São Paulo, domingo, 23 de setembro de 2001


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Séculos de confronto nos Bálcãs

RODRIGO UCHÔA
COORDENADOR DE ARTIGOS E EVENTOS

Nos séculos 6º e 7º, mais ou menos no mesmo período histórico em que o profeta Muhammad fez a sua peregrinação de Meca para Medina, os eslavos se assentaram numa região montanhosa que hoje conhecemos como Bálcãs. Alguns séculos depois, a história de eslavos, de gregos e de albaneses se cruzaria e se confundiria de modo indelével com a história do islã.
Os turcos otomanos, povos não-árabes convertidos ao islamismo, conquistaram Constantinopla no século 15, acabando com o Império Bizantino. A expansão otomana os levou a dominar a península balcânica, de tradição religiosa ortodoxa grega. Só foram detidos às portas de Viena.
"Em quase 300 anos, a coexistência era mais aceita no Império Otomano do que em toda a cristandade", afirmou à Folha Mark Mazower, especialista em história dos Bálcãs, autor de vários livros sobre o assunto e professor da Universidade de Londres.
Para o historiador, a intolerância religiosa entre católicos romanos e cristãos ortodoxos era enorme. Os camponeses teriam se beneficiado do governo otomano. "Não havia um senso geral de igualdade, mas, de um modo ou de outro, eram todos súditos do sultão."
De fato, cristãos e judeus eram tolerados como "povos do livro", apesar de enfrentar diversas discriminações: pagavam mais impostos do que os muçulmanos; não podiam andar a cavalo; não podiam usar verde -cor do islã-; havia limitação de altura para suas igrejas; e outras várias.
Em 1517 e em 1647, os otomanos cogitaram a islamização forçada dos Bálcãs, mas a oposição religiosa no próprio islã foi enorme, já que a lei corânica proíbe isso. "Já que os otomanos cobravam mais impostos de praticantes de outras religiões, não fazia sentido islamizar à força", diz Mazower.
O sultão Mehmed 2º reconheceu, em meados do século 18, cristãos e judeus como "zimmi" (povos protegidos). Foi nessa época que a Igreja Ortodoxa Grega adquiriu poderes políticos e tornou-se "a voz dos súditos ortodoxos no império", segundo o sultão.
"Ser grego era ter certo prestígio, mas a maioria dos cargos militares e de administração só podia ser ocupada por muçulmanos, o que levou muitos albaneses e bósnios a "abraçar" a religião muçulmana", diz o jornalista cazaque Nursulan Surayev, que está escrevendo um livro sobre história econômica do islã.
"Constantinopla era um centro econômico importantíssimo. Só para dar uma idéia de sua pujança, em 1600, a cidade tinha cerca de 250 mil habitantes; Londres e Paris tinham por volta de 200 mil, cada; Roma, 100 mil; e Viena, 50 mil. Valia a pena se integrar ao império", afirma Surayev.

Nacionalismos
Antes do século 19, um camponês bósnio não diria que era tão diferente de um camponês búlgaro, por exemplo. Para Mazower, "havia cristãos e muçulmanos. Apesar do grande número de línguas e culturas, era essa a diferença essencial entre as pessoas".
Mas, após a Revolução Francesa, a idéia de Estado-nação montado sob uma população etnicamente homogênea tomou força.
Para o cientista político Carl Anheim, da Universidade de Londres, foi entre os séculos 18 e 19 que se formaram os ódios religiosos e étnicos presentes até hoje.
Para ganhar a independência, gregos e eslavos acabaram pedindo ajuda aos impérios que estavam em conflito com os otomanos: "Os britânicos tinham interesses enormes na África; os russos -ortodoxos e eslavos como os sérvios, por exemplo- queriam garantir uma saída do mar Negro para o Mediterrâneo e estavam em expansão na Ásia Central", conclui Anheim.
Com a ajuda desses impérios, os Estados balcânicos que deram origem aos atuais acabaram se formando entre os séculos 19 e 20, agrupando importantes minorias religiosas e étnicas.
São essas minorias, hoje, que pedem autonomia nos países de religião ortodoxa, como Iugoslávia e Macedônia. Foi esse caldo de séculos de lutas que desembocou na intolerância e na barbárie que vimos nos conflitos da Bósnia, de Kosovo e da Macedônia.


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