Folha de S.Paulo Moda
* número 19 * ano 5 * terça-feira, 31 de outubro de 2006
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moda / nas ruas

Vista essa canção

Estilistas e novas bandas remodelam o bem-sucedido namoro entre moda e música

por Vivian Whiteman


Em Nova York, ao fundo, da esq. para a dir., Carolina Parra, Ana Rezende, Ira Trevisan e Adriano Cintra; à frente Luiza Sá (à esq.) e Lovefoxxx

Agradecimentos: Carol, Gina,
Humberto e Olivia (Opening
Ceremony) e Scott (Visionaire)

Nos anos 50, o mundo descobriu o rock com o rebolado de Elvis Presley. Desejado pelas meninas, admirado pelos garotos, todos queriam ter um pouco do "rei"_ copiavam seu topete, sua postura cool e, claro, suas roupas. Começava ali o namoro da moda com a música pop, que mais de meio século depois continua firme e forte.

Os motivos de tanto entrosamento são, basicamente, a capacidade da música de funcionar como antena dos desejos da juventude (o que é essencial especialmente para a renovação do streetwear) e o poder do furor consumista que costuma ser despertado por cantores e bandas hype.

O eterno reinado de Madonna como ícone fashion, o revival do visual mod capitaneado por Hedi Slimane na Dior Homme e as constantes coleções inspiradas em movimentos musicais, como o disco-punk mostrado pela D&G nesta temporada, são exemplos contempor‚neos desse casamento. Outra iniciativa que aproveita a fórmula de sucesso é o Fashion Rocks, evento que reúne artistas e estilistas top numa espécie de show de abertura da Semana de Moda de Nova York e que, neste ano, ganhou uma revista própria.

No Brasil, cresce o número de grifes interessadas no potencial dessa dobradinha criativa. "A música traduz simbolicamente códigos que a moda trata de panfletar e comunicar. às vezes, fica até difícil de discernir onde começa uma e onde termina a outra", diz a estilista Karlla Girotto, que, ao lado de Alexandre Herchcovitch e Fábia Bercsek, está entre os designers mais ligados aos desejos vindos do circuito musical.

"Todas as minhas coleções começam e terminam com música, da inspiração inicial à trilha do desfile. É como se o som se transfigurasse em peças de roupa", afirma Fábia, que recentemente fez uma coleção de ares folk inspirada na banda Fleetwood Mac.

Apesar de continuar de olho no passado da música, a moda também vem procurando renovar suas referências de imagem nesse universo. Deixando os revivals mais simplistas um pouco de lado, os olhares mais atentos já estão explorando uma nova fonte de tendências: bandas com identidade visual composta de referências múltiplas, que não podem ser facilmente rotuladas mas têm um impacto de imagem forte e fresco.

Em turnê pelos EUA e pela Europa, a banda paulistana Cansei de Ser Sexy é um dos melhores e mais recentes achados nesse sentido. Donas de um senso de estilo espontâneo, divertido e nada óbvio, as meninas do CSS atraíram a atenção dos editores de moda de revistas estrangeiras hype como a "Nylon", a "i-D" e a "Dazed and Confused". "Nosso visual não é temático, não pertencemos a uma cena uniforme. Temos uma facilidade natural para misturar elementos nos nossos looks sem analisar demais", diz a baixista Ira Trevisan, ex- assistente de Alexandre Herchcovitch.

A vocalista Lovefoxxx, musa dos fãs do CSS e adorada pelos fashionistas, mistura elementos ultrapop com a praticidade do streetwear. "Encontrar uma imagem própria não tem de ser um esforço dos infernos. Se for, é porque algo está errado", afirma.

Fãs do estilo de artistas como as rappers Kelis e Missy Elliott e a banda de rock Liars, o CSS tem no palco o mesmo visual do dia-a-dia _o que inclui muitas peças de Herchcovitch e da divertida grife Amonstro, das estilistas Helena Pimenta e Lívia Torres, alÈm de coisas garimpadas em brechós . "Nossas roupas de show têm a ver com o que somos, são nossas roupas da rua. Um figurino de palco totalmente artificial acaba ficando cafona", declara a guitarrista Ana Rezende.

As bandas Montage, do Ceará, e Multiplex, de São Paulo, são outros exemplos de novos grupos com imagens de moda marcantes, mas não facilmente rotuláveis. Fã da trupe glam-rock, especialmente de David Bowie, Daniel Peixoto, vocalista do Montage, é adepto da geléia-geral fashion. "No encarte do novo disco, usamos roupas do Lino Villaventura, mas geralmente eu misturo peças comuns com outras mais exageradas, com um pé na escola de samba e outro no punk, sabe?", diz.

Leandro Cunha, vocal do Multiplex, além de misturar estilos com muita propriedade, também inova na relação das roupas com o espaço público, abolindo regras que considera ultrapassadas. "Já subi num ônibus maquiado, com uma roupa rasgada e pichada e vou ao supermercado com looks que, teoricamente, seriam apropriados só para uma festa ou para o palco", conta. Apesar das reações adversas dos passantes, ele não se abala. "Uso o que tem a ver comigo, seja onde for. Não para chocar, mas porque é mais verdadeiro e divertido. No final, as pessoas se acostumam."

É claro que a onda do multimix não vai apagar a força individual de cenas musicais históricas, como o punk e o glam, mas a novidade está aí, para ser compreendida, apreciada e, como é regra na moda (e na música), amplamente copiada.


Em sentido anti-horário, Daniel (de cabelo rosa) e Leco, do Montage; Bruno (de óculos escuros), Maurício e Leandro Cunha, do Multiplex

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