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Um novo projeto social - 03.jul.97 (Neoliberalismo)

Por mais que os conservadores tentem esconder o sol com a peneira, as vitórias dos trabalhistas no Reino Unido e dos socialistas na França prenunciam uma reviravolta política da maior importância, tanto na União Européia quanto no resto do mundo.

Finalmente o eleitorado europeu se deu conta de que o neoliberalismo pode ser bom para os banqueiros ou para engordar o lucro das empresas, mas decididamente é incapaz de resolver o problema do desemprego, de sustentar um desenvolvimento vigoroso e menos ainda de resolver os problemas sociais.

Dos quatro grandes países da Europa (Alemanha, França, Itália e Reino Unido), somente a Alemanha ainda reluta em descartar essa doutrina, que espalhou tanto desemprego e fez um grande estrago nos avançados sistemas de proteção social europeus.

O trabalhista Tony Blair venceu as eleições, a despeito do bom desempenho econômico que o governo conservador vinha promovendo nos últimos quatro anos no Reino Unido, porque tem uma proposta de recuperação dos serviços sociais ingleses, que os conservadores fizeram deteriorar-se.

Para quem quer enxergar, o recado das urnas tem sido muito claro. O Estado não pode cuidar simplesmente da eficiência empresarial, do lucro das empresas ou da saúde dos banqueiros, mas deve conciliá-los com crescimento e bem-estar social.

Essa revalorização do social não representa uma volta ao passado, mas sim a recuperação dos princípios da solidariedade e da justiça social num mundo globalizado, que exige eficiência, dinamismo e competitividade dos membros dessa aldeia global.

Nesse sentido, surge no cenário mundial um novo projeto, capaz de vencer a timidez dos governos conservadores e voltar-se para um verdadeiro crescimento econômico, harmonizado com a estabilidade da moeda, a criação de empregos e a preocupação social.

Os governos Prodi, na Itália, Blair, no Reino Unido, e Jospin, na França, ganharam as eleições porque mostraram ao eleitorado que dispõem dos meios para fazer governos muito mais eficientes do que os conservadores.

Isso significa, por exemplo, fazer uma reforma do Estado que vá muito além da simples liquidação das pratas da casa, da criação de novos tributos ou da mera desativação de serviços públicos essenciais.

É preciso criar um Estado enxuto, porém suficientemente dinâmico para promover o crescimento, e, ao mesmo tempo, que saiba contrabalançar as deficiências do mercado, que, por si só, concentra renda e reforça os privilégios das elites.

Felizmente, não é apenas na Europa que sopram ventos de renovação política. Também na América Latina o neoliberalismo já dá sinais de cansaço. Na Argentina, a popularidade de Menem vem sendo puxada para baixo sob o peso do empobrecimento da população e de um desemprego recorde, de quase 18%, enquanto no Peru o prestígio de Fujimori vem caindo, apesar de sua ação rocambolesca na Embaixada do Japão em Lima. No México, Cárdenas lidera as pesquisas.

Mesmo no Brasil se verificam crescentes sinais de descontentamento com a falta de dinamismo do governo Fernando Henrique Cardoso.

A esta altura, os cidadãos brasileiros se deram conta de que as reformas são empurradas com a barriga pelas elites conservadoras que loteiam o governo. Chama a atenção o descaso das autoridades para com o estado da saúde e dos demais serviços sociais, enquanto o país vai se arrastando num crescimento medíocre de 3% ao ano, que só agrava o problema do desemprego.

Não sabemos ao certo se Blair e os demais líderes vão cumprir as promessas de campanha. Entretanto, o importante é que as seguidas derrotas dos conservadores prenunciam que vários países já estão despertando da longa noite neoliberal.


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