São Paulo, domingo, 23 de setembro de 2001


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XIISMO
Perseguição a xiitas, tráfico de drogas e um fluxo de mais de 1 milhão de refugiados levaram à deterioração das relações de Teerã com o vizinho Afeganistão

Oposição a Taleban aproxima Irã dos EUA

DA REDAÇÃO

Entre uma reportagem e outra sobre os atentados na Costa Leste norte-americana, a rede de TV CNN mostrava anteontem uma propaganda de 2001 como o "Ano do Diálogo Entre Civilizações" da ONU. O que poucas pessoas sabem é que a idéia partiu do presidente do Irã, Mohamad Khatami.
Principal representante da ala reformista no Irã, Khatami condenou pessoalmente os atentados na Costa Leste dos EUA. Na semana passada, o governo autorizou um ato de apoio às vítimas.
Relações conflituosas com o Taleban, tráfico de drogas -sobretudo ópio- e um fluxo quase incontrolável de refugiados afegãos (mais de 1 milhão): eis as principais razões para as críticas ao grupo extremista que controla quase todo o Afeganistão.
O Irã, majoritariamente xiita, também critica a perseguição do regime afegão contra muçulmanos dessa corrente -minoritária nos países islâmicos. Farhad Khosrokhavar, que dirige a Escola de Estudos Superiores em Ciências Sociais, diz que "o Irã teme uma influência indireta do Taleban sobre sua minoria sunita, que seria encorajada a contestações".
Os reformistas iranianos defendem uma aproximação com os Estados Unidos, mas isso não quer dizer que o Irã possa se associar, de olhos fechados, a uma coalizão internacional contra o Taleban e Osama bin Laden.
Os conservadores mantêm um controle rígido do poder, apoiados no líder do país, o aiatolá Ali Khamenei. Eles controlam o Judiciário, o Conselho dos Guardiães (órgão mais influente do Irã) e o aparato de segurança.
Apesar do embate ideológico, nos próximos dias o chanceler Jack Straw será o primeiro ministro britânico a visitar o Irã desde a Revolução Islâmica de 1979.
A revolução iraniana se beneficiou da glorificação dos "mártires da opressão" e do ciclo do luto, característico do xiismo. Foi no mês de muharram, quando os xiitas se recordam de seus imãs martirizados, que mais de 5 milhões de pessoas saíram às ruas de Teerã, em 1978, e se reuniram em torno do monumento do Sayyad, símbolo da dinastia Pahlevi, exigindo o "fim da tirania" e a fundação de uma república islâmica.
Muitas mulheres adotaram o véu como símbolo do protesto contra o xá Reza Pahlevi, apoiado pelos EUA. O grupo de "guardiãs da revolução" celebrou o Dia das Mulheres em 18 de maio de 1979. À época, proclamou-se uma nova Constituição, que incorporava o conceito de governo islâmico do aiatolá Khomeini.
A revolução foi o exemplo mais marcante da reafirmação islâmica nos tempos modernos, assustando EUA, União Soviética, Europa e países vizinhos, temerosos da exportação do modelo iraniano.
Os xiitas iraquianos, espelhados no exemplo de Khomeini -o aiatolá servia de referência para comunidades xiitas em partes do golfo Pérsico (sobretudo Bahrein), do Afeganistão e do Líbano-, criaram dificuldades ao sistema socialista e baathista.
No Irã, combateram-se as influências estrangeiras, perseguiu-se a comunidade cristã anglicana, e 52 americanos foram feitos reféns durante 444 dias.
Nos últimos anos, Teerã conseguiu melhorar as relações com os EUA e com as monarquias do golfo Pérsico -de maioria sunita.
Khatami, autor de "Islã, Diálogo e Sociedade Civil", afirma que a religião "é compatível com a noção de liberdade, racionalismo, desenvolvimento e direitos humanos" e admite que "uma das pragas que podem ser encontradas em sociedades religiosas, e infelizmente o mundo islâmico enfrentou isso, é o mal entendido de que, com a existência da religião, o homem não precisa da razão".
Para o líder iraniano, "é irônico que o conceito de tolerância adotado dos muçulmanos como resultado dos contatos com europeus seja, agora, oferecido pelos europeus aos muçulmanos como um conselho político e ético".
(PAULO DANIEL FARAH)



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