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RESGATE
Doze dias depois do atentado, familiares e amigos ainda procuram desaparecidos
Notícias de uma guerra particular
SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK
"Você pode colocar no jornal a
foto do meu marido?", "...da minha irmã?", "...do meu sobrinho?"
Doze dias depois do atentado terrorista que derrubou as torres gêmeas do World Trade Center, os
pedidos continuam.
Agora são feitos não só no Centro de Auxílio às Famílias, improvisado no Pier 94, mas também na
Union Square, que virou o memorial das vítimas na primeira
hora do atentado, nas portas dos
Corpos de Bombeiros, nas saídas
dos metrôs, nos telefones públicos, no Central Park.
Tem sempre uma mãe, um marido, um irmão a pregar ou distribuir os "santinhos", minipôsteres
improvisados com uma foto e dados gerais. Eles dominam todos
os espaços gratuitos disponíveis
de Nova York, como os grafites
nas paredes de São Paulo.
Há um Darryl McKinney, procurado pela família, que fornece
os telefones de contato mais sua
altura e peso. Há uma Monique
de Jesus, que na foto sorri e segura
um buquê branco. E ainda uma
Angela Rosario, que trabalhava
na Cantor Fitzgerald, que perdeu
700 funcionários.
Na semana que passou, a reportagem da Folha seguiu alguns dos
"santinhos" para saber o destino
de seus rostos. Uns foram reencontrados. Outros continuam
sendo buscados. Alguns tiveram
sua morte confirmada. Leia suas
histórias abaixo:
O bombeiro e a resgatada
Dan Potter era um sujeito solitário. Há alguns anos, colocou um
anúncio nos classificados pessoais do tablóide "The New York
Post". "Sou bombeiro, tenho 40
anos, a cara do Charlie Sheen, me
considero romântico e gosto de
piqueniques."
Conquistou Jean, uma executiva do mercado financeiro, que leu
o anúncio, ligou para Dan, marcaram um jantar, se apaixonaram e
se casaram meses depois. Os dois
moravam em Staten Island, perto
do World Trade Center, onde ela
trabalhava.
No dia 11 de setembro, às 8h45,
quando a torre norte caiu, Dan
pensou que sua mulher tinha
morrido, porque trabalhava no
81º andar. Já ela achou que seu
marido estava em lugar seguro,
pois estava em treinamento num
batalhão fora de Manhattan.
Não foi o que aconteceu.
Assim que viu o primeiro avião
se chocar contra o WTC, o bombeiro Dan Potter voou em direção
ao complexo, tentando contar os
andares que o avião havia atingido. Se Jean tivesse corrido para o
teto, calculou, estava salva. Até
que viu o prédio ruir.
Jean, por sua vez, tão logo ouviu
o primeiro alarme, voou escada
abaixo e conseguiu deixar a torre
segundos antes de ela desabar. Foi
levada para um hospital. Nos primeiros dias, ambos pensavam
que o outro havia morrido, já que
perderam o contato e sua casa estava inacessível.
Até que eles se reencontraram
no começo da semana passada,
depois de muita procura e um artifício prosaico: um deixou recado
na secretária eletrônica para o outro, que pegou da rua, e vice-versa. Então, hospedaram-se num
hotel ao lado do Empire State
Building para comemorar. Mas
foram desalojados: houve uma
ameaça de bomba no prédio.
Entra em cena a empresária
Leona Helmsley, que ouve a história e convida a dupla para ficar
na suíte presidencial de um de
seus hotéis, o Park Lane, em frente ao Central Park, de onde ambos
falaram com a Folha e de onde
não pretendem sair tão cedo.
O pai que escava
Henry Tirado, 28, é um dos
bombeiros soterrados nos escombros do World Trade Center. Como seus companheiros da Companhia 23, no bairro do Chelsea,
atendeu ao chamado de socorro
da torre norte, quando o segundo
avião se espatifou.
Enquanto a equipe tentava chegar ao topo do prédio, tudo veio
abaixo. Quem dá estas informações é um homem de 47 anos, face
cansada, mãos calejadas, olheiras
profundas. Há sete dias ele trabalha nas escavações.
Seu nome é Hector Tirado, e
Henry é seu filho.
Assim que viu as cenas na televisão, Hector foi para casa e ligou a
TV. Chegou a distinguir Henry
entre os que ajudavam a apagar
um dos incêndios que se seguiram ao atentado. Chegou a telefonar para seu celular. "Estou bem,
pai, acabei de saber que tem uma
mulher grávida presa entre dois
andares na torre norte. Vou subir
lá para ajudá-la a sair."
Foi a última vez que ouviu a voz
do filho antes de a torre cair. Então, atravessou de balsa o rio que
divide Nova York de Nova Jersey
e veio andando em direção aos escombros. A cada barreira policial
em que era parado, respondia:
"Meu filho está lá dentro".
Conseguiu se inscrever como
voluntário num dos times de resgate e desde então só volta para
casa à noite, para dormir. Lá, tenta disfarçar como pode ao responder aos seus três netos: "Vô, o senhor já achou o papai?".
"Meu filho é um homem forte, e
vou achá-lo, morto ou vivo. Não
volto para casa sem ele", diz o
operário. Indagado pela Folha se
aceitaria ser fotografado para a reportagem, responde: "Amanhã?
Não posso, vou escavar".
A executiva que não parou
Vasana Mututanont, 47, é tailandesa e tem 40% da superfície
de seu corpo coberta por queimaduras de segundo e terceiro grau.
No primeiro dia, logo que chegou
ao hospital, não sentia nada. Hoje,
há uma dor constante e insuportável. "Estão me dando muita
morfina", diz, resignada.
Diretora do Tahiland Board of
Investment, que funcionava no
World Trade Center, ela descreve
seus machucados enquanto é observada pela filha, Nissa, 16, que
segura um cartão de boas-vindas
e tem de usar máscara e luvas para
não infectar a mãe.
Na manhã do dia 11, ela chegou
ao prédio com seu marido, Somporn, que também trabalha lá. Os
dois se separaram -ele tinha de
comprar alguma coisa na farmácia, no subsolo, e ela subiu para o
escritório, na torre sul.
No caminho, ouviu uma explosão que a jogou no chão. Viu-se
pisoteada por uma multidão que
fugia com as costas pegando fogo.
Sentiu um calor e, quando olhou
para trás, percebeu a bola de fogo
em sua direção.
Acordou no New York Weill
Cornell Medical Center, onde já
passou por dezenas de cirurgias
de reconstituição de pele. Primeiro, os médicos têm de achar um
pedaço de pele seu que não tenha
sido queimado no acidente.
Então, fazem pequenas perfurações na pele queimada e implantam a saudável ali. O processo tem
de ser repetido várias vezes. Além
do tecido próprio, o hospital usa
pele de cadáver -o Weill Cornell
está tendo de recusar dezenas e
dezenas de doações de voluntários; pela lei, é proibido doar pele
em vida.
Os médicos dizem que ela deve
ficar no hospital o equivalente em
dias à porcentagem de pele que
foi queimada. Ela chegou com 21
outras vítimas do ataque. Uma
morreu no caminho e outras três
não resistiram até agora.
Na sexta-feira, o hospital informou à Folha que Vasana Mututanont acabara de sair de mais uma
cirurgia. Mas vai sobreviver.
Em busca da notícia
O moscovita Yuri Kirilchenko
soube do primeiro choque nas
torres gêmeas às 9h do dia 11 por
seu chefe, que acompanhava tudo
pela CNN. O russo é um dos correspondentes do escritório em
Nova York da ex-estatal de notícias russa ITAR-Tass.
Pegou o Buick marrom da emissora e conseguiu estacionar ao lado do World Trade Center a tempo de ver a primeira torre desabar. Escondeu-se atrás de seu carro e chegou a ajudar algumas pessoas que fugiam, antes de ligar para a redação em Nova York e de lá
entrar ao vivo em Moscou.
Assim Kirilchenko foi fazendo
ao longo da manhã, intercalando
seus relatórios emocionados do
que acontecia com eventuais ajudas que dava a pessoas que ia encontrado pelo caminho. Chegou
mesmo, disse depois, a carregar
uma vítima nos braços até que ela
tivesse atendimento médico.
Com o passar do tempo, os telefonemas passaram a rarear. Às
16h, seu chefe em Nova York, Alexi Berezhkov, começou a ficar
preocupado e ligou para ele. "Não
estou me sentindo bem", disse o
repórter. "Estou nauseado e vou
me sentar um pouco."
Às 18h, Berezhkov ligou de novo. O repórter reclamou de dores
no peito e no braço esquerdo e começou a falar coisas ininteligíveis.
O chefe resolveu resgatar o amigo.
Depois de passar por várias barreiras policiais e procurar em várias listas, encontrou o russo sentado ao lado de um hidrante, coberto de pó, os olhos arregalados.
Yuri Kirilchenko foi internado
no hospital St. Vincent's naquela
noite e os médicos descobriram
que ele estava tendo um ataque
cardíaco. Seis horas de operação
depois, o russo saiu com uma válvula metálica em seu coração e
uma aorta artificial no corpo.
Ele deixou o hospital na última
quinta-feira. Como ainda está se
recuperando do choque, não pôde falar com a Folha. Sua história
foi contada por seus colegas.
O filho da destruição
Assim que ouviu a primeira agitação na torre sul do World Trade
Center, onde trabalhava, Jacqueline Landrau pensou nos 45 andares que tinha de descer a pé. Ela
estava grávida de nove meses, e o
nascimento do bebê era previsto
para dali a dois dias.
Foi com muita calma que a assistente administrativa passou os
30 minutos seguintes, conforme
contou à Folha depois. Chegou ao
térreo passando mal, com a confusão, a fumaça, o clima.
Piorou com a queda e foi internada sem conseguir falar com o
marido. "Mas eu não tinha certeza se o parto iria acontecer mesmo naquela hora", lembrou.
Não aconteceu. Dois dias depois
de deixar o lugar em que estão os
escombros do que já foi o prédio
mais alto da cidade, Jacqueline
deu a luz. O nova-iorquino Reinaldo McFarlane Júnior nasceu às
13h25 do dia 13, saudável, com 3,9
quilos. Seu pai, Reinaldo McFarlane Sênior, já tem um apelido para o filho: "o bebê do milagre".
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