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21/06/2010 - 21h02

"Zorra Total" transforma mulher em objeto, diz especialista; leia trecho

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Divulgação
Livro critica postura preconceituosa da TV brasileira em relação a homossexuais
Livro critica preconceito contra os gays na televisão brasileira

No mês do orgulho gay, alguns lançamentos voltados para o público GLS aquecem também o mercado editorial. Um dos títulos mais recentes é "A TV no Armário" , do jornalista Irineu Ramos Ribeiro, publicado pela Edições GLS, do grupo Summus.

Em sua obra, Ramos, que é mestre em comunicação pela Unip (Universidade Paulista), analisa como os homossexuais são retratados na mídia, seja em telejornais, seja em programas humorísticos ou de entretenimento.

O autor baseia suas análises na teoria queer, que discute gênero e sexualidade, e estuda como alguns telejornais cobriram uma edição da Parada Gay. Ramos aponta preconceitos até no extinto "Beija Sapo", que era apresentado na MTV.

Um dos casos mais preconceituosos contra gays na televisão é o do "Zorra Total", programa da TV Globo há mais de uma década no ar. Para Ramos, homofobia da atração estende-se até na forma como as mulheres são retratadas, apresentadas como objeto de desejo do homem.

João Miguel Júnior/TV Globo
Quadro do porteiro Severino, interpretado por Paulo Silvino, é carregado de preconceitos, segundo livro
Quadro do porteiro Severino, interpretado por Paulo Silvino, é carregado de preconceitos, segundo livro

Leia trecho de "A TV no Armário"

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Entra então o ator Paulo Silvino (Severino), com ar desentendido, dizendo: "Diretor, eu estava lá portaria..." O diretor o interrompe e diz que precisa de um espelho. Severino rebate: "Eu, hein... vai querer retocar a maquiagem na hora do serviço?" O diretor então tenta explicar a necessidade de continuar o ensaio e diz a Severino que ele precisa apenas ficar parado, repetindo todos os movimentos que a pessoa fizer. Nesse momento o diretor começa a rebolar e a desmunhecar.

A partir daí, tem início uma sequência de frases carregadas de preconceito. Desqualificando os gestos do diretor, Severino aponta e diz que aqueles são gestos de uma bichona. "É uma bichona de Carmem Miranda fazendo tudo o que a pessoa fizer" (e reproduz os gestos com os braços no ar, tão característicos das apresentações da cantora). Mais uma vez a programação televisiva reproduz uma visão heterocentrada da sociedade, na qual personagens que fogem dos padrões estabelecidos para o homem são desqualificados. No caso, portanto, a "bichona" tem de ser ridicularizada e é associada à figura da mulher, feminina. Essa associação com a figura feminina, sensível, delicada, é tratada como algo inferior. Segundo Judith Butler, vive-se numa sociedade em que o homem está em oposição à mulher, tanto na questão do sexo quanto do gênero. Como esses padrões foram estabelecidos em bases masculinas, é possível pensar que a definição de oposição embute uma grande raiva pelo gênero feminino.

Severino, num primeiro momento, recusa-se a participar do quadro e reforça a sua posição de porteiro, exibindo seu crachá. Ele pega então o cartão de identificação do diretor e diz que está com a foto da Cláudia Rodrigues, outra atriz Global. Mais uma vez, usa a figura feminina para contrapô-la à posição masculina numa expressão desclassificatória.

Entretanto, quando Severino conhece a mulher com quem vai contracenar, muda de opinião e concorda imediatamente em colaborar com o ensaio. A atriz em questão é uma mulher exuberante e de corpo escultural. Nessa abordagem, a mulher torna-se o objeto de desejo do homem. A desqualificação não se restringe às insinuações aos gays, mas também às mulheres, vistas apenas como uma peça para o deleite do homem. Volta-se ao ensaio e a atriz canta, dirigindo-se ao espelho: "Será que o Betinho está chegando?" Em seguida ouve-se um grito e um ator (Ricardo Graça) de brincos de argola, com trejeitos femininos, blazer rosa, entra gritando: "Querida, desculpa o atraso. Cheguei. Mona [tratamento utilizado por travestis que significa "mulher", mas que atualmente está em desuso], você está arrasando. Depois se vira para o "espelho" e diz: "Deixa ver se estou à sua altura". E faz um monte de gestos até chegar a beijar o "espelho" (que tem o Severino do outro lado da moldura).

Nesse momento, Severino "estranha" o comportamento e interrompe a cena. O diretor grita que ele tem de fazer tudo que o ator fizer. Severino diz que não tem jeito para fazer certas coisas. É claro que "certas coisas" estão associadas à malícia, ao comportamento não condizente com o padrão heterossexista estabelecido. E sugere que é melhor o diretor ensaiar aquela cena, "pois o senhor tem mais know-how"; E diz: "Antigamente o senhor trazia o Paulão nessas horas (um negro alto, musculoso, viril e de mau humor) e agora traz esse rapaz que parece uma moçoila para ficar me espelhando com beijo?" A cena acaba na sequência.

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"A TV no Armário"
Autora: Irineu Ramos Ribeiro
Editora: Edições GLS
Páginas: 136
Quanto: R$ 31,90 (veja preço especial)
Onde comprar: Pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Livraria da Folha

 
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