Para Tião Rocha, Empreendedor Social 2007 e participante do Fórum Econômico no Rio, é preciso criar o setor zero, que é comandado pela ética

CÁSSIO AOQUI
PATRÍCIA TRUDES DA VEIGA
DA FOLHA DE S.PAULO, NO RIO

Há tempos o educador mineiro Tião Rocha, líder do CPCD (Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento), vem tentando criar o setor zero para tentar solucionar os problemas da exclusão social. Mas foi no Fórum Econômico do México, no ano passado, que ele lançou a campanha no You Tube para discutir o tema. Em um só dia, foram mais de 10 mil acessos para o que ele próprio chama de grande "provocação" para que a população opinasse sobre o programa 5.0: fome zero, analfabetismo zero, degradação ambiental zero, violência contra a criança e a mulher zero e corrupção zero.

Em entrevista exclusiva para Folha de S.Paulo no fórum do Rio, que terminou ontem (16/4), ele repetiu o apelo para afirmar que as mazelas sociais não são uma questão de governo, sociedade ou mercado, mas de ética. E emendou: "É preciso acabar com políticas baseadas no IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] e aplicar o IPDH [Índice de Potencial de Desenvolvimento Humano]".

O irreverente Tião Rocha, Empreendedor Social 2007, é educador, antropólogo, escritor e mentor do CPCD (Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento), uma organização que promove educação popular e desenvolvimento comunitário com uso de brincadeiras, bibliotecas ambulantes, teatro e música.

Criado em 1984, o CPCD já criou e adaptou mais de 2.000 tecnologias a partir do saber popular para uso em escolas e comunidades de baixa renda. Com a pedagogia da roda e projetos como o Bornal de Jogos (que utiliza 150 jogos para o ensino de matemática, português e outras disciplinas na rede pública) e o Fabriquetas (desenvolvimento de produtos com participação da comunidade), o instituto está presente em sete Estados brasileiros (Minas Gerais, Bahia, Maranhão, São Paulo, Espírito Santo, Pará e Amapá) e na África (Moçambique e Guiné-Bissau).

Confira a entrevista na íntegra.

FOLHA - Como a crise econômica mundial impactou o CPCD?

ROCHA - A crise econômica é permanente. Nunca estamos confortáveis. Estamos sempre lutando, correndo atrás.

FOLHA - Mas você sentiu retração nos patrocínios, doações ou repasse de recursos?

ROCHA - Sim, as grandes, como Vale e Petrobras, cortaram logo no cultural e no social. Há uma perda sim.

FOLHA - Dá para estimar as perdas?

ROCHA - Não. No caso da Petrobras, o que eles fizeram foi retardar os repasses, por falta de dinheiro em caixa, fazer aditivos, para prolongar o tempo.

FOLHA - E quais as consequências para os beneficiários?

ROCHA - Reestruturamos, diminuímos o ritmo, mas não houve cortes. Só gerenciamos melhor os prazos, e há mais lentidão em finalizar contratos de novos projetos.

FOLHA - A crise vai depurar as ONGs e fazer com que projetos mais bem estruturados sejam priorizados pelos patrocinadores?

ROCHA - Sim, nas duas que eu citei, já foram cortados vários projetos. Os nossos, não. Eles estão sim mais seletivos.

FOLHA - A quantidade, então, vai dar espaço para a qualidade?

ROCHA - Sem dúvida.

FOLHA - Qual a receita para as ONGs passarem bem pela crise?

ROCHA - O desafio é ser autossustentável. Tenho de sustentar meu trabalho, minha prática, com os indicadores mensurados. Você ter um certificado de garantia. E você precisa ser cada dia mais profissional, ter gestão, transparência, auditoria, indicadores. Mas não pode perder o foco da causa.

FOLHA - E qual é o papel do empreendedor social em momentos de crises como esta?

ROCHA - Empreendedores criam futuros, e nós estamos precisando criar futuros. Os economistas não conseguiram, e o caos está aí. Pensar fora da caixa [fora do sistema] é o nosso papel como empreendedores sociais.

FOLHA - Você compartilha da opinião de que, mais do que uma crise financeira, estamos vivendo uma crise ética?

ROCHA - Sem dúvida. Você, por exemplo, emprestar mais do que tem é falta de caráter. Você tem de ter ética, princípios. A grande questão e é meu grande sonho é que a gente possa pensar no futuro em escala global. Não tem que ter essa divisão de primeiro, segundo e terceiro setor. Precisamos criar o setor zero, que não será comandado por nenhum governo, pela sociedade nem pelas leis do mercado. Só pela ética.
O que é e o que não é ético nos dias de hoje? Não é ético que alguém ainda passe fome. Não é ético que uma criança não tenha escola. Não é ético ter gente analfabeta. Não é ético que ainda haja desmatamento num planeta à beira da morte. Não é ética a violência. Então, temos de zerar esse déficit pela ética. Esse é o papel dos empreendedores: contagiar todos a pensar fora da caixa. A crise só vai nos levar para um lugar melhor se a gente construir uma sociedade melhor, mais justa, mais equilibrada, menos desigual.

FOLHA - E qual seria o primeiro passo?

ROCHA - Construir causas, plataformas, e mobilizar. Se hoje se coloca US$ 1 trilhão para salvar o sistema financeiro, imagina-se que esse dinheiro existia, certo? Com esse dinheiro a gente tirava todas as crianças desse país do analfabetismo. E acabava com a fome na África.

FOLHA - O que o CPCD planeja para este ano?

ROCHA - São 25 anos. Aprendemos que projetos isolados produzem resultados isolados. Então juntamos projetos e montamos programas que dessem impactos maiores. Criamos indicadores de monitoramento. E percebemos que, ou a gente caia em rede [social] mas experimentamos e não deu certo, e fomos então construir plataformas de transformação social. E essa é a nossa estratégia hoje, pensar no território, construir cidades sustentáveis.

FOLHA - Hoje o CPDC está fazendo isso onde?

ROCHA - Em Araçuaí e em Virgem da Lapa [em Minas Gerais]. E vamos começar agora em Raposos [também em Minas]. Aprendi isso em Moçambique: para educar uma criança é necessária toda uma aldeia. Então vamos convocar toda a aldeia para não perder nenhum menino.

FOLHA - E você já colheu bons resultados?

ROCHA - Mineiramente, usamos a expressão que a grande força disso é quando as pessoas da cidade ficam empoderadas, que vem de "empowerment", que nós traduzimos para empodimento, nossa capacidade de poder fazer. Temos hoje indicadores muito positivos, mesmo que em cidades de 15 mil habitantes, como Virgem da Lapa. Mas, se temos a perspectiva de que daqui a um ano teremos mais leitores do que eleitores, que o analfabetismo será zerado, basta ter a vontade que conseguimos fazer isso em cidades com 30 mil habitantes e até mais. Você precisa fazer políticas transformadoras, não compensatórias. É preciso acabar com políticas baseadas no IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] e aplicar o IPDH [Índice de Potencial de Desenvolvimento Humano]. Transformação social não se faz de fora para dentro, mas de dentro para fora.

FOLHA - E como se mede o IPDH de uma comunidade?

ROCHA - Medindo a capacidade da comunidade de acolhimento (para que ninguém fique de fora), convivência, aprendizagem e oportunidade. E daí, preservando a vida e a ética, vale tudo para gerar aprendizagem.

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