Livraria da Folha

 
08/07/2010 - 17h33

Troca de corpos marca "Cabeça de Vento", novo romance de Meg Cabot; leia 1º capítulo

da Livraria da Folha

Divulgação
Após acidente, estudante assume a vida de uma supermodelo
Após acidente, estudante assume a vida de uma supermodelo

"Cabeça de Vento" possui uma história curiosa. Neste novo livro de Meg Cabot, escritora queridinha das adolescentes e responsável pela série "O Diário da Princesa", a protagonista é uma jovem estudante com alguns complexos que acaba ocupando o corpo de uma supermodelo.

Na história, o primeiro dos grandes problemas da garota é ter um nome masculino. Emerson Watts odeia se chamar Emerson. "Papai insistiu em me dar o nome do seu poeta favorito. Isso é o que você ganha quando se é filha de um professor universitário de literatura inglesa", avisa.

Emerson é diferente das outras meninas. Inteligente e apreciadora de videogames ela tem que lidar com o fato de não pertencer ao time das garotas mais bonitas do colégio. Christopher, seu melhor amigo, também não percebe que ela tem uma quedinha por ele.

A virada na rotina da protagonista se dá quando sua irmã caçula pretende ir a uma inauguração de uma loja. Em meio aos acontecimentos do evento - cheio de celebridades e anônimos - um grupo de manifestantes resolve protestar contra a abertura da Stark Megastore alegando que seu monopólio acaba com o comércio de rua.

Eis que então um terrível acidente acontece, mudando radicalmente a vida de Emerson. Ao acordar em um hospital, a garota se vê dentro do corpo de outra pessoa, a supermodelo Nikki Howard, que obviamente não tem um estilo muito parecido com o seu.

Leia o primeiro capítulo de "Cabeça de Vento".

*

UM

-EMERSON WATTS - CHAMOU O SR. GREER, PROFESSOR DA primeira aula, que ensinava como falar em público, arrancando-me de um cochilo.

Bem, não importa. Será que as pessoas realmente esperam que você esteja alerta às 8h15 da manhã? Fala sério.

-Aqui - respondi, erguendo a cabeça do tampo da mesa de forma brusca e passando a mão disfarçadamente no canto da boca, para verificar se eu não tinha babado.

Mas acho que não fui discreta o suficiente: Whitney Robertson, sentada com aquelas longas pernas bronzeadas cruzadas sob a mesa a alguns metros de onde eu estava, deu uma risadinha e sussurrou: "ridícula."

Lancei-lhe um olhar fulminante e respondi, em silêncio, vai se ferrar.

Em resposta ela estreitou os olhos azuis-claros bem maquiados e disse, fazendo o mesmo, vai sonhando.

-Em - disse o Sr. Greer com um bocejo. Acho que ele também deve ter ficado acordado até tarde na noite passada, só que não acho que tenha sido porque precisava terminar o dever de casa para esta aula, como foi o meu caso. - Não estou fazendo a chamada. É a sua vez de apresentar para a turma seu trabalho de dois minutos sobre persuasão. Invertemos a ordem alfabética, lembra?

Olha, ninguém merece.

Desgostosa, saí de trás da minha mesa e fui até a frente da sala, enquanto todos os alunos riam. Todos exceto Whitney, percebi. Isso porque ela segurava o estojo de pó-compacto que tirara da bolsa e olhava fixamente para o próprio reflexo. Lindsey Jacobs, sentada na fileira ao lado dela, olhou para Whitney e sussurrou:

-Esse batom tem tudo a ver com você.

-Eu sei - murmurou Whitney, ainda se olhando no espelho.

Segurei a vontade de fazer uma piada - porque estava prestes a falar em público e não por causa da conversinha delas... embora eu ache que isso pudesse ter alguma coisa a ver - e me virei para encarar a turma. Vinte e quatro rostos sonolentos piscaram para mim.

Então me dei conta de que havia esquecido completamente a redação que passei metade da noite escrevendo.

-Muito bem, Emerson - declarou o Sr. Greer. - Você tem dois minutos. - Ele olhou para o relógio. - E...

Impressionante. No segundo em que ele disse aquilo, me deu um branco ainda maior. Tudo no que eu conseguia pensar era... Como ela sabe? Quero dizer, como Lindsey sabe que aquele tom de batom fica bem em Whitney? Já tenho quase 17 anos e ainda não faço a menor ideia de que tom de batom fica bem em mim... Ou em qualquer outra pessoa, diga-se de passagem.

Acho que a culpa é do meu pai. Para começar, foi ele que me deu um nome de garoto porque tinha certeza de que seu bebê seria um menino (apesar de a ultrassonografia dizer o contrário) porque eu chutava muito a mamãe quando ainda estava em sua barriga. Papai insistiu em me dar o nome do seu poeta favorito. Isso é o que você ganha quando se é filha de um professor universitário de literatura inglesa. Acho que mamãe ainda estava sob o efeito da anestesia ou algo assim, já que deixou que isso acontecesse, mesmo depois que o resultado da ultrassonagrafia se confirmou. Então Emerson Watts é o nome que consta na minha certidão de nascimento.

Eu sei. Fui vítima de estereotipagem sexual quando ainda estava no ventre da mamãe. Quantas garotas podem dizer isso?

-...comece - disse o Sr. Greer, ligando o cronômetro.

E, em um estalar de dedos, toda a pesquisa que fiz na noite anterior voltou à minha mente.

Ufa.

-As mulheres - comecei - representam 39% dos usuários de jogos interativos em computadores. Ainda assim, apenas uma pequena fração desses é voltada para elas na indústria dos games, que movimenta cerca de 35 bilhões de dólares no mundo.

Fiz uma pausa... Mas não importava.

Acho que não podia culpá-los. Afinal de contas, ainda era cedo demais.

Nem mesmo Christopher, que mora no meu prédio e supostamente era o meu melhor amigo, estava prestando atenção. Ele estava sentado ereto na última fileira, onde sempre costumava ficar.

Mas seus olhos estavam fechados.

-Um estudo - continuei - feito pelo Instituto de Pesquisa de Estudos Avançados da Universidade da Califórnia mostrou que a porcentagem de mulheres que se formam em Computação caiu e está agora em menos de 30%. A Ciência da Computação é o único campo em que a participação das mulheres está caindo com o passar dos anos...

Ai, meu Deus. Ninguém da turma estava acordado, a não ser eu. Até mesmo os olhos do Sr. Greer se fecharam.

Maravilha. Isso mesmo, Sr. Greer, é melhor ser parte do problema, e não da solução.

-Muitos pesquisadores acreditam que isso ocorre porque o nosso sistema educacional não está conseguindo atrair as meninas para as ciências, especialmente para a área de Computação, durante o ensino médio - insisti, olhando diretamente para o Sr. Greer.

Não que ele tenha notado. Já que estava roncando baixinho.

Demais. Realmente ótimo. Tipo, eu fiquei meio animada quando recebi o assunto do meu trabalho, porque, sinceramente, eu gosto de jogos de computador. Bem, de um jogo de computador, para ser específica.

-Então, o que pode ser feito para que as garotas se interessem mais por jogos? - prossegui, desesperada. - Os estudos demonstram que eles aumentam a capacidade de resolver problemas, estimulam as habilidades estratégicas, além de ajudarem no desenvolvimento de habilidades sociais de interação e cooperação.

Percebi que não estava adiantando. Sério.

-Bem - tentei. - Eu poderia tirar a roupa e revelar que, por baixo da calça jeans e do casaco de moletom, estou usando um top justo e um short bem curtinho, tipo o que Lara Croft usa em Tomb Raider... Só que o meu é de um material à prova de fogo e coberto com adesivos de dinossauros fosforescentes.

Ninguém se mexeu. Nem mesmo Christopher, que é doido pela Lara Croft.

-Sei o que vocês estão pensando - continuei. - Adesivos de dinossauros fosforescentes são coisas do passado. Mas acho que eles acrescentam certo je ne sais quoi à produção. É verdade. Usar um short curto por baixo da calça jeans é bastante desconfortável e difícil de tirar no banheiro, mas o short tem coldres de fácil acesso onde carrego as minhas duas pistolas de alto calibre...

O sinal do cronômetro soou.

-Obrigado, Em - agradeceu o Sr. Greer, bocejando.

- Você foi muito persuasiva.

-Eu é que agradeço, Sr. Greer - respondi com um sorriso largo.

Ainda bem que meus pais não estão pagando pelos meus estudos, já que tenho uma bolsa escolar integral no Tribeca Alternative.

Eu tenho sérias reservas em relação à educação que estou recebendo aqui.

Voltei para o meu lugar enquanto o Sr. Greer perguntou, acho que para si mesmo:

- Agora, quem será a próxima? Ah, sim. Whitney Robertson. - Sr. Greer sorriu. Afinal, todos sorriem quando dizem o nome de Whitney. - Sua vez.

Whitney - que passou um pouco de pó no nariz assim que o professor chamou - fechou o estojo de maquiagem com um estalo e descruzou as pernas. Sei que não fui a única a ter um relance da tanga de oncinha que ela usava. De repente, todos pareciam estar bem acordados.

-Pronta para começar - respondeu Whitney com um sorriso, enquanto erguia o corpo alto e magro da carteira e caminhava de forma elegante até a frente da sala, apesar dos sapatos de salto plataforma de dez centímetros. Sério, como as garotas conseguem fazer isso? Se eu tentasse caminhar com saltos de dez (ou até mesmo de cinco) centímetros, com certeza tropeçaria e cairia de cara no chão. Ela caminhou por entre as fileiras, com a saia ondulando atrás dela. Quando se virou para olhar a turma, não havia uma só pessoa que não estivesse com os olhos grudados nela. Exceto Christopher, notei quando me virei para verificar. Ele ainda dormia profundamente.

-E... comece - disse o Sr. Greer, ajustando o cronômetro.

-Vou falar sobre por que eu - começou Whitney, com voz doce e totalmente diferente da que usa quando está me provocando - não acredito na ilusão de que os padrões da civilização ocidental para a beleza feminina estão altos demais. Muitas mulheres reclamam que a indústria da moda e do cinema está destruindo sua autoestima. Elas querem que essas indústrias empreguem mais, abre aspas, mulheres acima do peso, fecha aspas. Acho isso ridículo!

Whitney jogou para trás uma mecha do cabelo comprido e louro, que parecia tingido - pelo menos essa era a opinião da minha irmã mais nova, Frida, que sabe tudo sobre esse tipo de coisa -, e perguntou, com os olhos azuis brilhando de indignação:

-Como o fato de promover um peso saudável, que os cientistas determinaram como um índice de massa corporal abaixo de 24.9, pode ser um ataque à autoestima das mulheres? Se algumas mulheres são preguiçosas demais para fazer ginástica porque ficam sentadas o dia inteiro jogando videogames, bem, isso é problema delas. Mas não podem sair por aí acusando aquelas que cuidam bem do corpo de serem sexistas ou de estimular padrões de beleza impossíveis de serem alcançados... principalmente quando existem tantas mulheres que são uma prova viva de que esses padrões são completamente possíveis.

Meu queixo caiu. Olhei em volta para ver se mais alguém estava tão surpreso quanto eu. Essa era a interpretação de Whitney sobre o tema que o Sr. Greer passou para a exposição persuasiva com dois minutos de duração? Que mulheres normais deveriam parar de culpar a mídia por usar modelos e atrizes esqueléticas como o ideal de beleza?

Aparentemente, eu era a única na sala a achar que ela estava errada. Pelo menos era o que indicavam os olhares extasiados que todo mundo (quer dizer, pelo menos a ala masculina da turma) lançava para Whitney.

-Por exemplo, querer ser tão bonita quanto Nikki Howard - continuou Whitney, citando a nova It Girl do cenário fashion -, fosse algo realmente errado, será que as mulheres gastariam cerca de 33 milhões de dólares por ano para perder peso, outros sete bilhões em cosméticos e pelo menos trezentos milhões em cirurgias plásticas? É claro que não! As pessoas não são burras! Elas sabem que, com um pouco de esforço e um pouco de dinheiro, podem ser tão atraentes quanto... Bem, eu.

Whitney jogou o cabelo comprido para trás do ombro e seguiu com seu discurso.

-Algumas pessoas - insira o nome de Emerson Watts aqui foi o que o olhar que ela lançou em minha direção quis dizer - podem achar que sou metida por dizer que sou atraente. Mas a verdade é que a beleza não tem a ver com medir 1,70m e vestir manequim 36. O acessório mais importante que uma garota pode ter é confiança... e acho que posso dizer que tenho bastante!

Whitney ergueu os ombros de forma inocente e quase todos os garotos - e metade das garotas - da turma suspiraram enquanto a observavam, cheios de admiração. Virei para trás e fiquei aliviada ao perceber que a cabeça de Christopher estava tombada sobre o peito e ele dormia profundamente. Um cara - entre catorze - estava a salvo.

Olhei para a frente de novo a tempo de ouvir Whitney dizer:

- E a verdade é que, ao contrário do que a mídia nos diz sobre esse ideal ser inatingível e as mulheres estarem morrendo para serem magras, a única coisa matando as mulheres neste país é a obesidade, que já atingiu proporções epidêmicas.

Todos na sala concordaram com a cabeça, como se o que Whitney tinha acabado de dizer fizesse todo o sentido do mundo. O que não era o caso. Pelo menos não para mim.

-Bem - finalizou Whitney. - Isso é tudo. Será que já se passaram dois minutos?

Bem na hora, o cronômetro do Sr. Greer soou. Ele brilhou de satisfação.

- Exatamente dois minutos. Excelente trabalho, Whitney.

Ela sorriu de forma afetada mais uma vez e voltou para o seu lugar. Como eu vi que ninguém diria alguma coisa - como sempre -, ergui a mão.

-Sr. Greer.

Ele me lançou um olhar cansado.

-Sim, Srta. Watts?

-Sério - comecei a falar, baixando a mão. - Pensei que o objetivo desse discurso persuasivo de dois minutos fosse persuadir nosso público sobre algo, usando fatos e estatísticas.

-E foi exatamente isso o que fiz - disse Whitney, sentando-se.

-Tudo o que você fez - respondi - foi fazer com que todos nesta sala que não são magros e perfeitos como Nikki Howard se sentissem péssimos consigo mesmos. Que tal mencionar o fato de que a maioria de nós nunca se parecerá com ela, não importa o quanto tente ou quanto dinheiro gaste?

O som longo e alto do sinal soou. Acho que dormi mais do que pensei, porque a aula pareceu ter voado.

Enquanto todos saíam de suas mesas para seguirem para a próxima aula, Lindsey se levantou e me disse:

-Você só está com inveja.

-Isso mesmo - concordou Whitney, passando a mão pelas coxas magras. - E você entendeu bem uma coisa, Em: não importa o quanto você tente, nunca ficará bonita.

Rindo do próprio comentário, Whitney se apressou para sair da sala. Lindsey a seguiu, dando risinhos e me deixando sozinha com o Sr. Greer. E Christopher.

-Você pode falar sobre isso na semana que vem se quiser, Em - ofereceu Sr. Greer, solícito -, quando faremos a réplica aos discursos de persuasão.

Lancei um olhar fulminante para o professor.

-Obrigada, Sr. Greer - agradeci.

Ele deu de ombros, parecendo envergonhado. Virei para Christopher, que estava acordando, e disse:

-Obrigada a você também. Você me deu um grande apoio.

Piscando cheio de sono, Christopher esfregou os olhos.

-Cara, eu ouvi cada palavra que você disse - declarou ele.

-Sério? - perguntei, erguendo a sobrancelha. - Qual foi o tema do meu trabalho mesmo?

-Hã... Não estou bem certo - disse ele, com um sorriso de lado nos lábios. - Mas sei que tinha a ver com um short curto e adesivos fosforescentes de dinossauros.

Meneei a cabeça devagar. Às vezes, acho que o colégio é um tipo de teste imposto pela sociedade para ver ser os adolescentes conseguirão sobreviver no mundo real.

E eu tenho certeza de que não estou indo nada bem nesse teste.

*

"Cabeça de Vento"
Autora: Meg Cabot
Editora: Galera Record
Páginas: 320
Quanto: 32,90 (veja preço especial)
Onde comprar: 0800-140090 ou na Livraria da Folha

 
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