Há
pouco mais de um século, quando a escravidão
negra era um regime de trabalho vigente no Brasil, os quilombos
eram um símbolo de resistência. Fundados por
escravos fugitivos, esses povoamentos, que podiam ser simples
ou complexos, como o Quilombo dos Palmares, eram um refúgio
para quem desejava ter de volta a sonhada liberdade. O tempo
passou, a escravidão foi abolida e muitas dessas comunidades
continuam existindo. O isolamento, que antes garantia a liberdade,
agora é uma das causas dos péssimos indicadores
sociais apresentados por essas populações. A
luta dos quilombolas - habitantes de quilombos e seus descendentes
- não é mais pela liberdade. É pela cidadania.
Segundo informações da Secretaria Especial
de Políticas de Promoção da Igualdade
Racial (Seppir), o número de comunidades quilombolas
gira em torno de 1.880, sendo que podem existir outras ainda
não mapeadas. Mais da metade, 58%, está localizada
na região Nordeste. Só no Maranhão já
foram mapeadas 473. “O isolamento foi responsável
pela falta de infra-estrutura e serviços, que é
um problema para muitas dessas comunidades, como ausência
de escolas, postos de saúde, estradas, pontes, saneamento
básico, moradia digna, correios, telefonia etc”,
admite Olanise Santos, assessora técnica da Subsecretaria
de Políticas para Comunidades Tradicionais da Seppir.
A atenção aos quilombolas é um dos principais
pontos da Política Nacional de Promoção
da Igualdade Racial, instituída pelo decreto presidencial
4.886, de 20 de novembro de 2003. Para atendê-los, foi
criado o programa Brasil Quilombola, coordenado pela Seppir
e formado por diversos outros órgãos do governo
federal, como os ministérios do Desenvolvimento Agrário
e do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Seu objetivo
é melhorar as condições de vida e de
organização dessas localidades, concedendo,
inclusive, o título de posse da terra a seus habitantes,
um direito estabelecido na Constituição de 1988.
Ações para melhorar a vida dessas populações
servem não apenas para garantir direitos básicos
a cidadãos brasileiros, mas também para preservar
a cultura nacional. “Por terem ficado muito tempo isoladas,
essas comunidades ainda mantêm diversas tradições
ancestrais, como religião, danças e culinária.
Os quilombos foram focos de resistência da população
negra e, como tal, merecem toda a atenção por
fazerem parte não só da cultura negra, mas da
cultura brasileira como um todo”, lembra Olanise.
Geração de renda e educação para
o desenvolvimento sustentável
Uma das ações do Brasil Quilombola é
o Projeto de Desenvolvimento Sustentável, para elaborar
ações de desenvolvimento a partir das características
territoriais e culturais de cada uma das comunidades, explorando
setores como turismo, agricultura e extrativismo. No local
remanescente do quilombo Campinho da Independência,
no município fluminense de Paraty, por exemplo, será
estimulado o turismo histórico. Já em Eldorado,
São Paulo, a comunidade de Ivaporunduva receberá
unidades de beneficiamento da banana.
No fim de março, foi realizada a primeira etapa do
projeto, a Oficina de Sensibilização e Capacitação
para Elaboração de Projetos. Estiveram reunidos
membros da Subsecretaria de Políticas para Comunidades
Tradicionais, representantes de entidades que já desenvolvem
trabalhos nesses locais e lideranças quilombolas de
todo o país. Junto a profissionais de órgãos
governamentais e de agências internacionais de desenvolvimento,
eles trocaram informações acerca do conceito
de desenvolvimento sustentável e da identificação
do cenário atual.
Os participantes dessa oficina levarão a experiência
para três encontros regionais, a partir dos quais as
ações de desenvolvimento sustentável
serão efetivamente elaboradas e apresentadas aos órgãos
financiadores, como Banco Mundial, Banco do Brasil, Petrobras
e Eletrobrás. O Projeto de Desenvolvimento Sustentável
vai atender, inicialmente, a 57 comunidades.
A Fundação Banco do Brasil também está
na luta para garantir os direitos dos quilombolas. No norte
de Minas Gerais, os cerca de sete mil remanescentes do quilombo
de Gurutuba, espalhados pelos municípios de Janaúba,
Porteirinha, Pai Pedro, Monte Azul, Catuti, Gameleira e Jaíba,
receberão, primeiramente, ajuda para garantir a captação
e distribuição de água potável.
“A situação na comunidade é grave.
Os indicadores sociais revelam uma fragilidade muito grande”,
diz o diretor-executivo da Fundação, Almir Paraca.
Será implementado, ainda, um projeto-piloto de alfabetização
no local, seguindo os moldes consagrados do BB Educar, mas
levando em conta as especificidades da população.
“Queremos promover uma articulação de
entidades governamentais e não-governamentais para
uma intervenção conjunta no local”, adianta
Paraca, que calcula em R$ 380 mil os recursos a serem aplicados
pela Fundação em Gurutuba. Segundo ele, há
diálogos com a Seppir para definir um calendário
de ações e estabelecer áreas prioritárias
no atendimento aos quilombolas. O foco será a geração
de renda e a mobilização comunitária.
A Fundação participa, ainda, do Projeto de
Etnodesenvolvimento Econômico Solidário das Comunidades
Quilombolas, a cargo da Secretaria de Economia Solidária
do Ministério do Trabalho. Agentes treinados pela Fundação
Universitária de Brasília e a Fundação
Banco do Brasil identificam potenciais econômicos e
necessidades técnicas dos povoados e incentivam seus
habitantes a adotarem práticas de organização
coletiva. O projeto atinge 206 comunidades em 62 municípios
de 24 estados, beneficiando aproximadamente 75 mil pessoas.
Também participam a Seppir, os ministérios do
Desenvolvimento Agrário e do Desenvolvimento Social,
a Fundação Cultural Palmares e a Fundação
Nacional da Saúde.
IVAN KASAHARA
do site da Fundação Banco do Brasil
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