões psicológicas. Em caso de baixa produtividade, por exemplo, utiliza-se uma interpretação duvidosa da lei para forçar o profissional a pedir demissão e, assim, perder seus benefícios. Por outro lado, o início da carreira é um bom momento para formar o trabalhador
conforme a dinâmica da empresa. Os mais experientes possuem vícios e malícias que podem atrapalhar”.


A primeira dinâmica que realizei para exercer a função de operador de telemarketing foi concorrida com aproximadamente 25 pessoas. Não foi muito extensa e havia 10 vagas. O processo restringiu-se a algumas perguntas sobre temas da atualidade (para avaliarem nosso ponto de vista), além de atividades em grupo. Recebi algumas dicas do meu irmão sobre como deveria responder à dinâmica. Não posso afirmar se este auxílio foi fundamental ou se o fato da minha inexperiência na função e juventude fez com que eu conseguisse a vaga.

Antes de iniciar o atendimento na linha passamos por um treinamento de 30 dias (eu e os outros aprovados). Fazíamos simulações de atendimento para conhecer o sistema no qual iríamos trabalhar. Além disso, recebemos apostilas com orientações dos scripts e informações do produto e serviço que precisávamos conhecer. Nesse caso, tratava-se do atendimento receptivo aos clientes que possuíam cartão de crédito de um dos maiores supermercados atacadistas do mundo. Como era muito jovem e não tinha malícia, não percebi - depois de seis meses no atendimento – que outros operadores recém-contratados estavam “visitando” a central de atendimento e realizando escutas com o objetivo de conhecer a função na qual iriam exercer. A empresa em que eu trabalhava havia perdido a concorrência da administração desse cartão para outra empresa de callcenter e os novos operadores precisavam aprender como era feito o atendimento. Passei todas as instruções, ensinei as telas e as dúvidas mais freqüentes, preparando-os - sem que eu soubesse - para o exercício do atendimento que eu fazia.

No início, só conseguia enxergar aquele ambiente como um lugar para se fazer novos amigos e aprender outras maneiras de ser feliz. Porém, o meio corporativo, particularmente da central de atendimento, me mostrou aos poucos que fazer brincadeiras no ambiente de trabalho ou esboçar alguma ação que não fosse pertinente ao trabalho não era visto com bons olhos pelos supervisores e por todos outros que estavam ali para administrar o callcenter. Por quê? Atrapalhava a produtividade. Esses administradores, responsáveis pelo controle na central de atendimento (que não foram pagos para fazer brincadeiras), precisam ter foco no trabalho, por isso exigem dos operadores o mesmo nível de atenção, - conceito que remete aos ideais concebidos por Taylor, por meio de um novo modelo produtivo
que impulsionou a lucratividade nas grandes fábricas do século XVIII.

Segundo Rago e Moreira:

“Taylor7 estabelece que o operário não deve gerir tarefas e sim executá-las e aplica uma relação de obediência ao gerente (patrão, que fica responsável por todo processo criativo). Esta proposta hierárquica tem a finalidade de ganhar tempo no ambiente produtivo.Trata-se de um método que consistia em racionalizar a produção, ou seja, de possibilitar o aumento da produtividade do trabalho, economizando tempo, suprimindo gestos desnecessários e comportamentos supérfluos no interior do processo produtivo”.

Capítulo 1 do livro Linha de Frente, escrito por Júnior Barreto