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03/11/2010 - 12h08

Maturidade nasce da violência na delicada e premiada ficção "Cavalos Roubados"

da Livraria da Folha

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Divulgação
Romance premiado retrata a dramática chegada da maturidade
Romance premiado retrata a dramática chegada da maturidade

A descoberta do erotismo, da morte e da hipocrisia que mantém a maior parte dos casamentos marcam a entrada de Trond, o protagonista de "Cavalos Roubados", do norueguês Per Petterson, na vida adulta.

A história é contada do ponto de vista do personagem quando já está com 67 anos e se isola no interior da Noruega, quase divisa com Suécia, atrás de uma rotina regrada e saudável.

Seus planos são interrompidos pelo reencontro com o irmão de seu melhor amigo na infância. O incidente desperta memórias de um verão em 1948 passado no local, quando ele tinha 15 anos, e que tornou-se seu rito de passagem para a maturidade.

As lembranças começam pelo dia em que ele e Jon saem para roubar cavalos. Os desenlaces daquele dia e dos seguintes farão com que o adolescente experimente a proximidade com a morte e o início da sexualidade.

O romance é narrado de forma simples e fluente, com descrições e detalhes que conseguem transportar o leitor para a narrativa.

"Cavalos Roubados" foi escolhido como melhor livro do ano pela revista norte-americana "Time" e agraciado com o International Impac Dublin Literary Award, concedido pelo governo irlandês.

Leia trecho.

*

- Chegamos - disse Jon. - É ali. - Ele apontou para um abeto grande um pouco afastado da trilha. Paramos.

- É grande - eu disse.

- Não é isso - disse Jon. - Venha. - Ele se aproximou da árvore e começou a subir. Não era difícil, os galhos mais baixos eram robustos e longos, pendiam pesados e eram fáceis de segurar, e em dois tempos ele tinha subido vários metros, e o segui. Ele escalava depressa, mas depois de uns dez metros parou e ficou sentado esperando até alcançarmos a mesma altura, e como tinha bastante espaço era possível sentar lado a lado, cada um em seu galho grosso. Ele apontou para um ponto um pouco mais à frente, em que o galho onde estava sentado se dividia em dois. Um ninho pendia da bifurcação, parecia uma tigela funda ou quase um cone. Já vi muitos ninhos, mas nunca um que fosse tão pequeno, com tamanha leveza, tão perfeitamente formado de musgo e penas. E não pendia. Pairava.

- É a estrelinha-de-poupa - disse Jon baixinho. - Segunda ninhada. - Inclinou-se para a frente e estendeu a mão em direção ao ninho, colocou três dedos na abertura coberta de penas e tirou um ovo tão minúsculo que me deixou boquiaberto. Equilibrou o ovo entre as pontas dos dedos, segurando-o de modo que eu pudesse observá-lo de perto, e fiquei atordoado por ver aquilo e pensar que em poucas semanas aquela esfera minúscula, ligeiramente oval, se transformaria num passarinho vivo, com asas, que seria capaz de se lançar dos galhos do alto e mergulhar, sem nunca bater no chão, mas com instinto e vontade de disparar para cima e contrariar a gravidade. E exprimi isso em voz alta:

- Meu Deus! - exclamei. - É estranho que alguma coisa tão pequena possa ganhar vida e simplesmente sair voando - e talvez não fosse tão bem articulado e era muito inferior à sensação impetuosa, etérea que sentia dentro de mim. Mas naquele momento aconteceu algo que fugiu da minha compreensão, pois ao erguer os olhos para o rosto de Jon vi que estava tenso e completamente branco. Se o motivo foram aquelas poucas palavras que eu disse ou se foi o ovo que ele segurava, nunca vou saber, mas houve algo que se transformou tão subitamente, e ele cravou os olhos em mim como se nunca tivesse me visto antes, e dessa vez não apertou os olhos, as pupilas estavam dilatadas e pretas. E então abriu a mão e deixou cair o ovo, que deslizou ao longo do tronco. Eu o segui com os olhos, vendo-o atingir um dos galhos mais abaixo, quebrar e se desfazer em pequenos fragmentos alvos que rodopiaram para todos os lados e caíram com flocos de neve, quase sem peso, antes de desaparecer lentamente. Ou pelo menos é assim que me recordo daquilo, e não consegui pensar em nada que tivesse me desesperado tanto. Olhei para Jon de novo, e ele já se inclinara para a frente, e com uma mão arrancou o ninho da forquilha do galho, segurou-o com o braço esticado e, a poucos centímetros de meus olhos, esmagou-o até que virasse pó entre os dedos. Quis falar alguma coisa, mas não consegui dizer uma palavra. O rosto de Jon era uma máscara lívida com a boca aberta, e dela saíam sons que me causavam calafrios, nunca tinha ouvido nada parecido, sons guturais que pareciam de um animal que eu nunca vira e não tinha nenhum desejo de ver. Ele abriu a mão de novo e bateu com a palma no tronco da árvore, esfregando-a contra a casca, e pequenos flocos se espalharam, e por fim era só uma mancha que eu não aguentava olhar. Fechei os olhos e os mantive assim, e quando tornei a abri-los Jon já estava descendo. Quase deslizava de galho em galho, e olhei diretamente para seus cabelos rebeldes e castanhos, e ele não olhou para cima uma única vez. Quando faltavam poucos metros, simplesmente se soltou e aterrissou no solo com um estrondo que ouvi lá de cima, de onde estava sentando, e em seguida caiu de joelhos como um saco vazio e bateu com a testa no chão, ficando assim encolhido durante o que pareceu uma eternidade, e por toda aquela eternidade permaneci imóvel prendendo a respiração.

*

"Cavalos Roubados"
Autores: Per Petterson
Editora: Verus
Páginas: 256
Quanto: R$ 27,96 (preço promocional, por tempo limitado)
Onde comprar: 0800-140090 ou na Livraria da Folha

 
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