São Paulo, domingo, 23 de setembro de 2001


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ECONOMIA
Atual posição estratégica do Paquistão atrai apoio político e financeiro antes negados

Ásia é a nova prioridade dos EUA

MARCIO AITH
DE WASHINGTON

Devido aos atentados terroristas contra os EUA, a Casa Branca está desviando para a Ásia o foco de suas preocupações e o destino dos recursos de que dispõe para ajudar financeiramente países em crise, deixando de lado objetivos antigos como a América Latina.
Agências de apoio americanas e instituições multilaterais influenciadas pelos EUA -como o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o Bird (Banco Mundial)- reduziram o tempo e os recursos que consumiam para evitar o colapso econômico da AL.
Agora a prioridade é ajudar o Paquistão, país governado por um general golpista, pouco simpático a reformas liberais e que, até o dia 11 de setembro, sofria sanções comerciais por ter desenvolvido bombas nucleares.
"Guerra é guerra", justificou na sexta-feira o senador democrata Joseph R. Biden (Delaware). "Estamos dispostos a levantar as sanções impostas ao Paquistão pelos testes nucleares de 1998 e dar ao país o que for necessário para convencer seu governo a colaborar conosco."
"Se for preciso, deixaremos as outras prioridades de lado até vencermos a batalha", disse o deputado republicano Henry Hyde (Illinois). "O presidente Pervez Musharraf está pagando um preço por nos ajudar e devemos recompensá-lo."
Até a destruição do World Trade Center, a prioridade externa do Tesouro dos EUA e do FMI era a estabilidade econômica da América Latina, região que aderiu ao tratado de não-proliferação nuclear, realizou reformas liberais profundas e na qual a maioria dos países consolidou regimes democráticos na última década.
Diferentemente do que passou a ser dado ao Paquistão desde o dia 11, o secretário do Tesouro dos EUA, Paul O'Neill, deu na quinta-feira uma mensagem amarga para a América Latina. "A Argentina estava no topo de nossa lista de trabalho há uma semana atrás. Obviamente, não está mais no topo", declarou ele em depoimento no Congresso.
Obter a colaboração do governo do Paquistão virou prioridade da Casa Branca em razão da posição geográfica estratégica do país, de sua situação política instável e de sua influência sobre o Taleban, milícia extremista que controla cerca de 95% do território afegão e que abrigaria o terrorista saudita Osama bin Laden. Por apoiar os EUA, o governo do Paquistão corre o risco de ser derrubado por uma população islâmica em parte simpática ao Taleban.
Até o mês passado, por determinação da Casa Branca e da União Européia, FMI e Banco Mundial fechavam suas portas para autoridades do Paquistão que viajavam a Washington atrás de dinheiro. A economia do país derrapava numa dívida de US$ 30 bilhões.
Agora, os EUA oferecem ao país seu reconhecimento como potência nuclear legítima e os empréstimos que antes lhe eram negados.
"Vocês precisam acreditar que já estávamos num processo de trabalho com o Paquistão e que, agora, o país preencheu todos os critérios (para um empréstimo)", disse o diretor-gerente do FMI, Horst Kohler, esforçando-se para convencer que os atentados não o motivaram a abrir os cofres da instituição. "Baseado nisso, e independentemente dos eventos em Nova York e em Washington, já havíamos previsto que, se o Paquistão cumprisse com o programa, haveria financiamento do FMI." O empréstimo deve ser anunciado nos próximos dias.
Indagado pela Folha se a nova prioridade de Washington estaria premiando generais golpistas e a proliferação de armas nucleares, o ministro Celso Lafer (Relações Exteriores) se esforçou para responder com diplomacia: "Estamos numa área do mundo onde as tensões existem, mas não estão no fulcro da parte mais complexa dos conflitos internacionais. O presidente [George W." Bush e o governo americano têm colocado com clareza o desafio que representa o combate ao terrorismo e a importância da cooperação internacional. Sem querer entrar em especulações sobre a motivação do governo americano, é claro que o Paquistão representa um ator importante nesse processo. Obter sua colaboração é, sem dúvida, um objetivo compreensível do governo americano".
Lafer afirmou, contudo, que a América Latina também detém instrumentos de convencimento e não estaria completamente isolada: "A manutenção de nossa região como uma área de paz, segurança e estabilidade é nosso ativo diplomático na região. E como tal é algo que nos acrescenta o poder de legitimidade". No campo da não-proliferação nuclear, Lafer diz que os compromissos feitos por Brasil e Argentina são legítimos e saudáveis, independentemente de recompensas que os dois poderiam receber.
Reconhece, porém, haver algo estranho na situação atual. "Embora não goste de analisar outras regiões do mundo, o fato de a Índia e o Paquistão serem hoje potências nucleares à margem do tratado de não-proliferação mostra que esse tratado tem perfurações. Isso também deve ser tema da ordem mundial."


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