|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Lei internacional não impede retaliação, dizem analistas
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
Uma ofensiva militar retaliatória dos EUA contra o Afeganistão,
que abriga o principal suspeito de
ter orquestrado os atentados
ocorridos na Costa Leste americana -o líder terrorista Osama bin
Laden-, não seria uma violação
às leis internacionais, de acordo
com especialistas em direito internacional ouvidos pela Folha.
Para Thomas C. Heller, professor na Universidade de Stanford,
as leis internacionais estabelecem
que qualquer país que tenha sido
alvo de um ato de guerra, como o
presidente George W. Bush classificou os ataques suicidas, tem direito à autodefesa.
"Assim, se esse direito for exercido por meio de uma ofensiva
militar com uma possibilidade razoável de sucesso e se essas ações
forem proporcionais aos ataques
sofridos e às ameaças ainda existentes, a retaliação americana ou
de uma aliança internacional será
totalmente legal", explicou Heller.
O problema, portanto, diz respeito ao conceito de proporcionalidade. Definir o que é proporcional aos sangrentos ataques ocorridos em 11 de setembro caberia à
corte que julgasse o caso, o que, de
acordo com Heller, é um procedimento corriqueiro.
"O termo "proporcional" advém
das leis européias e foi incorporado às leis internacionais de guerra. As cortes da maior parte dos
países estão habituadas a lidar
com esse tema, pois comparar o
grau da resposta aos males evitados ou aos ataques sofridos é algo
que se faz em várias áreas do direito, seja nacional ou internacional", afirmou o especialista.
As leis de guerra, segundo ele,
começaram a ser concebidas há
muito tempo com base no direito
consuetudinário -fundado nos
costumes- e foram complementadas no século 20. As Convenções de Genebra, de 1949, fazem
parte dessas leis. Dentro desse
quadro, o princípio da autodefesa
é a doutrina legal dominante, ainda de acordo com Heller.
Ademais, os EUA nem precisariam declarar guerra formalmente para poder exercer seu direito à
autodefesa. "A guerra já foi informalmente declarada diversas vezes por Bush. As leis lhe garantem
o direito à autodefesa."
Morte de civis
Para Allan A. Ryan, professor de
direito internacional na Universidade Harvard, mesmo que venha
a provocar a morte de civis afegãos, dificilmente a eventual ofensiva militar dos EUA ou internacional será considerada uma violação às leis internacionais.
"A morte de civis só seria condenável legalmente se a ofensiva
militar visasse deliberadamente a
população civil. Se as mortes
ocorrerem como consequência de
ataques a alvos militares ou à infra-estrutura do Afeganistão, como a linhas de transporte, a ofensiva continuará tendo o respaldo
das leis", apontou Ryan.
"No que se refere às leis de guerra, somente uma investida deliberada contra locais de reunião da
população civil, como centros
culturais ou religiosos e zonas residenciais, constituiria uma violação às leis", acrescentou.
No caso do Afeganistão, a situação é ainda mais complexa, pois o
governo do grupo extremista islâmico Taleban só é reconhecido
por alguns países. "A administração do Taleban não é reconhecida
pela ONU, o que, em princípio,
não lhe dá o direito de representar
o Afeganistão na esfera internacional", indicou Michael Kreile,
diretor do departamento de política internacional da Universidade Humboldt, de Berlim, e especialista em questões relacionadas
ao sistema da ONU.
Assim, em teoria, se o país for
atacado, o grupo não poderá fazer
uso de leis internacionais para
protestar contra eventuais violações aos direitos do Afeganistão.
Para os especialistas, os atentados suicidas constituíram claras
ofensas a diversos tratados e convenções internacionais, abrindo
caminho para a retaliação com
base no direito à autodefesa.
Julgamento difícil
Embora pareça improvável,
Washington ou a coalizão internacional contra o terrorismo poderia decidir capturar Bin Laden e
seus asseclas e julgá-los em território americano ou no exterior.
"Teoricamente, poderia haver
um julgamento nas cidades que
sofreram os ataques ou num país
neutro, como a Holanda, que já
sedia o tribunal de Haia. Mas, para isso, existe a necessidade de
provas concretas", disse Ryan.
Contudo, como salientou Heller, os EUA ainda não assinaram
o Estatuto de Roma (1998), que
prevê a criação de uma corte internacional de Justiça, e, portanto,
dificilmente aceitariam um julgamento baseado em leis internacionais. Ademais, Bin Laden e os
membros de sua organização -a
Al Qaeda- não se submeteriam a
isso, segundo o especialista.
Texto Anterior: Economia: Ásia é a nova prioridade dos EUA Próximo Texto: Armas: Crise impulsiona indústria bélica Índice
|