Livraria da Folha

 
16/09/2010 - 14h01

Para criador de "Mundinho Animal", HQs ainda são tratadas como arte menor

FELIPE JORDANI
colaboração para a Livraria da Folha

Nas livrarias com a coletânea de tiras "Mundinho Animal" (LeYa Cult, 2010), série protagonizada por bichos "fofinhos" que personificam os tipos do mundo da arte, o quadrinista Arnaldo Branco considera que os quadrinhos e seus criadores ainda são negligenciados por parte dos jornais.

Leandro Pagliaro/Divulgação
Arnaldo Branco, autor de "Mundinho Animal", fala de mercado editorial, clichês jornalísticos e seu livro de tiras
Arnaldo Branco, autor de "Mundinho Animal", fala de mercado editorial, clichês jornalísticos e seu livro de tiras

Ele aponta como algumas publicações ainda têm o vício de explicar que as HQs não são apenas para crianças e a falta de alarde em torno dos grandes artistas, mas considera que o gênero foi notado pelas editoras e que agora chegou para ficar.

No volume lançado pela LeYa Cult, o artista faz humor com os lugares comuns do mundo da arte, seja com escritores, músicos, cineastas, críticos e até com as coberturas jornalísticas.

Em entrevista, por telefone, à Livraria da Folha, o criador do "Capitão Presença", um super-herói maconheiro, e do "Agente Zerotreze", conta como surgiu "Mundinho Animal", fala do mercado de quadrinhos e revela os clichês existentes em entrevistas como esta.

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Tiras fazem humor inteligente com lugares comum do mundo artístico
Tiras fazem humor inteligente com lugares comum do mundo artístico

Livraria da Folha: Como você entrou no universo dos quadrinhos?
Arnaldo Branco: Lia quadrinhos, como Angeli e Laerte. Comecei a desenhar em casa. Sempre curti a ideia de trabalhar isso. Depois de rock star, era minha segunda opção de carreira. Então, comecei a fazer coisas para jornais, "house organs", poucas coisas até chegar a internet. Porque antigamente não tinha espaço para quadrinhos nos jornais, já estava tudo meio ocupado. Com a rede, a partir de blogs, comecei a criar personagens e alguns começaram a ter resposta. O Capitão Presença foi o primeiro personagem meu que bateu, que interessou às editoras.

Livraria da Folha: E como surge "Mundinho Animal'?
Arnaldo Branco: Criei a série para um concurso da Folha de S.Paulo de quadrinhos que eu perdi. Tirei segundo lugar, o primeiro lugar foi do Fábio Zimbres. Deixei o projeto parado. Anos depois, o próprio Fábio me chamou para fazer alguma coisa para o site da editora dele e eu acabei oferecendo o "Mundinho". Foi até uma justiça poética e, assim, a tira começou.

Livraria da Folha: Como a proposta de crítica ao mundo artístico foi se afinando ao longo do tempo?
Arnaldo Branco: A mesma vontade que os chargistas têm de criticar a classe política, eu tenho com a classe artística. Vejo ela repetir os mesmos cacoetes da política em outro âmbito. Então pensei: ninguém está fazendo isso, vou fazer.

A princípio eu não sabia que tipo de tom usar. Talvez a tira fosse muito raivosa no início, como um ressentimento jovem. Com o tempo você percebe que a graça de você fazer piadas está justamente em não sentir raiva, mas parar, pensar dez minutos e ver o que seria mais engraçado, explorar ao máximo comicamente aquilo que se quer criticar. Então perdeu em acidez, mas ganhou em graça.

Gosto muito dessa tira, ela representa uma visão de mundo. Pode ser uma visão deficiente, equivocada e tal, mas "Mundinho Animal" é uma boa tradução do que eu penso de verdade.

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Livraria da Folha: O que você achou do livro?
Arnaldo Branco: Está muito além do que esperava. O desenho é meio precário, não sabia como ficaria em forma de livro, mas ficou demais. A distribuição aleatória das tiras também ficou muito boa. Fizeram um trabalho lindo.

Uma coisa boa de ser livro é que você lê tudo de uma vez só. Juntando todas as tiras você vê o grande quadro. Talvez uma pessoa que olhe isoladamente uma tira pense "o que esse cara está falando?". Vendo tudo, ela tem uma ideia melhor do que eu estou querendo dizer.

Livraria da Folha: Como o público reage ao seu trabalho. Há pessoas que se reconhecem?
Arnaldo Branco: Sempre me perguntam se os estereótipos se reconhecem, é engraçado. Como os artistas estão sempre na berlinda da crítica, sempre ouvindo opiniões de todo mundo a respeito do seu trabalho, acho que criam uma certa couraça. Quando eu não escrevo o nome da pessoa na tira, eles não entendem muito bem que é com eles.

Mas não me restrinjo à classe artística. Falo também desse mundo periférico, os blogueiros, consumidores de cultura, o cara que é viciado em música e baixa 200 mil arquivos sem nem saber exatamente se vai ouvir um dia. Esses se reconhecem. Acho engraçado. Ao colocar no Twitter uma tira do "Mundinho Animal", várias pessoas se identificam, "Ah, quem contou minha vida para esse cara?!"

Livraria da Folha: Pelo fato das tiras tratarem de um universo mais ou menos restrito, não corre o risco de você falar apenas para as pessoas que integram esse círculo?
Arnaldo Branco: Tem um defeito da tira que é ser realmente muito específica. Mas por exemplo, o cara que fez o Dilbert criou uma tira para falar daquele universo de trabalho dele, a vida coorporativa. Mas como a vida coorporativa envove milhares de pessoas, o trabalho repercutiu no mundo todo.

Meu universo é para quem consome cultura e sabe desses cacoetes. Então eu penso que como a premissa já é restrita, azar. Minha mãe infelizmente não vai entender alguma coisa. Eu tento ser o mais engraçado possível dentro desse modelo e, por divulgar ele na internet e lugares onde tem pessoas procurando esse tipo de coisa, ele acaba encontrando seu público.

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Livraria da Folha: Você critica clichês do jornalismo também. Quais o vícios desta entrevista sobre o lançamento do seu livro?
Arnaldo Branco: O jornalismo precisa pensar como o leitor e apresentá-lo ao assunto. É impossível fazer uma entrevista como esta e não fazer perguntas iguais a outras. Em todas as vezes em que fui entrevistado até agora as pessoas perguntam se os artistas se reconhecem nas tiras. É uma coisa que você entende que o leitor queira saber.

Pensam, "ele é tão crítico com a classe artística e, às vezes, é tão específico que quase se consegue ler o nome da pessoa criticada na tira, será que a pessoa não se reconhece?". É uma pergunta que todo mundo faz. Então, eu não culpo o jornalismo nesse sentido. Mas, de repente, você pode ir a mais pontos interessantes em uma entrevista maior.

Livraria da Folha: Nesse caso fica até mais difícil fugir do lugar comum, né?
Arnaldo Branco: É, nesse caso você está apresentando a tira. Não tem uma coisa como: "Ah, todo mundo conhece o Arnaldo Branco, então vamos conhecer detalhes da vida dele". Não, ninguém me conhece. Minhas coisas não são novas, mas tem sempre alguém para quem ainda não chegaram. Então tem que pensar nesse leitor que está lendo pela primeira vez.

Livraria da Folha: Como você vê o significativo número de lançamentos de quadrinhos independentes e em grandes editoras este ano?
Arnaldo Branco: Existia uma dificuldade de vender os quadrinhos, mas depois de todos os blockbusters e milhares de dólares envolvidos na adaptação de quadrinhos para os cinemas, as pessoas entendem que esse é um negócio lucrativo. Existe um público interessado.

Agora as editoras estão vendo os quadrinhos como um investimento. Antigamente era mais difícil porque parecia que você estava fazendo alguma coisa de artesão da Idade Média. Hoje em dia se deram conta de que tem leitor pra caramba pra esse tipo de material e que tem trabalhos para públicos diferentes.

Mesmo assim, há jornais que tem o vício de explicar para o leitor em dois parágrafos no começo da matéria que quadrinho não é coisa só para criança. Também há preconceito e os quadrinhos são tratados como uma arte menor, basta ver a diferença em como se fala de literatura e de quadrinhos. Mesmo o escritor com menos penetração com o público recebe mais espaço.

Tem pessoas com credibilidade artística entre os quadrinistas. É sensível uma negligência com nossos grandes autores. Você não vê o Laerte, que é um gênio, ser bajulado como os caras mestres de outras artes são. Acho que falta isso, mas de resto, os quadrinhos agora chegaram para ficar.

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"Mundinho Animal"
Autor: Arnaldo Branco
Editora: LeYa Cult
Páginas: 128
Quanto: R$ 10,32 (preço especial, por tempo limitado)
Onde comprar: Pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Livraria da Folha

 
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