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Séculos de confronto nos Bálcãs
RODRIGO UCHÔA
COORDENADOR DE ARTIGOS E EVENTOS
Nos séculos 6º e 7º,
mais ou menos no
mesmo período histórico em que o profeta Muhammad fez a sua peregrinação de Meca para Medina, os
eslavos se assentaram numa região montanhosa que hoje conhecemos como Bálcãs. Alguns séculos depois, a história de eslavos, de
gregos e de albaneses se cruzaria e
se confundiria de modo indelével
com a história do islã.
Os turcos otomanos, povos
não-árabes convertidos ao islamismo, conquistaram Constantinopla no século 15, acabando com
o Império Bizantino. A expansão
otomana os levou a dominar a península balcânica, de tradição religiosa ortodoxa grega. Só foram
detidos às portas de Viena.
"Em quase 300 anos, a coexistência era mais aceita no Império
Otomano do que em toda a cristandade", afirmou à Folha Mark
Mazower, especialista em história
dos Bálcãs, autor de vários livros
sobre o assunto e professor da
Universidade de Londres.
Para o historiador, a intolerância religiosa entre católicos romanos e cristãos ortodoxos era enorme. Os camponeses teriam se beneficiado do governo otomano.
"Não havia um senso geral de
igualdade, mas, de um modo ou
de outro, eram todos súditos do
sultão."
De fato, cristãos e judeus eram
tolerados como "povos do livro",
apesar de enfrentar diversas discriminações: pagavam mais impostos do que os muçulmanos;
não podiam andar a cavalo; não
podiam usar verde -cor do islã-; havia limitação de altura para suas igrejas; e outras várias.
Em 1517 e em 1647, os otomanos
cogitaram a islamização forçada
dos Bálcãs, mas a oposição religiosa no próprio islã foi enorme,
já que a lei corânica proíbe isso.
"Já que os otomanos cobravam
mais impostos de praticantes de
outras religiões, não fazia sentido
islamizar à força", diz Mazower.
O sultão Mehmed 2º reconheceu, em meados do século 18, cristãos e judeus como "zimmi" (povos protegidos). Foi nessa época
que a Igreja Ortodoxa Grega adquiriu poderes políticos e tornou-se "a voz dos súditos ortodoxos
no império", segundo o sultão.
"Ser grego era ter certo prestígio, mas a maioria dos cargos militares e de administração só podia ser ocupada por muçulmanos,
o que levou muitos albaneses e
bósnios a "abraçar" a religião muçulmana", diz o jornalista cazaque Nursulan Surayev, que está
escrevendo um livro sobre história econômica do islã.
"Constantinopla era um centro
econômico importantíssimo. Só
para dar uma idéia de sua pujança, em 1600, a cidade tinha cerca
de 250 mil habitantes; Londres e
Paris tinham por volta de 200 mil,
cada; Roma, 100 mil; e Viena, 50
mil. Valia a pena se integrar ao
império", afirma Surayev.
Nacionalismos
Antes do século 19, um camponês bósnio não diria que era tão
diferente de um camponês búlgaro, por exemplo. Para Mazower,
"havia cristãos e muçulmanos.
Apesar do grande número de línguas e culturas, era essa a diferença essencial entre as pessoas".
Mas, após a Revolução Francesa, a idéia de Estado-nação montado sob uma população etnicamente homogênea tomou força.
Para o cientista político Carl
Anheim, da Universidade de Londres, foi entre os séculos 18 e 19
que se formaram os ódios religiosos e étnicos presentes até hoje.
Para ganhar a independência,
gregos e eslavos acabaram pedindo ajuda aos impérios que estavam em conflito com os otomanos: "Os britânicos tinham interesses enormes na África; os russos -ortodoxos e eslavos como
os sérvios, por exemplo- queriam garantir uma saída do mar
Negro para o Mediterrâneo e estavam em expansão na Ásia Central", conclui Anheim.
Com a ajuda desses impérios, os
Estados balcânicos que deram
origem aos atuais acabaram se
formando entre os séculos 19 e 20,
agrupando importantes minorias
religiosas e étnicas.
São essas minorias, hoje, que
pedem autonomia nos países de
religião ortodoxa, como Iugoslávia e Macedônia. Foi esse caldo de
séculos de lutas que desembocou
na intolerância e na barbárie que
vimos nos conflitos da Bósnia, de
Kosovo e da Macedônia.
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