Livraria da Folha

 
23/05/2010 - 13h10

Quando mulher começa com onda mística é sinal de "pé na bunda", diz Xico Sá

PAULA DUME
colaboração para a Livraria da Folha

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"É impossível saber o que é puro teatro e o que não é teatro na fêmea", comenta o jornalista
"É impossível saber o que é puro teatro e o que não é teatro na fêmea", comenta o jornalista

O "macho moderno" encontra-se perdido diante dos questionamentos das mulheres. O jornalista, escritor e colunista da Folha de S.Paulo Xico Sá ironizou o azar masculino e justificou sua devoção às moças em seu novo livro, "Chabadabadá", lançado neste mês pela Record.

O título da obra não parece um chiste, é. Refere-se ao refrão da trilha sonora do filme "Um Homem, uma Mulher" (1966), do diretor francês Claude Lelouch. No Brasil, por conta da sonoridade do "chabadabada", a canção ficou conhecida como "sábado ela dá, sábado ela dá...".

"Uma música bem cafona e sensacional. Entre os amigos, sempre canto esse refrão quando alguém começa a pegar alguém ou simplesmente olha de forma romântica", explicou Xico, em entrevista à Livraria da Folha. Motivados por muitas jornadas psicanalíticas femininas em balcões de botequins, os contos e crônicas de "Chabadabadá" --na maioria, inéditos-- não esclarecem, mas atiçam as dúvidas masculinas.

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Em contos e crônicas, Xico tenta desvendar mistério das mulheres
Em contos e crônicas, Xico tenta desvendar mistério das mulheres

Durante a conversa, Xico detalhou as espécies de macho que existem na "selva sentimental" e por que divide as mulheres em grupos. "Adoto o modelo clássico e literário, com predomínio de dois grupos: as lolitas à [Vladimir] Nabokov e as afilhadas de [Honoré de] Balzac", defendeu o jornalista. O primeiro é até uns 27, 28 anos, e, o segundo até a faixa dos 50 e tantos.

Questionado sobre o "retorno de Saturno" --uma fase de forte reavaliação da vida, segundo a astrologia--, disse que não acredita nem no eterno retorno de Nietzsche quanto mais no do planeta. "Mas que ele existe, existe. Já fui vítima do tal umas quatro vezes", confessou. Xico afirmou que os homens se sentem intimidados pelas poderosas ou enigmáticas, porque não entregam o jogo no primeiro tempo.

Leia abaixo a íntegra da entrevista.

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Livraria da Folha: O "macho moderno" se sente pressionado em qual sentido?
Xico Sá: Não é bem pressionado, é que a maioria não sabe lidar mesmo com a nova fêmea e os novos cenários. Não aguenta o tranco, não segura a onda. Um bom exemplo disso nos veio naquela pesquisa do IBGE que revelou o drama: nos lares doces lares onde as mulheres passaram a ganhar mais do que os homens começaram a ocorrer mais divórcios. Haja insegurança e a ampliação do medo dos marmanjos diante da possibilidade humaníssima do chifre, da traição, de serem vítimas do que praticamos a vida inteira.

Livraria da Folha: Na "selva sentimental", quais as três principais espécies de homens e suas características?
Xico: 1) O macho-jurubeba é o homem à moda antiga, com a vantagem de ainda preservar o cavalheirismo mas com todo um embornal do machismo decadente; 2) O macunaEmo é o macho brasileiro moderno por excelência: é sensível, chora muito, é amigo, mas é preguiçoso até sexualmente, não tem a pegada e a selvageria do jurubeba e 3) O doce cafajeste ou cafa-lírico. Eis um tipo antigo, mas sempre renovável, o eterno conquistador, mas quase sempre claro, explícito, não costuma cometer fraudes amorosas; as mulheres sabem com quem estão lidando e aceitam assim mesmo.

Livraria da Folha: Você não trata as mulheres como espécies, mas como grupos [as balzaquianas, por exemplo]. Por que essa diferenciação?
Xico: Com mulheres, eu adoto o modelo clássico e literário, com predomínio de dois grupos: as lolitas à [Vladimir] Nabokov e as afilhadas de [Honoré de] Balzac. Estico o lolitismo até uns 27, 28 anos, dependendo da fofolete, da voz, do jeito de menina e do comportamento, e alongo as balzaquianas até a faixa dos 50 e tantos anos. Os novos costumes, as artes plásticas dos bons cirurgiões e a indústria cosmética mudaram o patamar dessas faixas.

Livraria da Folha: Falando em balzaquianas, os 30 anos --citado por Honoré de Balzac, em "A Mulher de Trinta Anos" -- é uma idade que define o desespero sentimental das mulheres?
Xico: Não, de forma alguma. Pode até ser a primeira crise mais séria, na virada dos 20 para os 30, mas acho que representa agora o início de uma fase interessantíssima, novos horizontes, o fim daquela fase de só pensar na carreira e nas coisas mais egoístas. É aos 30 que a maioria das mulheres modernas começa a pensar na ideia de filho ou de uma história amorosa mais tranquila. Belíssima idade.

Livraria da Folha: Por que homem é esotérico e mulher é mística?
Xico: Aí se trata de uma definição que vale para a hora do pé na bunda. Quando uma mulher começa com uma onda mística, o homem pode se preparar: vem aí a cerimônia do adeus. É quando o homem, uma vez dispensado humilhantemente, se torna um esotérico, acredita em qualquer faixa de "trago o seu amor de volta" ou qualquer mandinga.

Livraria da Folha: Acredita no chamado "retorno de Saturno" [fase de forte reavaliação da vida, segundo a astrologia] entre os 28 e 30 anos?
Xico: Não creio nem no eterno retorno de [Friedrich] Nietzsche quanto mais no retorno de Saturno. Mas que ele existe, existe. Já fui vítima do tal umas quatro vezes. É sempre a mesma coisa: quando a menina vem com esse papo, atribuindo tudo aos anéis do planeta, pode coçar a testa ou cair fora antes de levar um fora. É sinal que a tua casa caiu, amigo, não tem jeito. Talvez seja a maior das obviedades femininas.

Livraria da Folha: Como os homens percebem que as mulheres estão fingindo tanto o sentimento quanto o prazer?
Xico: Eu prefiro que finjam mesmo, me deixam orgulhoso e satisfeito. É impossível saber o que é puro teatro e o que não é teatro na fêmea. Como diz a canção, elas têm o dom de iludir. Somos apenas pescadores, mentirosos amadores em relação a elas.

Livraria da Folha: Os homens se sentem intimidados por qual tipo de mulher?
Xico: Especialmente pelas poderosas ou enigmáticas, que não entregam o jogo no primeiro tempo.

Livraria da Folha: Você constantemente cita seus amigos em suas crônicas e em seus livros. Eles se sentem incomodados?
Xico: Cito para celebrá-los e também para evitar roubar na cara dura suas frases e tiradas geniais nas mesas de bares e restaurantes, mas muitos deles já vieram me pedir, pelo amor de Deus, que usasse as citações sem dar a fonte. "Dispenso essas homenagens", disseram. Tudo por medo das reações das suas mulheres, pois normalmente, nas melhores ocasiões, são frases que podem atrapalhar um casamento ou um bom namoro. Agora preservo a maioria, assumindo a bronca.

Livraria da Folha: Quais livros indica sobre o tema macho e fêmea/literatura para os interessados(as).
Xico: Recomendo "A Arte de Amar", de Ovídio (mesmo escrito no ano 1 a.C., é um guia genial e poético para os cavalheiros de hoje); "Fragmentos de um Discurso Amoroso", de Roland Barthes (nunca mais você pensará o mesmo sobre o rame-rame dos relacionamentos); "Do Amor", de Stendhal (alta literatura a serviço da banalidade amorosa); "Filosofia na Alcova" ou "Escola de Libertinagem", de Marquês de Sade (a minha edição é da Editora de Brasília, de 1968, mas foi republicado) e "Amor Líquido", de Zygmunt Bauman (tudo que você queria saber sobre a falta de laços mais firmes nos relacionamentos modernos).

 
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