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09/09/2010 - 16h11

Estante GLS: Casal lésbico tem relação abalada por admiradora secreta

da Livraria da Folha

Divulgação
Carolina e Gisa passam por crise em seu casamento de alguns anos
Carolina e Gisa passam por crise em seu casamento de alguns anos
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Em "Amores Cruzados" (Editora Malagueta, 2009), a escritora Fátima Mesquita acompanha a ascensão do amor e também da repulsa entre três mulheres. Carolina, a protagonista, está em crise. Casada com Gisa, ela se sente insatisfeita e desencantada pelos anos que passou ao lado da companheira.

No entanto, o casal possui uma relação sólida, firmada por alguns anos de convivência e respeito. Uma admiradora (Nara) invade a trama e envia enigmas para Carolina. Essas pequenas doses de suspense preenchem as fantasias da protagonista.

No trecho abaixo, Carolina relata o prazer que sentiu ao transar com Gisa, sua mulher, apesar da crise pela qual as duas estavam passando. Em um misto de culpa e paixão, ela descreve até como chegou ao orgasmo, "o Grande", segundo a narradora.

*

Bati meus olhos na Gisa ali deitada na cama, despreparada para o mundo, sem guardas, e achei que era hora de invadir aquela praia, de fazer castelos de areia naquelas paragens. E fui chegando devagar e nua, colocando minha pele contra a dela. Meus seios contra as costas dela, em movimento. Depois semeei beijos aqui e ali. Até que ela, agora já muito acordada, se virou para mim, com apetite, e me puxou assim para um abraço apertado que foi só o começo daquela viagem dentro da viagem.

Mas enquanto a gente transava, meu cérebro passava a limpo algumas das mensagens mais picantes de Nara, como se as datilografasse em uma máquina de escrever das antigas. E aquela sensação de traição e perigo, de ter comigo uma perigosa assassina apaixonada de plantão, me enchia de energia, de modo que eu e a Gisa tivemos uma recaída. Parecia que a gente tinha se conhecido naquele mesmo dia ali, na praia. E que havia se apaixonado segundos antes e que estava junto na cama pela primeiríssima vez, devorando tudo com aquela avidez típica e única de uma estreia.

Chuva de verão. Raio. Relâmpago. Trovão.

A língua afiada da Gisa colocou em ebulição as minhas moléculas de água. Todas elas saíram trombando umas nas outras. E mais uma e mais uma e mais uma e mais uma e mais. E daí a pouco, tudo já borbulhava. Pele, coxa, dedos, pelos. Tudo pronto para se evaporar no ar e subir serelepe em contornos de névoa e fumaça, até dar lá em cima num canto do céu do quarto em forma de nuvem. Uma dezena de carregadas nuvens de prazer balançando entre as minhas pernas. Não, entre os dez mil dedos da Gisa. Não, entre os feixes de músculo do meu coração. Não, não sei. Não dá para dizer.

Gisa se mete dentro das minhas pernas. Gisa está em todo canto. E eu fico ali, derretida, covarde, líquida. Tentando achar forma para um corpo que agora quase nem existe. Um corpo assim perdido dos seus maus-contornos. Um corpo solto no quarto, que paira acima da cama. Um ou dois corpos? Será?

As gotas caem sem aviso. Todas de uma vez. Catabum! Tambor de floresta tropical. As gotas caem comandadas por este mega grande raio que corta o tecido da noite como se fosse unha riscando veludo. E então eu agarro o corpo da Gisa. Meto meus dentes na carne dela. E deixo o relâmpago percorrer meus átomos, visitar cada um deles, roubando energia dos meus elétrons para depois devolvê-los assim ao mundo, como se agora as minhas moléculas de água evaporassem com calma, sem a pressa do calor das altas temperaturas.

Pois foi um orgasmo assim, cheio de poder e força, um orgasmo tipo bang-bang e criação de um novo universo o que tive naquele domingo quase noite em Caraguá com a Gisa. E por conta dele, o Grande, acordei segunda me sentindo parte dela, me sentindo unida a ela como não me sentia havia tempos.

 
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