Ausência de crédito desafia o crescimento de empresas sociais brasileiras
CÁSSIO AOQUI
DA FOLHA DE S.PAULO, EM MIAMI
Se os micro e os pequenos empresários brasileiros tradicionais se deparam frequentemente com diversas dificuldades para obter crédito e financiar suas atividades, a situação é ainda mais complicada para os líderes de empresas sociais que atuam no país.
Com a maior taxa de juros do mundo, fixada atualmente em 9%, e um "spread" bancário que varia de 35% a 50%, conseguir financiamento torna-se uma missão quase impossível no Brasil, sobretudo para um empresário da área social, que tem de convencer o credor da potencialidade de seu negócio.
"Culturalmente, obter recursos financeiros é um desafio imenso para essas entidades", afirma Leonardo Letelier, CEO da sitawi, organização sem fins lucrativos que realiza empréstimos a organizações sociais, atualmente com juros de 1% ao mês, além de oferecer consultoria de apoio no processo de tomada de decisões. Parceira do Prêmio Empreendedor Social, a sitawi visa com isso desenvolver a infraestrutura financeira para o setor social no Brasil.
Na avaliação de Kelly Michel, fundadora da Artemisia Brasil, parceira do Prêmio Empreendedor Social de Futuro, há muito pouco apoio para esse tipo de iniciativa. "Existe capital de risco para empresas sociais desde que não haja risco envolvido", ironiza.
Ciente das dificuldades enfrentadas pelos negócios sociais, em 2009, Kelly, que é norte-americana e mora no Brasil há 12 anos, juntou-se a dois sócios para criar a Vox Capital, um fundo de capital de risco brasileiro que investe em pequenas companhias ("start-ups") ligadas a comunidades de baixa renda, de forma a contribuir para a redução da pobreza.
"Há três ou quatro anos, as pessoas ficavam irritadas com a possibilidade de combinar dinheiro e impacto social", analisa Kelly, que, ao lado de Letelier, participou do painel "Experiências em Investimento de Impacto no Brasil", no SVC/SE (Social Venture Capital/Social Enterprise), conferência sobre empresas sociais que acontece até amanhã em Miami, nos Estados Unidos.
Ela aponta, contudo, um cenário mais promissor atualmente. "Hoje há mais investidores e organizações como escritórios de advocacia que dão o suporte legal ao processo. Vejo muitas oportunidades de investimento. Embora ainda não consiga mencionar 50 empresas sociais bem-sucedidas, estou convencida de que a curva de crescimento desse modelo de negócios crescerá muito rapidamente."
Mercado gigantesco
Tanto Letelier como Kelly são dois jovens empreendedores sociais que tentam estimular no país uma ferramenta de investimento na área social já bastante comum em outros países. De acordo com Lauren Russell Geskos, gerente sênior da consultoria norte-americana Rockfeller Philanthropy Advisors, só nos Estados Unidos existem atualmente US$ 2,71 trilhões voltados a investimentos de impacto -também conhecidos como investimentos sustentáveis, socialmente responsáveis ou para o "triple bottom-line".
"Há dois tipos principais de investidor que fomentam esses fundos: o investidor de impacto, que busca o impacto social antes de tudo, e o investidor financeiro, que prioriza o retorno financeiro de preferência com benefícios sociais", aponta Geskos, que moderou o painel "Soluções para Investimento de Impacto", ontem à tarde.
Para Christine Eibs Singer, fundadora e CEO da E+Co, cuja missão é criar empresas na área de energia limpa a fim de aliviar a pobreza e proteger o planeta, "os canais de distribuição de recursos financeiros existem; o que falta aos empreendedores sociais é tomar conhecimento deles e de como convencê-los a financiar seus projetos".
"É preciso que o negócio social seja atrativo aos outros investidores, pois, se não der retorno sobre o investimento, não crescerá", destaca.
Peter Tropper, diretor global de investimentos de pequenas e médias empresas da IFC, concorda. "Buscamos intermediários locais, para obter sucesso em nossos investimentos. São eles que entendem a cultura e o ambiente de negócios e podem indicar onde estão os melhores investimentos na área social", diz Tropper, cuja empresa gere US$ 2,5 bilhões em mais de 150 fundos de participação em empresas em mercados emergentes.