São Paulo, domingo, 23 de setembro de 2001


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RESGATE
Doze dias depois do atentado, familiares e amigos ainda procuram desaparecidos

Notícias de uma guerra particular

SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK

"Você pode colocar no jornal a foto do meu marido?", "...da minha irmã?", "...do meu sobrinho?" Doze dias depois do atentado terrorista que derrubou as torres gêmeas do World Trade Center, os pedidos continuam.
Agora são feitos não só no Centro de Auxílio às Famílias, improvisado no Pier 94, mas também na Union Square, que virou o memorial das vítimas na primeira hora do atentado, nas portas dos Corpos de Bombeiros, nas saídas dos metrôs, nos telefones públicos, no Central Park.
Tem sempre uma mãe, um marido, um irmão a pregar ou distribuir os "santinhos", minipôsteres improvisados com uma foto e dados gerais. Eles dominam todos os espaços gratuitos disponíveis de Nova York, como os grafites nas paredes de São Paulo.
Há um Darryl McKinney, procurado pela família, que fornece os telefones de contato mais sua altura e peso. Há uma Monique de Jesus, que na foto sorri e segura um buquê branco. E ainda uma Angela Rosario, que trabalhava na Cantor Fitzgerald, que perdeu 700 funcionários.
Na semana que passou, a reportagem da Folha seguiu alguns dos "santinhos" para saber o destino de seus rostos. Uns foram reencontrados. Outros continuam sendo buscados. Alguns tiveram sua morte confirmada. Leia suas histórias abaixo:

O bombeiro e a resgatada
Dan Potter era um sujeito solitário. Há alguns anos, colocou um anúncio nos classificados pessoais do tablóide "The New York Post". "Sou bombeiro, tenho 40 anos, a cara do Charlie Sheen, me considero romântico e gosto de piqueniques."
Conquistou Jean, uma executiva do mercado financeiro, que leu o anúncio, ligou para Dan, marcaram um jantar, se apaixonaram e se casaram meses depois. Os dois moravam em Staten Island, perto do World Trade Center, onde ela trabalhava.
No dia 11 de setembro, às 8h45, quando a torre norte caiu, Dan pensou que sua mulher tinha morrido, porque trabalhava no 81º andar. Já ela achou que seu marido estava em lugar seguro, pois estava em treinamento num batalhão fora de Manhattan.
Não foi o que aconteceu.
Assim que viu o primeiro avião se chocar contra o WTC, o bombeiro Dan Potter voou em direção ao complexo, tentando contar os andares que o avião havia atingido. Se Jean tivesse corrido para o teto, calculou, estava salva. Até que viu o prédio ruir.
Jean, por sua vez, tão logo ouviu o primeiro alarme, voou escada abaixo e conseguiu deixar a torre segundos antes de ela desabar. Foi levada para um hospital. Nos primeiros dias, ambos pensavam que o outro havia morrido, já que perderam o contato e sua casa estava inacessível.
Até que eles se reencontraram no começo da semana passada, depois de muita procura e um artifício prosaico: um deixou recado na secretária eletrônica para o outro, que pegou da rua, e vice-versa. Então, hospedaram-se num hotel ao lado do Empire State Building para comemorar. Mas foram desalojados: houve uma ameaça de bomba no prédio.
Entra em cena a empresária Leona Helmsley, que ouve a história e convida a dupla para ficar na suíte presidencial de um de seus hotéis, o Park Lane, em frente ao Central Park, de onde ambos falaram com a Folha e de onde não pretendem sair tão cedo.

O pai que escava
Henry Tirado, 28, é um dos bombeiros soterrados nos escombros do World Trade Center. Como seus companheiros da Companhia 23, no bairro do Chelsea, atendeu ao chamado de socorro da torre norte, quando o segundo avião se espatifou.
Enquanto a equipe tentava chegar ao topo do prédio, tudo veio abaixo. Quem dá estas informações é um homem de 47 anos, face cansada, mãos calejadas, olheiras profundas. Há sete dias ele trabalha nas escavações.
Seu nome é Hector Tirado, e Henry é seu filho.
Assim que viu as cenas na televisão, Hector foi para casa e ligou a TV. Chegou a distinguir Henry entre os que ajudavam a apagar um dos incêndios que se seguiram ao atentado. Chegou a telefonar para seu celular. "Estou bem, pai, acabei de saber que tem uma mulher grávida presa entre dois andares na torre norte. Vou subir lá para ajudá-la a sair."
Foi a última vez que ouviu a voz do filho antes de a torre cair. Então, atravessou de balsa o rio que divide Nova York de Nova Jersey e veio andando em direção aos escombros. A cada barreira policial em que era parado, respondia: "Meu filho está lá dentro".
Conseguiu se inscrever como voluntário num dos times de resgate e desde então só volta para casa à noite, para dormir. Lá, tenta disfarçar como pode ao responder aos seus três netos: "Vô, o senhor já achou o papai?".
"Meu filho é um homem forte, e vou achá-lo, morto ou vivo. Não volto para casa sem ele", diz o operário. Indagado pela Folha se aceitaria ser fotografado para a reportagem, responde: "Amanhã? Não posso, vou escavar".

A executiva que não parou
Vasana Mututanont, 47, é tailandesa e tem 40% da superfície de seu corpo coberta por queimaduras de segundo e terceiro grau. No primeiro dia, logo que chegou ao hospital, não sentia nada. Hoje, há uma dor constante e insuportável. "Estão me dando muita morfina", diz, resignada.
Diretora do Tahiland Board of Investment, que funcionava no World Trade Center, ela descreve seus machucados enquanto é observada pela filha, Nissa, 16, que segura um cartão de boas-vindas e tem de usar máscara e luvas para não infectar a mãe.
Na manhã do dia 11, ela chegou ao prédio com seu marido, Somporn, que também trabalha lá. Os dois se separaram -ele tinha de comprar alguma coisa na farmácia, no subsolo, e ela subiu para o escritório, na torre sul.
No caminho, ouviu uma explosão que a jogou no chão. Viu-se pisoteada por uma multidão que fugia com as costas pegando fogo. Sentiu um calor e, quando olhou para trás, percebeu a bola de fogo em sua direção.
Acordou no New York Weill Cornell Medical Center, onde já passou por dezenas de cirurgias de reconstituição de pele. Primeiro, os médicos têm de achar um pedaço de pele seu que não tenha sido queimado no acidente.
Então, fazem pequenas perfurações na pele queimada e implantam a saudável ali. O processo tem de ser repetido várias vezes. Além do tecido próprio, o hospital usa pele de cadáver -o Weill Cornell está tendo de recusar dezenas e dezenas de doações de voluntários; pela lei, é proibido doar pele em vida.
Os médicos dizem que ela deve ficar no hospital o equivalente em dias à porcentagem de pele que foi queimada. Ela chegou com 21 outras vítimas do ataque. Uma morreu no caminho e outras três não resistiram até agora.
Na sexta-feira, o hospital informou à Folha que Vasana Mututanont acabara de sair de mais uma cirurgia. Mas vai sobreviver.

Em busca da notícia
O moscovita Yuri Kirilchenko soube do primeiro choque nas torres gêmeas às 9h do dia 11 por seu chefe, que acompanhava tudo pela CNN. O russo é um dos correspondentes do escritório em Nova York da ex-estatal de notícias russa ITAR-Tass.
Pegou o Buick marrom da emissora e conseguiu estacionar ao lado do World Trade Center a tempo de ver a primeira torre desabar. Escondeu-se atrás de seu carro e chegou a ajudar algumas pessoas que fugiam, antes de ligar para a redação em Nova York e de lá entrar ao vivo em Moscou.
Assim Kirilchenko foi fazendo ao longo da manhã, intercalando seus relatórios emocionados do que acontecia com eventuais ajudas que dava a pessoas que ia encontrado pelo caminho. Chegou mesmo, disse depois, a carregar uma vítima nos braços até que ela tivesse atendimento médico.
Com o passar do tempo, os telefonemas passaram a rarear. Às 16h, seu chefe em Nova York, Alexi Berezhkov, começou a ficar preocupado e ligou para ele. "Não estou me sentindo bem", disse o repórter. "Estou nauseado e vou me sentar um pouco."
Às 18h, Berezhkov ligou de novo. O repórter reclamou de dores no peito e no braço esquerdo e começou a falar coisas ininteligíveis. O chefe resolveu resgatar o amigo. Depois de passar por várias barreiras policiais e procurar em várias listas, encontrou o russo sentado ao lado de um hidrante, coberto de pó, os olhos arregalados.
Yuri Kirilchenko foi internado no hospital St. Vincent's naquela noite e os médicos descobriram que ele estava tendo um ataque cardíaco. Seis horas de operação depois, o russo saiu com uma válvula metálica em seu coração e uma aorta artificial no corpo.
Ele deixou o hospital na última quinta-feira. Como ainda está se recuperando do choque, não pôde falar com a Folha. Sua história foi contada por seus colegas.

O filho da destruição
Assim que ouviu a primeira agitação na torre sul do World Trade Center, onde trabalhava, Jacqueline Landrau pensou nos 45 andares que tinha de descer a pé. Ela estava grávida de nove meses, e o nascimento do bebê era previsto para dali a dois dias.
Foi com muita calma que a assistente administrativa passou os 30 minutos seguintes, conforme contou à Folha depois. Chegou ao térreo passando mal, com a confusão, a fumaça, o clima.
Piorou com a queda e foi internada sem conseguir falar com o marido. "Mas eu não tinha certeza se o parto iria acontecer mesmo naquela hora", lembrou.
Não aconteceu. Dois dias depois de deixar o lugar em que estão os escombros do que já foi o prédio mais alto da cidade, Jacqueline deu a luz. O nova-iorquino Reinaldo McFarlane Júnior nasceu às 13h25 do dia 13, saudável, com 3,9 quilos. Seu pai, Reinaldo McFarlane Sênior, já tem um apelido para o filho: "o bebê do milagre".


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