Livraria da Folha

 
17/08/2010 - 15h00

Suspense e morte em vilarejo da Normandia dominam o thriller "Arrebentação"

da Livraria da Folha

Divulgação
Bióloga vive suspense em isolado vilarejo litorâneo da França
Bióloga vive suspense em isolado vilarejo litorâneo da França

"Arrebentação" (Alfaguara, 2010), premiado romance da escritora francesa Claudie Gallay, narra a história cheia de suspense de uma ex-professora de biologia que após perder um grande amor, se refugia em La Hague, um lugar isolado na Normandia (noroeste da França), região litorânea golpeada por tempestades e pela intensidade das marés.

Aos poucos, a protagonista conhece os moradores locais e entende o funcionamento das relações no vilarejo. Há uma mulher que parece ser louca e caminha com uma mortalha pela orla, uma dona de bar com sua amarga mãe e também um ex-faroleiro recluso. Todos em algum tipo de fuga do passado.

A chegada de Lambert, um homem envolto por mistérios, irá quebrar a instabilidade do lugar.

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O título recebeu mais de cinco premiações na França, entre elas o grande prêmio das leitoras da revista "Elle", considerado um dos principais reconhecimentos literários de júri público do país.

"Arrebentação" é o primeiro romance de Gallay publicado no Brasil. Ela também é autora de "L'amour est une île" (Éditions Actes Sud, 2010) e "Dans l'or du temps" (Éditions du Rouergue, 2006), entre outros.

Leia trecho.

*

A primeira vez que vi Lambert foi no dia da grande tempestade. O céu estava escuro, fechado, já trovejava forte ao largo.

Ele chegara um pouco antes de mim, sentara-se na varanda, uma mesa ao ar livre. Com o sol na cara, esgarçava o rosto, parecia chorar.

Observei-o não porque escolhera a pior mesa, tampouco por aquela careta. Observei-o porque fumava como você, os olhos no vazio, passando o polegar nos lábios. Lábios secos, talvez mais secos que os teus.

Achei que era jornalista, uma tempestade equinocial poderia render boas fotos. Atrás do quebra-mar, o vento escavava as ondas, impelia as correntes, as da passagem Blanchard, dos rios escuros vindos de bem longe, dos mares mais ao norte ou dos abismos do Atlântico.

Morgane saiu do restaurante. Viu Lambert.

- O senhor não é daqui - ela disse, perguntando o que ele queria.

Exibia o tom mal-humorado dos dias em que tinha de servir fregueses quando o tempo estava ruim.

- Está aqui pela tempestade?

Ele fez que não com a cabeça.

- Então é por Prévert? Todo mundo vem aqui por causa de Prévert...

- Procuro um quarto para passar a noite - ele terminou por dizer.

Ela deu de ombros.

- Não somos hotel.

- Onde posso achar um?

- Tem um na aldeia, em frente à igreja... ou então em La Rogue. Longe do mar. Meu patrão tem uma amiga, uma irlandesa, ela tem uma pensão... Quer o número?

Ele balançou a cabeça.

- E comer, é possível?

- São três horas...

- E daí?

- Às três horas, é só sanduíche de presunto.

Ela apontou para o céu, o rastilho de nuvens que avançava. O sol passava um pouco por baixo. Mais dez minutos e seria noite.

- Vai ser um dilúvio! - ela disse.

- O dilúvio não é um empecilho. Seis ostras e um copo de vinho?

Morgane sorriu. Lambert até que era um tipo atraente. Sentiu vontade de desafiá-lo.

- Na varanda, servimos apenas bebidas.

Eu tomava um café preto, duas mesas atrás dele. Não havia outros fregueses. Até mesmo lá dentro estava vazio.

Plantas rasteiras com a folhagem cinzenta enraizavam-se nas fissuras das pedras. Com o vento, pareciam rastejar.

Morgane suspirou.

- Preciso perguntar ao patrão.

Parou na minha mesa, suas unhas vermelhas dedilhando na beirada do tampo de madeira.

- Vêm todos por causa de Prévert... Por que outro motivo viriam aqui?

Deu uma olhada por cima do ombro e desapareceu no interior. Achei que não voltaria, mas saiu novamente no fim de um instante com um copo de vinho, pão num pires e as ostras sobre uma camada de algas, e colocou tudo diante dele.

O número da irlandesa também.

- O patrão disse que tudo bem quanto às ostras, mas do lado de fora é sem toalha... e tem que ser rápido, porque o céu vai desabar.

Pedi um segundo café.

Ele bebeu o vinho. Segurava errado o copo, mas era um comedor de ostras.

Morgane empilhou as cadeiras, empurrou todas elas contra a parede e as prendeu com uma corrente. Acenou para mim.

De onde eu estava, eu via tudo do porto. La Griffue, era lá que morávamos, ela com seu irmão Raphaël, no térreo; eu, sozinha no apartamento de cima.

Cem metros depois do restaurante, com apenas o cais para atravessar, uma casa construída no fim da estradinha, quase no mar. Ao seu redor, nada. Nos dias de tempestade, apenas o dilúvio. As pessoas daqui diziam que era preciso ser louco para morar num lugar assim. Deram-lhe esse nome, La Griffue, por causa do barulho de garras feito pelos galhos das tamargueiras ao assobiarem perto das janelas.

Antes, tinha sido um antigo hotel.

Antes, quando?

Nos anos 70.

Não era muito grande para um porto. Um lugar como um fim de mundo, com um punhado de homens e apenas alguns barcos.

La Hague.

A oeste de Cherbourg.

Leste, oeste, sempre confundi.

Eu tinha chegado aqui no outono, com os gansos selvagens, já fazia um pouco mais de seis meses. Trabalhava para o Centro Ornitológico de Caen. Observava as aves, contava-as, passara os dois meses de inverno estudando o comportamento dos biguás nos dias de frio intenso. Seu olfato, sua visão... Horas do lado de fora, no vento. Com a chegada da primavera, passei a estudar as migratórias, contava os ovos, os ninhos. Era repetitivo. Eu precisava disso. Investigava também as causas da queda de sua população no setor de La Hague.

Ganhava pouco.

Mas tinha um teto.

E nunca tinha visto uma grande tempestade.

*

"Arrebentação"
Autora: Claudie Gallay
Editora: Alfaguara
Páginas: 448
Quanto: R$ 48,90 (preço especial, por tempo limitado)
Onde comprar: pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Livraria da Folha

 
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