Livraria da Folha

 
20/09/2009 - 13h47

Larry Rohter e Roberto DaMatta discutem a questão do estrangeiro na Bienal do Livro

PAULA DUME
Colaboração para a Livraria da Folha, da Bienal do Rio

Pessoas disputando cada metro quadrado de escuta e de visão. Motivo? A mesa do jornalista norte-americano Larry Rohter e do antropólogo Roberto DaMatta, no último sábado (19), na 14ª Bienal do Livro no Rio de Janeiro. Quem mediou o debate "Ficções e Realidades nas Visões de Brasil e EUA" foi a jornalista e escritora Regina Zappa. O bate-papo teve início às 17h, no espaço do Café Literário.

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Larry Rohter e Roberto DaMatta conversam sobre as semelhanças e diferenças entre os Estados Unidos e o Brasil na 14ª Bienal
Larry Rohter e Roberto DaMatta conversam sobre as semelhanças e diferenças entre os Estados Unidos e o Brasil na 14ª Bienal

Rohter e DaMatta contaram sobre suas experiências no Brasil e nos Estados Unidos, e como encarar adversidades e até simpatias em países que se tornaram, durante algum tempo para cada um deles, sua casa temporária. As obras dos autores (relacionadas à questão do estrangeiro em solo desconhecido) também brilharam durante a discussão: "Deu no New York Times", de Rohter e "Tocquevillianas", de DaMatta.

Regina iniciou a conversa pedindo que a dupla falasse como é escrever sobre outra sociedade da qual eles não faziam parte. Rohter contou sobre a composição do livro, como chegou ao Brasil pela primeira vez em 1972 até sua adaptação em solo nacional. O jornalista pontuou que leitura, vivência e memória é a tríade que permite a um estrangeiro ambientar-se ao local onde permanecerá. Disse também que enquanto permaneceu no Brasil estudou "a tremenda variedade cultural" do país.

Já DaMatta descreveu algumas curiosidades de sua viagem para os Estados Unidos, em agosto de 1963, quando ingressou em Harvard, e como viveu, de certa forma, o assassinato do presidente John Kennedy em território norte-americano em novembro do mesmo ano. Comentou sobre a observação que o estrangeiro tem que possuir e de como é importante tornar-se um observador. Daí, as semelhanças, dificuldades e variedades surgem e acabam contribuindo para entender o território no qual você está. "Vivemos sob o impacto do que está acontecendo agora", disse o antropólogo.

Brasilidades x the way of american life

Questionado sobre o que mais lhe chamou a atenção no país, Rohter falou sobre o abismo entre o Brasil oficial e o Brasil verdadeiro. O correspondente do jornal The New York Times chegou ao país no início da década de 1970, durante a repressão política e, segundo ele, descobriu um "Brasil paralelo e uma cultura que resistia à ditadura".

Temas como individualismo, egoísmo e racismo também fizeram parte do bate-papo. DaMatta atentou para um fato que comprovou durante o primeiro seminário que participou em Harvard como aluno. "O concordar em discordar foi uma coisa extraordinária", disse sobre uma colega de classe que discordou sobre um ponto apresentado pelo professor que lhes dava aula. O antropólogo também ressaltou o individualismo e a solidão que enfrentou nos EUA.

O jornalista afirmou que o egoísmo até pode existir na cultura brasileira, assim como na norte-americana, mas disse que o brasileiro tem "modalidades de solidariedade". DaMatta explicou que as mudanças ligam-se ao individualismo. Um exemplo disso foi a forma aristocrática de como nos modernizamos, segundo ele. "Nós não dirigimos, temos um duelo", exemplificou. O antropólogo descreveu como o brasileiro e o norte-americano tratam da individualidade: "Nos EUA, um cara que chega em um estádio de futebol e percebe que há uma pessoa sentada em um lugar, acomoda-se no lado oposto. E assim os lugares são preenchidos de maneira homogênea. No Brasil não. Se você senta em um lugar, senta outra pessoa ao seu lado", explicou.

"Eu faço parte da família brasileira"

O correspondente comentou sobre o afeto que recebeu em várias partes do país, como o simples cafezinho que lhe ofereciam. Em contraposição, DaMatta disse que sentia-se um estranho nos Estados Unidos. "A vontade de pertencer é maior do que um copo d'água ou um prato de comida", afirmou. Por isso, a razão de algumas guerras.

O antropólogo também falou que nunca uma língua é suficiente, porque você a aprende de fora para dentro, e a sua é de dentro para fora, "é do coração". Rohter disse que foi por meio de seu casamento com uma brasileira que começou a fazer parte da família brasileira. "Eu nunca me senti fora daqui", declarou.

O jornalista perguntou se DaMatta não achava que brasileiros e norte-americanos eram otimistas. "Eu dou o seguinte conselho para quem está indo para os Estados Unidos: faça o contrário que você faria aqui", respondeu o antropólogo. Rohter disse em tom coletivo que os norte-americanos consideram-se mais iguais perante a lei, mas ainda há problemas. Para DaMatta, o americano acredita que o futuro é agora. O brasileiro prorroga suas ações.

A dupla discutiu também sobre a questão racial nos dois países. Segundo o correspondente, o Brasil tenta disfarçar o problema da raça com a questão da desigualdade de classes sociais. "O Brasil tem que enfrentar este problema com mais honestidade e franqueza", disse. "E digo isso com todo o respeito", completou. Questionado pelo público sobre o polêmico episódio com o presidente Lula que quase lhe rendeu a extradição, em maio de 2004, Rohter explicou como são tratadas as vidas pública e privada dos políticos no seu país e no Brasil. "Qualquer comportamento deles que altera a esfera pública é pauta nos EUA. Aqui ainda existe a casa e a rua", comentou.

 
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