Livraria da Folha

 
27/11/2009 - 07h51

Apagão e violência são maiores riscos para Copa de 2010, diz autor de "Pé na África"

ANDRÉ BENEVIDES
colaboração para a Livraria da Folha

Eduardo Knapp/Folha Imagem
Fabio Zanini
O repórter da Folha de S.Paulo Fábio Zanini relata suas andanças pela África em 2008

Quando o repórter da Folha de S.Paulo Fábio Zanini esteve na África do Sul, em 2008, observou que os habitantes da capital Johannesburgo demonstravam quase ou nenhum interesse pela realização da Copa do Mundo em seu país, a ser realizada em 2010. Suas impressões foram relatadas no livro recém lançado "Pé na África", em que ele conta suas andanças naquele ano por este e outros 12 países do continente.

Leia um trecho do livro "Pé na África"

De lá para cá, no entanto, alguma coisa mudou na nação que sediará o maior torneio mundial de futebol: "Não se fala de outra coisa por aqui", afirma ele, em nova viagem ao "berço da humanidade". O jornalista explica que todos torcem pelo sucesso do evento, pois esta é uma preciosa chance que os sul-africanos terão de mostrar ao mundo que o país do apartheid ficou para trás.

Mas os desafios não acabam por aí. Zanini acredita que eles estão bem preparados em termos de estádios e aeroportos, mas ainda pecam com relação a transporte público, hotéis, eletricidade e segurança. "Um apagão ou uma onda de violência são as maiores ameaças".

Seja como for, ele tem certeza de que a organização brasileira terá muito o que aprender com a experiência sul-africana para garantir, por sua vez, uma ótima Copa em 2014. "Fazer evento assim na Alemanha é fácil. Na África, bem mais difícil. Se a coisa funcionar mais ou menos bem aqui, então o Brasil tem todas as condições de organizar também", conclui.

Divulgação
Jornalista da Folha conta algumas das aventuras que viveu em 2008
Jornalista da Folha conta algumas das aventuras que viveu em 2008

Mochilão
Em 2008, Zanini embarcou para uma viagem de quatro meses e meio no continente africano. De lá, enviava matérias regularmente para a Folha e ainda atualizava seu blog na Folha Online, "Pé na África". Desta experiência privilegiada nasceu o livro que acaba de chegar ao mercado.

Sua rotina, no entanto, não era fácil. Passou por cerca de 30 cidades neste curto período, cobriu uma eleição no Zimbábue, visitou um campo de refugiados no Congo, viu a devastação provocada pela Aids em Uganda, acompanhou a visita do presidente Lula a Gana. Estas aventuras e ainda muitas outras são contadas na obra.

Sempre tentando aproveitar seu tempo ao máximo, ele não para. E já está de volta à África, onde reúne mais informações para uma publicação que deve sair no próximo ano, no ensejo da Copa do Mundo. Por e-mail, ele respondeu a algumas perguntas da Livraria da Folha, que podem ser lidas a seguir:

*

Livraria da Folha: Em seu livro, você comenta que praticamente não havia sinais sobre a Copa do Mundo em Johannesburgo. Isso já mudou? Como está a expectativa agora?
Fábio Zanini: Sim, mudou bastante. Na medida em que os estádios estão ficando prontos, e que obras vão sendo feitas, o interesse tem crescido. Estou em Durban agora, por exemplo, e o estádio novinho em folha acabou de ser terminado. Não se fala de outra coisa por aqui. Os jornais também já começaram a se mostrar mais interessados. Há um sentimento de torcida por aqui para que o evento de certo, porque é uma chance de a África do Sul mostrar que é um país maduro. Penso que demorou um pouco para o país abraçar o evento, talvez porque o futebol aqui dispute espaço com o rúgbi e o críquete.

Livraria da Folha: Quais são, em sua opinião, as vantagens e desvantagens de uma Copa na África do Sul, tanto para os habitantes locais quanto para o evento e o público estrangeiro?
Zanini: A maior vantagem, além do dinheiro que os turistas estrangeiros trarão ao país, é a África do Sul ser finalmente reconhecida internacionalmente. A imagem do país ainda é muito ruim, por causa do apartheid e da violência. A grande desvantagem, ou o grande risco, é ser exposta uma realidade de ilha da fantasia durante o torneio, e após a sua passagem tudo voltar como antes: com violência, caos urbano e falta de eletricidade. A Copa é uma oportunidade, mas também pode levar a uma desilusão muito grande.

Livraria da Folha: A África do Sul está preparada para receber o evento? Quais problemas você acha que poderão acontecer?
Zanini: Está bem preparada com relação a estádios e aeroportos. Mais ou menos preparada em relação a transporte público e hotéis. E mal preparada com relação a eletricidade e segurança. Um apagão ou uma onda de violência são as maiores ameaças.

Livraria da Folha: Partindo do pressuposto que a violência é um grande problema tanto aí quanto no Brasil, como nós poderemos tirar proveito da experiência sul-africana para fazer a Copa de 2014?
Zanini: Total proveito. O Brasil deveria olhar com atenção o que acontecerá aqui no ano que vem. Porque a Copa de 2010 é a primeira experiência de grande evento internacional em país subdesenvolvido em décadas. Fazer evento assim na Alemanha é fácil. Na África, bem mais difícil. Se a coisa funcionar mais ou menos bem aqui, então o Brasil tem todas as condições de organizar também. No quesito violência, os sul-africanos estão querendo fazer uma "bolha", reforçando muito a segurança de locais frequentados por turistas, para dar a impressão de que o país é seguro. Um pouco como o Brasil já fez no Pan do Rio. Vamos ver se vai dar certo.

Livraria da Folha: Qual foi a coisa mais impressionante que você viu nesta viagem?
Zanini: Muitas coisas. A pobreza, obviamente, choca, mesmo para um brasileiro. Os campos de refugiados no Congo e no Quênia, sem comida e com crianças miseráveis (e mesmo assim sorrindo o tempo todo) impressionam. No Quênia, um homem deu risada quando perguntei se ele comia carne. Fiquei positivamente impressionado com a simpatia dos africanos, em todo lugar. Dar bom dia e perguntar como vão as coisas, mesmo que para um completo desconhecido, é prática corrente.

Livraria da Folha: Como jornalista, e muitas vezes sem credenciamento, você passou por muitos apuros? Quais as grandes dificuldades de se trabalhar nestas condições?
Zanini: Sim, passei por vários. No Zimbábue, principalmente, que é uma ditadura feia. Cheguei a ser detido por alguns minutos pelo Exército, que não acreditou na minha conversa de que eu era apenas um turista. Aliás, na África não convém dizer que você é jornalista. Eu me identifiquei como turista, estudante, pesquisador e até observador eleitoral (no Zimbábue). Tudo para não dizer que era jornalista.

Livraria da Folha: Quais são os seus próximos projetos com relação ao continente? Você poderia antecipar alguma coisa sobre este seu próximo livro?
Zanini: Estou ajudando em um novo projeto mais voltado para a África do Sul, sobre experiências inesquecíveis no continente. Vai aproveitar o gancho da Copa, do turista que vem ver os jogos e quer conhecer algo mais.

Livraria da Folha: Quais livros você recomenda sobre a África?
Zanini: Todos do Kapuscinsky, especialmente "O Imperador", sobre a Etiópia, "Ébano" e "Outro Dia na Vida", sobre Angola. Ha um sobre Ruanda chamado "Gostaríamos de Informar que Amanhã Seremos Mortos com Nossas Famílias". E recomendo a autobiografia de Nelson Mandela, "Longo Caminho para a Liberdade". Acho que todos têm no Brasil.

 
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