Folha de S.Paulo Moda
* número 17 * ano 4 * sexta-feira, 7 de abril de 2006
Folha Online
 
Texto anterior | Índice | Próximo texto

moda / comício

A roupa do líder

Detalhes nacionais sempre foram usados como ferramenta política. Agora é a vez do boliviano Evo Morales

É tempo de eleições na América Latina. Peru, México e Brasil são apenas alguns dos países que irão às urnas nos próximos meses para decidir o nome –e o visual– de seus novos governantes. Desde que Evo Morales, vitorioso no mais recente pleito boliviano, participou de cerimônias e visitou líderes europeus vestindo uma "chompa" (blusa de lã típica da região), a roupa dos governantes latino-americanos voltou a ser assunto no noticiário internacional.

Nesta e na página 26 é possível ver como alguns de nossos líderes usaram símbolos nacionais junto à indumentária para angariar apoio popular. Como o visual é um instrumento que ajuda a conferir personalidade a algo tão abstrato e intenso como o poder, não é de se admirar que governantes –e, muitas vezes, seus marqueteiros– se preocupem bastante com detalhes de figurino. Eles podem tanto reforçar traços sobre o modo de governar de um político como imortalizar a imagem que irá perpetuar-se nos livros de história. Temos a construção de um ícone de esquerda, apoiado na imagem de Simón Bolívar, pelo venezuelano Hugo Chávez, e a maneira como Alejandro Toledo tenta identificar-se com a população indígena de seu país, usando roupas do período incaico.

Para a professora da USP Maria Lígia Coelho Prado, o fato de os presidentes se apropriarem de símbolos nacionais "guarda relação direta com o poder e com sua legitimação."A historiadora também acredita que a mesma vestimenta pode ser reinterpretada com o passar do tempo. "Fidel Castro, por exemplo, barbudo, em uniforme militar, fumando charuto nos anos 60, era o símbolo da revolução socialista na América Latina. Com o tempo e as mudanças políticas no continente, Fidel, nesse mesmo uniforme, simboliza e reafirma, hoje, apenas a nacionalidade cubana."



VESTIU A "CHOMPA" E SAIU POR AÍ

Recém-eleito, ele causou polêmica com a "chompa". Depois, foi a vez de uma jaqueta de couro um tanto vistosa. Por fim, provocou a elite de seu país ao desfilar com a "whipala", a bandeira aimara, etnia a qual pertence. Para a professora Maria Ligia, o ato representou uma disputa histórica. "Foi um gesto de afirmação étnica e cultural, mas também um desafio à elite que sempre governou a Bolívia." O Nobel de literatura José Saramago também saiu em defesa das cores de Morales. Para o escritor português, os que o criticaram demonstraram a "soberba estúpida dos povos civilizados".

E não é que, depois de tanta confusão, o líder cocaleiro deu um susto em todo mundo e compareceu à sua posse, em 22 de janeiro, usando um distinto e elegante traje formal? Sem gravata, é verdade, mas com fortes elementos da cultura do altiplano boliviano. A responsável pela transformação foi a estilista Beatriz Canedo Patiño. Nascida em La Paz, Beatriz é formada em ciências sociais e moda em Paris, mantém uma loja, a Royal Alpaca, em Manhattan (NY) e outra na capital boliviana.

Em entrevista à Folha, Beatriz explicou como transformou Morales. "Ele queria algo sem gravata e que levasse algum detalhe da cultura aimara. Tentei respeitar seus parâmetros e utilizar detalhes de tecidos de nossa cultura, tanto aimara quanto quéchua. Há 20 anos, trabalho com tecidos de alpaca e llama, sou pioneira nisso. Os desenhos foram confeccionados com lã de animais do altiplano boliviano, como a vicunha e a alpaca. Ficou ao gosto do presidente, que é um homem simples e genuíno."



BOLIVARIANO E VERMELHO

A figura mais controvertida da política latino-americana é hoje, sem dúvida, o presidente venezuelano Hugo Chávez. Sua revolução bolivariana, inspirada pelas idéias de libertação e união da América Latina formuladas por Simon Bolívar no século 19, é vermelha, populista e espalhafatosa. Aqui, Chávez fala em público usando uma das camisas com sua cor preferida. Pela pose e afinação política, parece querer representar para o continente o que Fidel Castro e sua farda encarnaram no século 20.



RETRATO DO VELHO

"Bota o retrato do velho outra vez/ Bota no mesmo lugar/ O sorriso do velhinho faz a gente trabalhar", cantava a marchinha campeã do Carnaval de 1951, "Retrato do Velho". De ditador a presidente eleito, Getúlio Vargas consolidou uma imagem pública ligada ao desenvolvimento e ao futuro do país; mas, pessoalmente, à austeridade do Palácio do Catete, no Rio, Getúlio preferia cultivar a nostalgia pelo ambiente gaúcho de origem e o conforto das bombachas.





OPOSTOS CHILENOS

Um tentou implementar o socialismo no Chile. O outro massacrou essa iniciativa e, em seu lugar, fundou uma sangrenta ditadura. Mas, no que diz respeito ao look sóbrio, não é que ambos até combinavam? Salvador Allende, que aqui aparece num de seus enfáticos discursos, costumava aparecer em público trajando blusas escuras e de gola olímpica. Já o general Augusto Pinochet, seja de farda ou paletó, até hoje vem à público impecável, como na foto acima, com luvas e capa compondo o uniforme militar, enquanto vistoria uma tropa de botas reluzentes.



PASSADO INCA

O atual presidente do Peru, Alejandro Toledo, fez questão de reforçar sua origem indígena durante a campanha eleitoral. Aqui, ele aparece usando o "varayoc", um símbolo de poder dos incas, que viviam na região quando os europeus chegaram.

por Sylvia Colombo/Editora do Folhateen

Texto anterior | Índice | Próximo texto
 

Copyright Folha de S. Paulo. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress (pesquisa@folhapress.com.br).