São Paulo, domingo, 23 de setembro de 2001


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CENTRO DA CRISE
Execuções em praça pública, isolamento total das mulheres e destruição das estátuas de Buda deixam grupo afegão isolado

Taleban adota versão anômala de islamismo


Antes de ser o homem mais procurado do mundo, Bin Laden recebeu apoio dos EUA, que descreviam os membros do Taleban como "guerreiros islâmicos da liberdade"


Reuters
Muçulmano paquistanês segura sua "masbaha" durante protesto contra os EUA, na fronteira com o Afeganistão


DA REDAÇÃO

Quando o mulá Mohamad Omar Akhunzada chegou a Candahar -antiga capital imperial do Afeganistão-, em 1994, a suposta legitimidade religiosa do líder do grupo extremista islâmico Taleban fez tremer os potentados locais, que lhe entregaram as armas e franquearam a entrada a vilarejos próximos.
O movimento propôs à época uma combinação de tradicionalismo e renovação. Tradição no intuito de se impor como representante da ordem moral, apoiado em uma organização tribal, sobretudo do sul pashtu (etnia majoritária), e nos sistemas de poder existentes. Renovação porque, paradoxalmente, utilizou as aspirações populares para consolidar um poder constituído de forma efêmera em torno de mulás que não eram líderes religiosos reconhecidos -não tinham um passado consagrado e prometiam um governo transitório para contar com o apoio dos afegãos.
Dois anos depois, o Taleban já controlava a maior parte do país, incluindo Cabul. Quando estive no Afeganistão, em 1996, encontrei-o devastado pela guerra civil.
Contando com o apoio do Paquistão -majoritariamente sunita como o Afeganistão e também com uma presença significativa de pashtus-, o Taleban lançou uma política de perseguição a minorias étnicas como os hazaras, os uzbeques e os tadjiques.
Os xiitas (cerca de 16% da população afegã) também se tornaram alvo de discriminações.
A relação com a Arábia Saudita é ambígua: o mulá Rabanni, número dois do movimento Taleban (estudantes, em pashtu), viajava frequentemente a Riad, mas isso não foi suficiente para impedir que o grupo extremista oferecesse abrigo a Osama bin Laden, destituído de sua nacionalidade saudita devido à campanha que lançou contra o regime local.
Bin Laden, assim como Saddam Hussein, recebeu amplo apoio dos EUA antes de se tornar o homem mais procurado do mundo.
O governo norte-americano tinha interesse em pôr fim à ocupação soviética e contrapor as reivindicações nacionalistas árabes, consideradas pró-comunismo.
Nessa época, os EUA, que enviaram mísseis e especialistas da CIA ao Afeganistão para treinar os mujahidin -guerrilheiros islâmicos que expulsaram os soviéticos-, descreviam os membros do Taleban como "guerreiros islâmicos da liberdade".
Baseado numa interpretação anômala do islã, o Taleban proibiu o rádio e a televisão e passou a patrocinar execuções em praça pública, além de apedrejamentos e amputações. Sob seu jugo, as mulheres perderam os direitos civis, bem como o acesso pleno a atendimento médico público.
Bem antes das ameaças de ataque ao Afeganistão, o grupo já vinha rompendo o elo com a comunidade internacional ao perseguir minorias. Em maio, determinou que as pessoas que integram grupos étnicos ou religiosos minoritários devem marcar essa condição costurando um pedaço de tecido amarelo à roupa -a medida atinge principalmente hindus.
O grupo também destruiu "profilaticamente" antigas estátuas budistas em Bamiyan como parte de sua campanha de erradicação de esculturas pré-islâmicas. Alegou ter baseado sua decisão na condenação islâmica à adoração de ídolos, embora o país não tenha população budista.
O Afeganistão, berço de Zoroastro, tornou-se majoritariamente muçulmano no século 8º, mas tem muitas relíquias da era pré-islâmica, quando era passagem de budistas da Índia e da China, que construíram vários locais de peregrinação no país.
O cerco inclui os próprios muçulmanos, que enfrentam uma série de proibições, incluindo o uso da internet, de parabólicas e de videocassete. Isso e as sanções dos EUA e da ONU contra o país colaboraram para acirrar o isolamento do governo liderado pelo Taleban e o extremismo do grupo. (PAULO DANIEL FARAH)


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