São Paulo, domingo, 23 de setembro de 2001


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Lei internacional não impede retaliação, dizem analistas

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

Uma ofensiva militar retaliatória dos EUA contra o Afeganistão, que abriga o principal suspeito de ter orquestrado os atentados ocorridos na Costa Leste americana -o líder terrorista Osama bin Laden-, não seria uma violação às leis internacionais, de acordo com especialistas em direito internacional ouvidos pela Folha.
Para Thomas C. Heller, professor na Universidade de Stanford, as leis internacionais estabelecem que qualquer país que tenha sido alvo de um ato de guerra, como o presidente George W. Bush classificou os ataques suicidas, tem direito à autodefesa.
"Assim, se esse direito for exercido por meio de uma ofensiva militar com uma possibilidade razoável de sucesso e se essas ações forem proporcionais aos ataques sofridos e às ameaças ainda existentes, a retaliação americana ou de uma aliança internacional será totalmente legal", explicou Heller.
O problema, portanto, diz respeito ao conceito de proporcionalidade. Definir o que é proporcional aos sangrentos ataques ocorridos em 11 de setembro caberia à corte que julgasse o caso, o que, de acordo com Heller, é um procedimento corriqueiro.
"O termo "proporcional" advém das leis européias e foi incorporado às leis internacionais de guerra. As cortes da maior parte dos países estão habituadas a lidar com esse tema, pois comparar o grau da resposta aos males evitados ou aos ataques sofridos é algo que se faz em várias áreas do direito, seja nacional ou internacional", afirmou o especialista.
As leis de guerra, segundo ele, começaram a ser concebidas há muito tempo com base no direito consuetudinário -fundado nos costumes- e foram complementadas no século 20. As Convenções de Genebra, de 1949, fazem parte dessas leis. Dentro desse quadro, o princípio da autodefesa é a doutrina legal dominante, ainda de acordo com Heller.
Ademais, os EUA nem precisariam declarar guerra formalmente para poder exercer seu direito à autodefesa. "A guerra já foi informalmente declarada diversas vezes por Bush. As leis lhe garantem o direito à autodefesa."

Morte de civis
Para Allan A. Ryan, professor de direito internacional na Universidade Harvard, mesmo que venha a provocar a morte de civis afegãos, dificilmente a eventual ofensiva militar dos EUA ou internacional será considerada uma violação às leis internacionais.
"A morte de civis só seria condenável legalmente se a ofensiva militar visasse deliberadamente a população civil. Se as mortes ocorrerem como consequência de ataques a alvos militares ou à infra-estrutura do Afeganistão, como a linhas de transporte, a ofensiva continuará tendo o respaldo das leis", apontou Ryan.
"No que se refere às leis de guerra, somente uma investida deliberada contra locais de reunião da população civil, como centros culturais ou religiosos e zonas residenciais, constituiria uma violação às leis", acrescentou.
No caso do Afeganistão, a situação é ainda mais complexa, pois o governo do grupo extremista islâmico Taleban só é reconhecido por alguns países. "A administração do Taleban não é reconhecida pela ONU, o que, em princípio, não lhe dá o direito de representar o Afeganistão na esfera internacional", indicou Michael Kreile, diretor do departamento de política internacional da Universidade Humboldt, de Berlim, e especialista em questões relacionadas ao sistema da ONU.
Assim, em teoria, se o país for atacado, o grupo não poderá fazer uso de leis internacionais para protestar contra eventuais violações aos direitos do Afeganistão.
Para os especialistas, os atentados suicidas constituíram claras ofensas a diversos tratados e convenções internacionais, abrindo caminho para a retaliação com base no direito à autodefesa.

Julgamento difícil
Embora pareça improvável, Washington ou a coalizão internacional contra o terrorismo poderia decidir capturar Bin Laden e seus asseclas e julgá-los em território americano ou no exterior.
"Teoricamente, poderia haver um julgamento nas cidades que sofreram os ataques ou num país neutro, como a Holanda, que já sedia o tribunal de Haia. Mas, para isso, existe a necessidade de provas concretas", disse Ryan.
Contudo, como salientou Heller, os EUA ainda não assinaram o Estatuto de Roma (1998), que prevê a criação de uma corte internacional de Justiça, e, portanto, dificilmente aceitariam um julgamento baseado em leis internacionais. Ademais, Bin Laden e os membros de sua organização -a Al Qaeda- não se submeteriam a isso, segundo o especialista.


Texto Anterior: Economia: Ásia é a nova prioridade dos EUA
Próximo Texto: Armas: Crise impulsiona indústria bélica
Índice



Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita do Universo Online ou do detentor do copyright.