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ECONOMIA
Atual posição estratégica do Paquistão atrai apoio político e financeiro antes negados
Ásia é a nova prioridade dos EUA
MARCIO AITH
DE WASHINGTON
Devido aos atentados terroristas
contra os EUA, a Casa Branca está
desviando para a Ásia o foco de
suas preocupações e o destino dos
recursos de que dispõe para ajudar financeiramente países em
crise, deixando de lado objetivos
antigos como a América Latina.
Agências de apoio americanas e
instituições multilaterais influenciadas pelos EUA -como o FMI
(Fundo Monetário Internacional) e o Bird (Banco Mundial)- reduziram o tempo e os recursos que consumiam para evitar o colapso econômico da AL.
Agora a prioridade é ajudar o
Paquistão, país governado por
um general golpista, pouco simpático a reformas liberais e que,
até o dia 11 de setembro, sofria
sanções comerciais por ter desenvolvido bombas nucleares.
"Guerra é guerra", justificou na
sexta-feira o senador democrata
Joseph R. Biden (Delaware). "Estamos dispostos a levantar as sanções impostas ao Paquistão pelos
testes nucleares de 1998 e dar ao
país o que for necessário para
convencer seu governo a colaborar conosco."
"Se for preciso, deixaremos as
outras prioridades de lado até
vencermos a batalha", disse o deputado republicano Henry Hyde
(Illinois). "O presidente Pervez
Musharraf está pagando um preço por nos ajudar e devemos recompensá-lo."
Até a destruição do World Trade Center, a prioridade externa do
Tesouro dos EUA e do FMI era a
estabilidade econômica da América Latina, região que aderiu ao
tratado de não-proliferação nuclear, realizou reformas liberais
profundas e na qual a maioria dos
países consolidou regimes democráticos na última década.
Diferentemente do que passou a
ser dado ao Paquistão desde o dia
11, o secretário do Tesouro dos
EUA, Paul O'Neill, deu na quinta-feira uma mensagem amarga para a América Latina. "A Argentina
estava no topo de nossa lista de
trabalho há uma semana atrás.
Obviamente, não está mais no topo", declarou ele em depoimento
no Congresso.
Obter a colaboração do governo
do Paquistão virou prioridade da
Casa Branca em razão da posição
geográfica estratégica do país, de
sua situação política instável e de
sua influência sobre o Taleban,
milícia extremista que controla
cerca de 95% do território afegão
e que abrigaria o terrorista saudita
Osama bin Laden. Por apoiar os
EUA, o governo do Paquistão corre o risco de ser derrubado por
uma população islâmica em parte
simpática ao Taleban.
Até o mês passado, por determinação da Casa Branca e da União
Européia, FMI e Banco Mundial
fechavam suas portas para autoridades do Paquistão que viajavam
a Washington atrás de dinheiro. A
economia do país derrapava numa dívida de US$ 30 bilhões.
Agora, os EUA oferecem ao país
seu reconhecimento como potência nuclear legítima e os empréstimos que antes lhe eram negados.
"Vocês precisam acreditar que
já estávamos num processo de
trabalho com o Paquistão e que,
agora, o país preencheu todos os
critérios (para um empréstimo)",
disse o diretor-gerente do FMI,
Horst Kohler, esforçando-se para
convencer que os atentados não o
motivaram a abrir os cofres da
instituição. "Baseado nisso, e independentemente dos eventos
em Nova York e em Washington,
já havíamos previsto que, se o Paquistão cumprisse com o programa, haveria financiamento do
FMI." O empréstimo deve ser
anunciado nos próximos dias.
Indagado pela Folha se a nova
prioridade de Washington estaria
premiando generais golpistas e a
proliferação de armas nucleares,
o ministro Celso Lafer (Relações
Exteriores) se esforçou para responder com diplomacia: "Estamos numa área do mundo onde
as tensões existem, mas não estão
no fulcro da parte mais complexa
dos conflitos internacionais. O
presidente [George W." Bush e o
governo americano têm colocado
com clareza o desafio que representa o combate ao terrorismo e a
importância da cooperação internacional. Sem querer entrar em
especulações sobre a motivação
do governo americano, é claro
que o Paquistão representa um
ator importante nesse processo.
Obter sua colaboração é, sem dúvida, um objetivo compreensível
do governo americano".
Lafer afirmou, contudo, que a
América Latina também detém
instrumentos de convencimento
e não estaria completamente isolada: "A manutenção de nossa região como uma área de paz, segurança e estabilidade é nosso ativo
diplomático na região. E como tal
é algo que nos acrescenta o poder
de legitimidade". No campo da
não-proliferação nuclear, Lafer
diz que os compromissos feitos
por Brasil e Argentina são legítimos e saudáveis, independentemente de recompensas que os
dois poderiam receber.
Reconhece, porém, haver algo
estranho na situação atual. "Embora não goste de analisar outras
regiões do mundo, o fato de a Índia e o Paquistão serem hoje potências nucleares à margem do
tratado de não-proliferação mostra que esse tratado tem perfurações. Isso também deve ser tema
da ordem mundial."
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