Livraria da Folha

 
09/01/2010 - 19h20

João Cabral evita o drama como trampolim para a demagogia, diz acadêmico

PAULA DUME
colaboração para a Livraria da Folha

Inovador para alguns, rigoroso para outros. O que é inegável, no entanto, é que o poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto, que completaria 90 anos hoje (9), encarava a poesia como a própria realidade, sobretudo para falar sobre a experiência dos homens e do mundo.

João Cabral se estabeleceu como precursor da poesia concreta no Brasil, devido à força e visualidade que incutiu na palavra. O autor inovou na poética e no contrafluxo do lugar-comum em seus escritos.

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Em entrevista à Livraria da Folha, o acadêmico Antonio Carlos Secchin afirmou que o pernambucano é um dos raros poetas que não utiliza o drama social como trampolim para a demagogia. O professor, crítico literário e especialista em João Cabral afirmou que o poeta é muito analítico, o que, para alguns, pode ser considerado um "defeito".

Divulgação
Pernambucano João Cabral de Melo Neto inovou na poética e no contrafluxo do lugar-comum em seus volumes
Pernambucano João Cabral de Melo Neto inovou na poética e no contrafluxo do lugar-comum em seus volumes

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Livraria da Folha - Na obra de João Cabral, a crítica da realidade é dependente da crítica da linguagem. Em qual livro essa característica é contundente?
Antonio Carlos Secchin - A meu ver, a obra de Cabral que leva mais longe as relações entre crítica da linguagem e crítica da realidade é "A Educação pela Pedra", de 1966. Basta ler um poema como "Tecendo a Manhã" para se constatar o imbricamento de metalinguagem e discurso social.

Livraria da Folha - Em "A Educação pela Pedra", o escritor alia o processo de aprendizagem ao fazer poético. Como ele lidava com essa "tarefa" no dia a dia?
Secchin - No caso de Cabral, o processo foi mais de "desaprendizagem" da tradição lírica da língua portuguesa, cujas literaturas, aliás, o interessavam apenas moderadamente.

Livraria da Folha - O senhor percebe, de algum modo, a brutalidade cotidiana descrita por João Cabral ecoar nas gerações posteriores? Se sim, de que modo?
Secchin - As situações descritas por João Cabral vêm apresentando, felizmente, índices de melhora. Ele é dos raros poetas em que o drama social não é trampolim para a retórica altissonante ou para a demagogia.

Livraria da Folha - Quando descreve a cidade, ele a gradua. Por que isso não acontece com o agreste? Ele chega ao leitor de sopetão, como em uma espécie de metabrutalidade, própria do meio. Seria esse o motivo?
Secchin - Mesmo provocando impacto inicial, a tendência do poeta é sempre - não diria graduar, mas matizar. Cabral é muito analítico, o que, para alguns leitores, chega a ser um "defeito".

Livraria da Folha - São 90 anos de nascimento e 11 de morte do escritor, a serem completos no próximo dia 9 de outubro. Na sua opinião, pode-se estimar uma "idade literária" na obra do poeta, independente do início e do término de sua produção?
Secchin - Talvez seja, dos nossos clássicos, o mais próximo da sensibilidade contemporânea - o autor cuja linguagem e cujas questões descolam-se da data efetiva de produção para dialogarem, vivas, com o leitor de hoje.

 
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