Livraria da Folha

 
24/08/2010 - 12h13

Não sei por que não podemos viver onde bem entendermos, diz criador de "Gefangene"

FELIPE JORDANI
colaboração para a Livraria da Folha

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Crítica, ilustração de Koostella sobre a Oktoberfest denuncia desigualdade nas relações sociais e raciais
Crítica, ilustração de Koostella sobre a Oktoberfest denuncia desigualdade nas relações sociais e raciais
Arquivo pessoal
Quadrinista curitibano Koostella com exemplar do livro "Gefangene: Sem Saída"
Quadrinista curitibano Koostella com exemplar do livro "Gefangene: Sem Saída"

O quadrinista curitibano Koostella, 30, é responsável pelo "Gefangene: Sem Saída", polêmico lançamento de quadrinhos da editora Zarabatana Books.

A HQ fala sobre prisões em geral e faz críticas específicas à prisão de Guantánamo, às torturas nas prisões de Abu Ghraib no Iraque, à pena de morte e aos casos de pedofilia da Igreja Católica.

Com surrealismo, humor cáustico, violência explícita e personagens psicóticos, o livro não usa falas e tem todas as suas páginas divididas em nove quadros, como as grades da janela de uma prisão.

Casado com uma alemã, o cartunista viveu na Alemanha durante anos e sofreu com o fato de ser um estrangeiro na "terra do chucrute". Foi esse tratamento que o inspirou a fazer "Gefangene: Sem Saída".

A Livraria da Folha conversou, por email, com Koostella, que mora atualmente na cidade de Basel, na Suíça.

Veja entrevista, com ilustração do quadrinista e trechos de "Gefangene: Sem Saída".

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Livraria da Folha: Pode falar de sua trajetória nos quadrinhos?
Koostella: Aos 4 anos, comecei a desenhar. Aos 15, em 1995, fazia um fanzine grunge xerocado chamado "Tonhonhóim" para vender na escola. Na universidade, quando estudei história, eu fazia charges para o jornal do DCE. Em 2002, comecei a publicar charges no jornal "O Pasquim 21", quando lancei um pequeno livro de tirinhas "Quem é Toniolo?" (Alcance), com um assunto também polêmico que falava de um pichador que apavorava a cidade de Porto Alegre há 30 anos. Quando fui morar na Alemanha, em 2003, comecei a publicar tirinhas que ironizavam a vida do imigrante, numa revista de Berlin chamada "Brazine", e depois passei a fazer diversas exposições de cartuns por lá. Hoje em dia, mantenho meu blog, faço ilustrações para cartazes de festas, peças de teatro, capas de CD, camisetas, faço exposições e acumulo páginas de livros em quadrinhos para futuras publicações.

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Humor cáustico, violento e provocativo marca o trabalho do cartunista brasileiro morador de Basel, na Suíça
Humor cáustico, violento e provocativo marca o trabalho do cartunista brasileiro morador de Basel, na Suíça

Livraria da Folha: Como foi o processo de produção do "Gefangene"? Quanto tempo levou?
Koostella: Eu comecei a desenhar o livro "Gefangene: Sem Saída" na Alemanha em janeiro de 2007. Terminei em outubro do mesmo ano. Em 2008, eu me mudei de volta para o Brasil e acrescentei mais algumas histórias. Em 2009, encontrei um patrocínio. Foi um processo lento. Só saiu agora em 2010, depois de quase três anos.

Livraria da Folha: Você também se baseou no sistema prisional brasileiro?
Koostella: Não exatamente nesse ou naquele. Me baseei no sistema prisional como um todo, que está até mesmo fora da cadeia. Em qualquer lugar do mundo você pode estar preso à alguma coisa, e esta será sua prisão até que você se liberte. No entanto, no meu livro, como o subtítulo já diz, não há saída. Meu objetivo não é exatamente libertar ninguém, apenas contar histórias de horror que provoquem reflexão.

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O que me levou a desenhá-lo foi uma vontade imensa e bem pessoal de dizer o que me incomoda no mundo. A história do soldado russo, por exemplo, foi inspirada em uma reportagem da Folha.com, que contava um episódio deprimente, onde sentinelas das muralhas de um presídio brasileiro tiravam folga e colocavam um manequim a vigiar os presos. Outro exemplo, é a história que se passa em Abu Ghraib, no Iraque. O que me levou a desenhar aquilo foi uma pergunta muito simples que me incomodava: para quem eles pretendiam mostrar aquelas fotos quando elas foram tiradas?

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Livraria da Folha: Algum material ficou de fora? Os editores chegaram a ter algum receio com relação ao conteúdo?
Koostella: Assim que retornei pro Brasil, já saí procurando editores. Parece que eles gostaram do conteúdo desde o início, nunca tentaram cortar nenhuma história, por mais polêmicas que elas parecessem. O que tornava difícil a publicação, era o fato de eles apostarem em um autor novo fazendo um álbum colorido de 72 páginas, que sai bastante caro. Nenhum editor gosta de correr um risco muito grande. Então, fui atrás de alguém que bancasse essa publicação. Em 2009, o livro foi aprovado pelo edital Elisabete Anderle de Estímulo à Cultura, em Santa Catarina, e assim foi possível publicá-lo.

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Livraria da Folha: O livro foi publicado em outros países?
Koostella: A Comic Shop de Basel [na Suíça] já tem o "Gefangene: Sem Saída" na prateleira, mas infelizmente ainda é importado por mim mesmo. Quero oferecer o livro a editoras na Europa. O bom é que não precisa nem ser traduzido.

Livraria da Folha: Como os leitores têm recebido seu trabalho? Recebeu elogios pelo teor crítico e/ou reclamações pelo conteúdo forte?
Koostella: Algumas pessoas ficam assustadas com o teor hard core do livro, eu sei, mas até agora ninguém ainda me xingou. Tenho recebido diversos elogios e fiquei feliz ao perceber que os leitores têm compreendido seu conteúdo mesmo sem palavras.

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Livraria da Folha: Poderia explicar como foi o seu aprisionamento fora (na Alemanha)? Foi um aprisionamento dentro da identidade de forasteiro?
Koostella: Ser estrangeiro é bem difícil. Sair da acolhedora pátria amada para ser vizinho de cela de turcos e africanos na Europa é uma experiência marcante. A sensação é de estar sempre devendo uma explicação às autoridades. Tem que ter muita paciência e disposição pra não ficar com medo de tanta burocracia. Nasci em Curitiba, cresci em Florianópolis, morei dois anos em Porto Alegre, nunca me senti gaúcho, catarinense ou paranaense. Sempre fui um expatriado. Depois fiquei cinco anos na Alemanha onde não me identificava com os clichês brasileiros que serviam de ponto de referência aos alemães. Então, fui morar um ano e meio em Salvador onde eu era chamado de gringo, e agora estou em Basel, onde vivem tantos estrangeiros que quase não ouço ninguém falando alguma das quatro línguas oficiais [da Suíça] na rua. Mesmo tendo morado em tantos lugares diferentes, ainda não entendo completamente por que é que não podemos simplesmente viver onde bem entendermos.

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"Gefangene: Sem Saída"
Autor: Koostella
Editora: Zarabatana Books
Páginas: 72
Quanto: R$ 24,90 (preço especial, por tempo limitado)
Onde comprar: 0800-140090 ou na Livraria da Folha

 
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