Folha de S.Paulo Moda
* número 21 * ano 6 * sexta-feira, 23 de março de 2007
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O luxo impuro

Na última temporada de verão, uma onda de pesquisas futuristas percorreu as semanas de moda, animando os críticos. Parecia que os estilistas tinham finalmente tomado a decisão de sair em busca de novos caminhos e de novas imagens femininas, em vez de vasculhar o baú de imagens do passado e recorrer aos arquétipos femininos com as quais sempre lidam.

Foi alarme falso. A onda futurista morreu com o verão (apenas Hussein Chalayan persiste nela com inteligência), e a temporada de outono-inverno viu ressurgir, vigorosa, a nostalgia. A Folha acompanhou os desfiles, de fevereiro a março, em Nova York, Londres, Milão e Paris.

Se há pouco tempo eram as formas românticas –e suas referências aristocráticas– que dominavam a imaginação dos criadores, agora são os primeiros modernismos do século 20 que, sobretudo, embalam a moda.

Um bom número de estilistas voltou aos primeiros anos do último século, inspirando-se nos pioneiros da silhueta moderna, como Paul Poiret (1879-1949) e Madeleine Vionet (1876-1975). Outros designers recuaram até a década de 1930 e 1940, evocando as estrelas dos anos de ouro de Hollywood. Outros ainda foram atrás das revoluções promovidas por Yves Saint-Laurent na década de 1950 e 1960.

Esta foi a primeira vertente forte da estação e bem sintonizada com as expectativas da indústria do prêt-à-porter e suas demandas de fantasia e luxo consensual.

A outra vertente que surgiu nos desfiles de inverno buscou não as memórias do passado nem as fantasias de futuro, mas a vida presente, tal como ela se manifesta neste início do século 2000: multicultural, multiétnica, com sua enxurrada de imagens em desordem, confundindo o highbrown e o popular, o primitivo e o tecnológico, misturando o original e a cópia, o real e o virtual.

No cronograma dos desfiles, foi o brasileiro Alexandre Herchcovitch –que desfilou sua coleção feminina em São Paulo e em Nova York– quem primeiro apresentou, em termos mundiais, essa nova experimentação, ao reunir referências ao estilo das bóias-frias com o street­wear e alguns toques de elegância burguesa (como dizem os italianos). Ele também ousou misturar tecidos nobres com pobres, chegando até mesmo a usar um saco de lixo como vestido –o que causou espanto e entusiasmo nos EUA.

Em Milão, a Marni estava indo na mesma direção. Numa coleção importante, a grife italiana decidiu acrescentar muita sofisticação ao seu look esportivo e street, também mixando tecidos e estilos, sem hierarquia –como ao utilizar pele junto com vinil. A tão copiada Prada, por sua vez, resolveu abordar a dicotomia do falso e do verdadeiro, produzindo, graças a um trabalho artístico sobre os têxteis, efeitos de requinte a partir de materiais menos nobres. A coleção é a dica para um novo luxo –selvagem, hightech, impuro e supercontemporâneo.

Em Paris, finalmente, a Balenciaga abalou os fashionistas, ao criar uma coleção surpreendente em que os looks combinavam referências étnicas com imagens de tribos urbanas, numa profusão de elementos, cores, formas, acessórios e signos, como se a moda fosse um ramo da antropologia.

Uma terceira vertente reuniu os estilistas que buscam uma nova elegância com peças arquitetônicas, sintéticas e livres de todos os clichês históricos.

É o caso de Francisco Costa, da Calvin Klein, que, a partir de referências esportivas, recriou o minimalismo da grife, acrescentando-lhe maravilhosas invenções formais. É também o caso de Raf Simons, da Jil Sander, que extrai beleza e perfeição de uma simplicidade estonteante.

É, enfim, o caso de Martin Margiela, que mostrou talvez a coleção mais inteligente da temporada –além de muito irônica e perversa–, confrontando os limites sedutores do corpo feminino com as limitações criadas pelos estereótipos da moda.

por Alcino Leite Neto
fotos AP/AFP/Reuters/EFE

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