Estatais mantêm verbas de cultura no eixo Rio-SP
A exemplo do setor privado, empresas públicas priorizam projetos do Sudeste com recursos captados por Lei Rouanet
Levantamento feito com dados do MinC mostra que 75% dos projetos culturais patrocinados por estatais têm origem nessa região
LARISSA GUIMARÃES
DA FOLHA DE S.PAULO
As empresas estatais seguem o padrão do setor privado ao privilegiar o Sudeste na hora de financiar projetos com recursos da Lei Rouanet. Levantamento feito com base em dados do Ministério da Cultura mostra que 75% dos projetos patrocinados hoje por estatais vêm da região (no setor privado, é cerca de 80%).
Desde o início da discussão sobre mudanças na lei, o governo tem criticado a concentração de recursos e o comportamento das empresas, que patrocinam prioritariamente grandes projetos do eixo Rio-São Paulo.
De cerca de R$ 902 milhões captados pela lei Rouanet, aproximadamente R$ 227,5 milhões partiram de seis estatais (Petrobras, Banco do Brasil, Eletrobrás, Caixa Econômica Federal, Correios e BNDES).
O debate sobre a concentração de recursos em São Paulo e no Rio cresceu desde o início do ano, com a discussão sobre a proposta de alteração das regras da Lei Rouanet. O projeto de lei da nova Rouanet esteve em consulta pública até o dia 6 de maio (www.cultura.gov.br). Com a proposta, o Ministério da Cultura quer reduzir a autonomia das empresas na distribuição de recursos provenientes de renúncia fiscal. Em linhas gerais, os setores identificados com o governo anterior são contra, enquanto simpatizantes da gestão Lula apóiam.
Ranking das regiões
Pelo levantamento, o Nordeste ficou com pouco mais de 10% da fatia dada pelo mecenato estatal, seguido pela região Sul (7%). O Centro-Oeste teve menos de 5%, e o Norte representou somente 1% do total de projetos patrocinados por empresas públicas (veja quadro nesta página).
De acordo com os dados do MinC, de seis estatais que patrocinaram projetos culturais pela Lei Rouanet, apenas três destinaram recursos para o Norte -Petrobras, Eletrobrás e BNDES. No caso da Petrobras, maior incentivadora pela Lei Rouanet, de R$ 149 milhões destinados a patrocínio, cerca de 76% financiou projetos do Sudeste. A estatal que mais financiou projetos do Sudeste, proporcionalmente, foi o Banco do Brasil (com aproximadamente 90%).
Parte das estatais alega que a maioria dos projetos que pedem patrocínio são da região Sudeste. O Banco do Brasil, por exemplo, afirma que historicamente cerca de 80% dos proponentes têm origem no Sudeste.
Outras empresas públicas argumentam que promovem palestras e workshops para orientar produtores culturais fora do eixo Rio-São Paulo a inscreverem projetos. A Petrobras faz a Caravana Petrobras Cultural para, segundo a empresa, "estimular a inscrição de projetos bem formulados e que contemplem a cultura brasileira em toda a sua diversidade".
"Abismo social"
À Folha de S.Paulo, o ministro da Cultura, Juca Ferreira, disse que a concentração de recursos na região Sudeste é resultado da falta de critérios na Rouanet.
"[A Rouanet] não tem nenhum mecanismo de busca de equidade, de distribuição justa, então permite que as empresas, incluindo as públicas, concentrem [recursos] nos Estados e nos segmentos sociais que contam como consumidores, que contam como formadores de opinião, aprofundando o abismo social do Brasil", comentou Ferreira.
O ministro diz que é preciso inverter essa equação. "Queremos critérios públicos, para políticas públicas, para recursos públicos."
Instituições argumentam que maior parte das propostas vem do Sudeste
Parte das empresas públicas que financiam a cultura no país pela Lei Rouanet diz que a maioria das propostas de patrocínio parte do Sudeste -que é a região mais desenvolvida e mais rica do país, com mercados culturais mais fortes. A Eletrobrás afirma que o número de projetos da região "é muito maior do que o de todas as outras em conjunto".
Os Correios argumentam na mesma linha. Para a estatal, a concentração decorre de vários fatores, como maior concentração do PIB na região.
"Em São Paulo, Minas Gerais e no Rio, há maior profissionalização, ou seja, os proponentes se mostram mais capacitados para lidar com produção cultural nos moldes exigidos pela Rouanet e pelo mercado."
A estatal diz que tem procurado descentralizar recursos por meio de seleções públicas.
Em estratégia parecida, a Petrobras afirma que criou, em 2003, o programa Petrobras Cultural para democratizar o acesso ao patrocínio.
O Banco do Brasil informou que os investimentos em cultura, por meio da Rouanet, são direcionados para os três centros culturais -em São Paulo, Brasília e no Rio- e para suas itinerâncias. "Em 2008, o BB realizou cem eventos sem o uso da Lei Rouanet, nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste."
Também foram organizados workshops em todo o país para orientar artistas e produtores.
Patrimônio histórico
A Caixa diz que a Lei Rouanet é usada, prioritariamente, no programa Caixa de Revitalização do Patrimônio Histórico e Cultural.
Na seleção de 2008, de acordo com a Caixa, foram aprovados projetos do Norte (Pará), Nordeste (Ceará), Sul (Rio Grande do Sul) e Sudeste (Minas Gerais e Rio de Janeiro).
O BNDES disse que usa a Lei Rouanet para financiar projetos de patrimônio histórico. Em 2008, cerca de 45% dos recursos foram destinados para o Nordeste, segundo o banco.